TRON: O LEGADO
Joseph Kosinski, Tron: Legacy, EUA, 2010

Por cerca de duas horas, Tron: O Legado oferece a seu espectador a realização de um dos ideais deste início de século: o teletransporte do homem para um universo virtual asséptico onde tudo é jogo e simulação, adultos brincam de videogame o tempo inteiro e conquistam impérios de mentirinha. Um filme para crianças de todas as idades, como se costuma dizer (não que as crianças estejam ficando mais adultas, os adultos é que resolveram se comportar como criança). A infantilização ampla e generalizada do público é um dos grandes motivadores dessa continuação tardia do primeiro Tron, cuja estética synthpop ressurge turbinada, flertando com o aspecto vintage mas cuidando para que nada pareça usado ou démodé.

O herói do filme é o jovem Sam Flynn, filho de Kevin Flynn (Jeff Bridges), que foi o criador da Grade, a cidade virtual para a qual Sam é atraído ao som de Journey e Eurythmics. Chegando lá, ele descobre que a Grade, depois de ter escapado ao controle de Kevin, tornou-se um simulacro futurista do império romano em plena decadência. Um soberano ambicioso e maluco (Clu) montou um exército gigante e planeja ampliar seu domínio, enquanto a população lota o estádio e se entretém com batalhas de gladiadores. Aconchegado num sofá para assistir com ar indolente aos espetáculos violentos de seu coliseu eletrônico, Clu assume a mesma pose dos imperadores romanos dos filmes épicos (cf. Nero/Peter Ustinov em Quo Vadis).

Tron: O Legado não se esforça para, em posse de sua tecnologia avançada, construir uma ficção original e desbravadora, limitando-se a repetir os clichês e as fórmulas que já deram certo na ficção científica do passado recente (Matrix) ou não tão recente (Guerra nas Estrelas). Transposto para a dramaturgia, o sistema binário que originou o mundo digital de Tron se desdobra nas mais simples oposições maniqueistas (bem e mal, luz e escuridão, médico e monstro, lado bom e lado negro da força). A trama deixa de ser minimamente intrigante lá pela metade do filme, quando percebemos que todos os confrontos e enlaces dramáticos, todos os quebra-cabeças narrativos foram pré-fabricados pela indústria do entretenimento e vêm com sua resolução estampada no verso da embalagem. O que importa é a sensação de velocidade, o efeito narcótico do 3D, o prazer visual e sonoro.

“A tensão dramática, de que a arte cinematográfica é a expressão, não corre o risco de desaparecer em proveito de elementos puramente espetaculares?”, Alexandre Astruc se perguntou quando da chegada do Cinemascope em 1953 (é claro que essa pergunta não seria repetida depois que Otto Preminger, Vincente Minnelli, Chang Cheh e John Carpenter tivessem realizado suas obras-primas em tela larga). Tron recoloca a questão em relação ao Imax: a tensão dramática desaparece sob os efeitos espetaculares, uma nova hierarquia se estabelece, com a opsis reinando absoluta sobre o mythos? Nem todos os filmes realizados no formato conseguirão conciliar o desejo de imersão total no espetáculo com a qualidade dramática do enredo, como Avatar logrou fazer quase à perfeição. Restará, muitas vezes, esse desequilíbrio do qual Tron fica sendo, por enquanto, o maior representante.

Luiz Carlos Oliveira Jr.


 Janeiro de 2011