Assédio,
de Bernardo Bertolucci


Besieged, França/Itália, 1999

O título traduzido, surpreendente e adequado, desde início nos sugere uma abordagem inesperada desse belo e simples filme de amor. O que acontece é que o sr. Kinski assedia sua empregada Shandurai, imigrante africana. É uma classe se impondo sobre outra, da forma mais tradicional e direta.

Este é o mundo simples que sempre percebeu o marxista Bertolucci.

Mas algo aconteceu com o cineasta do Conformista, do Novecento. De tanto se envolver com o mundo do espetáculo, o marxista se deixou seduzir, os oscares falam alto.

Será então um traidor da causa?

Não, o Céu que nos protege já revelava a vontade de errar, de se arriscar e de seguir na velha e nada marxista temática dos sentimentos. Falar sobre sentimentos às vezes faz o público se emocionar, é bom para o espetáculo. Mas nosso velho esquerdista mostrou no citado Sheltering Sky que, para cada movimento de expansão e espetáculo que ofereceria à indústria, teria para si e para seu ego um momento de intimismo, de recolhimento.

E mais uma vez Bertolucci filma o amor. Dane-se que o sr. Kinski é um burguês apalermado, um artista fracassado. Ele se desprende do seu mundo que o enfastia para ganhar o amor da sua empregada, e a cada passo que dá em busca desse desprendimento ele parece mais leve, mais iluminado.

Bertolucci brinca com a narração, mistura uma modernidade fake com um interesse zavattiniano pelos pequenos gestos e transformações na rotina.

Kinski perde tudo, e ganha o que queria. Shandurai ganha o que quer, e se descobre tendo mais do que pode ter. O que acontece? De que resulta todo o esforço, na recompensa do apaixonado ou na realização do projeto, uma vez que um se opõe ao outro?

Fica a dúvida, e isso é o mais bonito de tudo.

Bertolucci age como um jogador que só quer fazer jogadas bonitas. Essa resultou em gol. É efêmero, mas vale a memória.

Daniel Caetano