As Panteras,
de McG


Charlie's Angels, EUA, 2000

Bom ou ruim, As Panteras certamente representa um novo padrão para os filmes de entretenimento americanos. Quem há cinco anos atrás pensaria que a série de tv seria transposta para as telas por um diretor de videoclips novato em longa-metragens que prefere ser chamado de McG (quase o nome de um rapper) onde volta à tela tudo aquilo que um certo tipo de feminismo uma vez tentou banir: exploração feminina, futilidade elogiada e comportamento infantil, quase imbecil? Além disso, um filme que dialoga com o grotesco sem nenhum pudor, que se apropria na cara dura de todos os procedimentos em voga no cinemão – sem entretanto ser um filme de paródia à maneira de SOS Spaceballs ou Todo Mundo em Pânico – deve ao menos despertar alguma atenção.

A abertura já nos informa através do clipe inicial: estamos não dentro de um filme, mas de um seriado televisivo transposto à tela grande. E a lógica de As Panteras definitivamente não é a lógica do cinema, e sim de um spot comercial filmado, à maneira dos programas de auditório ou, se é para nos atermos ao universo cinematográfico, a única experiência equivalente são os nossos filmes de Xuxa e Trapalhões com zilhões e zilhões de participações especiais e artifícios mil de merchandising. Falemos apenas de dois, os mais flagrantes: em um dado momento, Cameron Diaz entra numa discoteca black e começa a dançar um rap de Sir Mix-a-lot. A primeira frase já explica tudo: "I like big butts"/"gosto de popozudas", mas tudo fica ainda mais estranho quando a câmara dá diversos closes na bunda de Cameron Diaz que, graciosa, ri de tudo. Em outra parte do filme, temos Matt LeBlanc, ator da famosa série televisiva Friends, fazendo o mesmo papel do personagem da série, ou seja, de um ator galã meio burro que se acha o máximo.

Não que se queira aqui defender a pureza cinematográfica diante do podre mundo do consumo ou algo que o valha. O cinema nasceu impuro, e é um comércio ao mesmo tempo que é uma arte. E é isso inclusive que deixa algumas partes de As Panteras palatáveis (além dos próprios anjinhos de Charlie, naturalmente adoráveis como bonequinhas geniosas e descerebradas). O que interessa nesse filme é a estética da aglomeração: enfia-se um pouquinho de Matrix, um outro quinhão de Austin Powers, séries de tv e videoclipe, muito videoclipe, assim como o programa do Gugu tem atrações musicais e mulheres em trajes sumários. Mas nem sempre essa estratégia da aglomeração funciona, ou melhor, quase nunca: os momentos de ação, quase todos copiados de Matrix – o próprio Matrix sendo uma cópia dos filmes de Tsui Hark –, não funcionam senão pela graça que proporcionam, as tiradas de mau gosto que ficariam tão bem num filme dos irmãos Farrelly ficam aqui sem graça e sem ter razão, e a necessidade videoclípica de tornar cada instante do filme como um filme particular – coisa que já se via em Quero Ser John Malkovich – impedem que o filme tenha unma fruição sempre interessante.

O que salva o filme são os momentos em que As Panteras se quer mais como série de tv do que como filme. Lá ele pode repetir os elementos da série e entregar a graça a quem de direito no filme, que são os atores: Bill Murray, Lucy Liu, Drew Barrymore e Cameron Diaz. Só eles em performances individuais conseguem extrair alguma graça desse samba do crioulo doido que, apesar de tudo, entretem e mantém com o espectador – incrível – uma relação honestíssima: se o espectador paga pra ver As Panteras, ele paga pra ver meninas bonitas fazendo gestos adoráveis e emitindo frases estúpidas. As Panteras tem o mérito de deixar claro que não é nada além disso e, nesse sentido, é um excelente guia para se entrar no mundo do entretenimento hoje.

Ruy Gardnier