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Isto no entanto não se dá com Júlio Bressane, que apesar de possuir uma cinematografia já extensa, foge dos parâmetros habituais da análise crítica. Seus filmes nada ou quase nada revelam da sociedade e do tempo em que foram feitos, seu estilo inconfundível pouco tem a ver com qualquer outro cineasta atual ou passado, seus temas (quando existem) escapam da sociologia, da política, do realismo e também do surrealismo, do psicologismo e outros ismos. Estão, de certa maneira, vinculados ao conceito de "arte pela arte", pois neles a forma de narrar supera totalmente o que está (quando está) sendo narrado. Bressane disse um dia que faz filmes para si mesmo, mas hoje, quase quarenta anos depois de sua estréia, podemos dizer que faz filmes para os poucos que tem o embasamento cultural de compreender os hieroglifos que compõem sua obra. Estes, embora abundantes, são também lacônicos, pois não dão nenhuma pista das fontes de suas abundantes citações, mais literárias do que cinematográficas. Jean- Claude Bernardet, quem melhor destrinchou seus primeiros filmes, revela esse laconismo como sua principal característica estilística (também presente nos seus raros escritos e na sua própria personalidade). É alguem que se expressa melhor por imagens do que pela fala ou pela escrita. Mas mesmo essas imagens são lacônicas, frias, sintéticas, econômicas, minimais. Outros analistas atentos podem levemente detectar, não estilos, mas tendências dentro da cinematografia bressaniana. Uma influência cinemanovista (Bethânea bem de perto e Cara a cara), logo repudiada pelos dois filmes-manifesto (O anjo nasceu e Matou a família); a fase Bel-Air próxima do humor escrachado de Rogério Saganzerla (A família do barulho, Cuidado madame! e Barão Olavo); o superestimado período londrino; depois um outro de adaptações literárias (Sermões, Brás Cubas) e por aí vamos, com obras de transição (O gigante da América e Tabu ) até chegar ao depuramento radical da imagem (Agonia, O mandarim, São Jerônimo, Nietszche em Turim). Será um nefelibata? Esta palavra, para quem não a conhece (sem dúvida a esmagadora maioria), segundo o Dicionário Houaiss, pode significar: 1.Que ou quem vive nas nuvens. 2. Que ou quem não obedece as regras literárias (diz-se de escritor), 3. Que ou quem é muito idealista, vive fugindo da realidade. 4. Diz-se de quem é empolado ou pensativo. Será um concretista, discípulo confesso dos irmãos poetas Augusto e Haroldo de Campos, para os quais só existe a forma, que seria o próprio conteúdo do que ela mesma abrange? Será o concretismo um moderno nefelibatismo, ou não? A obra pretensamente revolucionária que se utiliza da forma tradicional continua revolucionária ou é apenas um tradicionalismo bem intencionado? E a obra hermética que expressa mensagem libertária não será também estéril, por só transmitir o seu recado a alguns poucos, ou a ninguém? Tudo isso é muito pernitente à obra deste diretor único, mas não pode sê-lo a ponto de prejudicar o prazer do cinéfilo de usufruir as belíssimas imagens com que ele volta e meia nos presenteia. Pasolini, num célebre artigo no Cahiers du cinéma quando do lancamento de Gaviões e passarinhos no bravo ano de 68, estabeleceu a diferença entre o cinema-romance e o cinema-poesia. O primeiro conta uma história com começo meio e fim e pode ser bom (Visconti, David Lean, Mizoguchi) ou mau (a grande maioria dos cineastas da indústria). Já da poesia não se exige coerência, nem meio nem fim, só experimentalismo na harmonia e cadência, do ponto de vista musical (Kenneth Anger, Mário Peixoto, Godard). Pois bem, Júlio Bressane, mesmo quando deseja contar uma história (O anjo nasceu, Brás Cubas, O mandarim ) será sempre um cineasta-poeta. E a poesia é mais para ser captada do que racionalizada. É pegar ou largar. João Carlos Rodrigues |
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