A Herdeira,
de Agnieszka Holland


Washington Square, EUA, 1998

O gênero do filme histórico, especialmente baseado em clássicos da literatura, carrega atualmente um peso indevido, uma idéia de espetáculo estático, de respeito ao ponto do conservadorismo. Quando se sai de casa para se ver uma destas "exibições de figurinos", muitas vezes os piores temores se concretizam. Poucos, como o Scorsese de A Época da Inocência, parecem perceber que ser honesto aos ideais de seus autores tem menos a ver com cópia do que com adaptação.

Pois bem, Agnieszka Holland, realizadora irregular, de ótimos e fracos filmes, acerta em cheio ao filmar o romance de Henry James, Washington Square. Seu maior acerto é dar uma organicidade ao filme através da linguagem cinematográfica, que permite uma real identificação entre personagem e espectador. Ela faz isso usando de uma câmera móvel e ágil, hiperativa como a personagem principal, misturada com uma fotografai em alto contraste e uma trilha sonora com peso próprio.

O início do filme é simplesmente estupendo. Com um plano e duas elipses temporais, pouquíssimas palavras, Holland introduz os personagens em detalhes tão sutis quanto profundos, praticamente desnudando suas almas para nós. Daí por diante, o espetáculo é ver Jennifer Jason Leigh em ação, criando um fascinante caminho de seu personagem, da atrapalhada e tola jovem inicial para a decidida mulher ao final. No comando da narrativa, Holland executa uma igualmente eficaz passagem quase imperceptível até o momento crucial, do toma de comédia de costumes para o melodrama mais pesado.

O filme parece se construir como um jogo onde nos falta a principal informação: afinal, o pretendente da jovem e rica Jennifer é um picareta ou um apaixonado. Ele dá mostras dos dois e há motivos para acreditarmos em ambos. Parece uma dúvida tola, mas na verdade é de grande audácia, pois mantém a platéia sem saber onde posicionar seu afeto. Inteligentemente, constrói-se a revelação, e quando esta é feita, a pergunta que fia, dando contornos muito maiores a tudo, é: afinal, isso era assim tão importante?

O grande segredo para a construção de tão fascinante jogo com o espectador está em James: todos os eus personagens apresentam iguais números de falhas de caráter e qualidades louváveis. Por isso mesmo, nunca se prestam ao amor incondicional nem ao antagonismo da platéia. Esta relação dialética e inteligentíssima é a chave para Holland fazer um filme tão cheio de frescor, vida e profundidade ao mesmo tempo. Um representante do que se costumou chamar de "cinemão" sim, mas quando isso não precisava ser sinônimo de reducionismos nem de falta de humanidade.

Eduardo Valente