007 - Um Novo Dia para Morrer,
de Lee Tamahori

Die another day, EUA, 2002


James Bond é um produto típico do cinema da década de 60. Não se trata aqui de retornar novamente a velha história do contexto político da época, mas atentar para como o James Bond de Sean Connery foi um dos primeiros personagens que pareciam ter consciência de que era, justamente, um personagem de cinema. Tudo naqueles filmes, dos cenários aos absurdos da trama, chamava a atenção para a artificialidade, e o próprio James Bond agia sempre como se tivesse consciência de que era, sobretudo, uma estrela de cinema.

O tempo passa. E se o fim da guerra fria deixou James Bond sem vilões (desde então ele enfrentou entre outros, a máfia russa, anarquistas russos e agora, comunistas norte coreanos), as transformações que o cinema de alto orçamento passou lhe foram igualmente cruéis. Para uma série de filmes que sempre dependeu do artifício, de um certo tom de auto-paródia e da imaginação na construção das cenas de ação, nada pior que a ditadura do roteiro crível e bem fechado. Se há uma característica que transpassa os quatro filmes da série desde que ela foi retomada em 95, é uma tentativa de conciliar todas os elementos que fizeram a fama da série, mas ao mesmo tempo colocar a ação no mundo "real" (de fato, o último filme da série antes de ela ser interrompida no fim da década de 80, Permissão para Matar, eliminava de vez todos os elementos fantasiosos se tornando um filme de ação típico do período não muito diferente de um Comando para Matar).

Esta aposta simplesmente não tem como funcionar porque toda a graça da série seja nos melhores, seja nos piores episódios, sempre esteve ligada ao que ela tinha de artificial. A premissa de que o vilão crie um super raio-laser disparado por satélite, com o propósito aparente de destruir algumas minas na fronteira das duas Coréias, podia ser aceita sem problemas num Dr. No, mas aqui soa como o absurdo que de fato é. O mesmo vale para as cenas de ação, e o que um dia fora leveza acaba se transfigurando em Um Novo Dia para Morrer em mera grosseria.

O diretor Lee Tamahori e seus roteiristas podem até ser creditados por tentarem alguma coisa. Há realmente algo de interessante no vilão e sua relação com as culturas ocidental e oriental, e forçando um pouco a barra dá até para traçar alguns paralelos entre ele e o diretor neozelandês que depois de um filme bem recebido (O Amor e a Fúria) foi levado a Hollywood para fazer filmes de ação como este, mas nada que vá nesta direção vai além de um rascunho. De bom mesmo só uma luta de esgrima que poderia estar em qualquer capa-e-espada B da Warner (não por coincidência a cena de ação mais simples e por isso mesmo imaginativa do filme).

Para piorar tudo, como Um Novo Dia para Morrer comemora os 40 anos da série, somos brindados com diversas referências aos antigos filmes, o que só reforça a comparação desfavorável. Uma destas citações ajuda a definir este novo filme: Halle Berry saindo d`água como Ursula Andrews em Dr. No. Não há nada de errado com a cena em si, mas é duro ver ao longo do filme Berry, a melhor Bond girl que a série teve em muito tempo, ser reduzida a um Rambo. Quando o filme chega ao seu longuíssimo clímax não há nada que ela ou o espectador possa fazer além de esperar que Tamahori termine de conduzi-los com a mesma mão pesada que caracterizou as mais de duas horas anteriores.

Filipe Furtado