Banda de Ipanema - Folia de Albino,
de Paulo Cezar Saraceni

Brasil, 2002


Mais do que bom ou ruim, Banda de Ipanema é um filme que levanta tantas questões sobre o que seja fazer cinema, e em especial fazer documentário e suas funções, que se torna um filme prazeroso de ser assistido não só pelo que possa estar na tela, como também pelo exercício de opinião que ele representa.

Já o seu início é extremamente radical em apresentar todos os pontos positivos e negativos que o filme possa ter (e eles vão trocar várias vezes de lados entre si, ainda mais de acordo com os olhos de quem vê). Vemos a preparação do desfile da Banda de Ipanema de 2000, no restaurante Jangadeiros. Ou melhor: vemos umas 30 ou 40 pessoas numa festa absolutamente particular, se embebedando e pegando o microfone para falar coisas relevantes, outras nem tanto, bobagens completas, ou simplesmente serem inaudíveis. Sim, a sensação primeira é a daqueles filmes que seu tio puxava do fundo do armário no meio de uma festa de Natal: "Vamos ver aquela festa no Jangadeiros de novo!" Chega a ser constrangedor, porque estamos vendo esta exposição de intimidades que aparenta só fazer sentido para quem participou dela. Mais do que isso, estamos vendo isso numa enorme tela de cinema! E com outras pessoas desconhecidas (de nós e das pessoas na tela) na sala.

No entanto, existe uma capacidade de mantra naquelas imagens. O constrangimento vai, lentamente, se tornando uma cumplicidade. Começamos a entender aquelas pessoas e, se não a partilhar do seu entusiasmo, certamente a achá-lo engajante. O ponto ápice deste primeiro movimento é a entrevista de Fausto Wolf com Newton Cavalcante: ambos completamente bêbados, são seguidamente interrompidos por Saraceni, e parece que ninguém sabe exatamente o que está dizendo, e porque. "Cada um fala o que quiser!", berra o diretor, num quase lema do filme. É uma cena digna de antologia pelo que desnuda de um formato tão formulaico quanto hoje é o documentário mais tradicional. Daí por diante, não tem jeito: ou a pessoa já saiu da sala revoltada com aquele enorme "home video", ou está conquistada pela coragem do diretor. O que não se pode negar é que o filme é um porre: resta saber se será isso apenas para seus documentados, ou para quem vê também.

Num segundo momento, nos vêm as inquietações com o que seja considerado hoje um documentário, e sua função. Informar? Nos apresentar uma realidade? Abrir nossos olhos? E o documentarista, que postura deve ter? Um distanciamento objetivo? Nesses pontos, o fato é que Banda de Ipanema desafia as regras, mas ele não faz por birra, e sim porque só faz sentido por isso mesmo. Primeiro porque o "diretor" não parece ter mais controle do que ninguém sobre o que está filmando/mostrando: ele é tanto personagem quanto observador, o tempo todo. Não há qualquer objetividade ou distanciamento: o filme é um canto de amor a uma pessoa (Albino Pinheiro), a um grupo de amigos (os fundadores da Banda) e a um estilo de vida (o dos boêmios cariocas dos anos 60-70, a esquerda festiva), do qual o diretor fez e faz parte. Nesse sentido, é especialmente tocante quando ele mesmo aparece seguidamente em cena, completamente bêbado. Ele não quer tanto registrar algo, e sim viver aquilo, e a emoção de tentar registrar enquanto se vive. É um documentário emocionante por sua honesta primeira pessoa (do plural, porque todos os envolvidos parecem donos do que acontece).

Quando informa, o filme o faz por fontes terceiras: apela seguidamente para entrevistas feitas por redes de TV, imagens de arquivo que vêm com narração prévia e tudo o que têm direito. Ou seja: claramente não há no sangue do cineasta e sua equipe a menor vontade de serem jornalistas. Para isso, parecem dizer, alguém já fez o trabalho muito melhor do que nós: nossa função aqui não é contar essa história, e sim explicar porque ela é importante para nós, e tomara que vocês também achem. Na verdade, essa idéia de que o assunto principal parece ser o mais importante do mundo para quem fez o filme (e a subsequente e comovente tentativa apaixonada de convencer o público desse fato) é a qualidade mais clara do filme.

Nesta tentativa, o filme se move sempre num aparente caos, mas ele é apenas aparente porque o fato é que a história vai sendo sim contada. E mais, o acúmulo daquelas imagens e depoimentos atinge o efeito de tornar o espectador parte do grupo. Lentamente vamos deixando de lado a impressão de que a vida daquelas pessoas não nos diz respeito, e, ao final de tudo, percebemos que aprendemos sim algo sobre um grupo de pessoas que têm sim uma importância grande. Se tão grande quanto elas pensam importa menos do que o fato de termos visto o quanto elas acreditam nisso.

E aprendemos menos pelo que nos foi dito (o que geralmente esquecemos minutos depois de ver qualquer documentário), do que pela forma como nos foi dito. Banda de Ipanema, sob muitos aspectos, é um filme etnográfico realizado por um membro da tribo filmada. Nesse sentido é quase um sonho de realização documental: que o objeto se iguale ao registro, e ambos tornem-se um só. Por isso tudo, e por ser tão diferente da burocracia que muitas vezes acomete o cinema documental, o filme vale muito.

Eduardo Valente