David Fincher é um diretor cujo estilo
baseia-se em efeitos baratos de superfície. Ou ainda: um maneirista que
preocupa-se apenas com as aparências. A rigor, A Rede Social não foge
desta definição, embora seu maneirismo não se revele na chave do exagero, mas
na da discrição e sobriedade (não seria o mesmo com Zodíaco, o
“filme-exceção” na carreira do diretor?): na do minimalismo sóbrio que lhe
confere automaticamente a aura de cult e arty.
Mas, se ultrapassarmos essa superfície, o
que temos? Em primeiro lugar, uma estrutura narrativa não-linear cujo principal
efeito não é o do jogo entre diferentes momentos no tempo, tampouco o de
estabelecer relações de causa-e-consequência que esclarecessem os eventos, mas
o de promover a simultaneidade de informações e correlações de acontecimentos:
uma overdose de estímulos bem semelhante àquela que as redes sociais – em
especial o Facebook – são capazes de provocar. O efeito secundário desta
montagem a um só tempo pulverizadora e aglutinadora é a quebra de expectativas
em relação ao caráter dos personagens, na medida em que eles não desempenham
papéis ou funções claras (ou ao menos não facilmente relacionáveis a
arquétipos), mas são circunscritos por perfis e demarcados por comportamentos
em situações dadas.
A outra grande estratégia de Fincher em A
Rede Social, além da montagem, são os diálogos velozes (embalados pela fala
a jato de Jesse Eisenberg), que provocam uma verdadeira hipnose. Trata-se de um
filme da palavra, não há dúvida. Não necessariamente no sentido do discurso,
como são habitualmente os filmes de tribunal – e este, apesar de
centrar-se grande parte em julgamentos, não é um filme de tribunal –, mas
no da enunciação. Da fala que revela e oculta simultaneamente por seu puro
enunciar e não por seu conteúdo (muitas vezes difícil de ser processado). Fala
que é acontecimento per se.
Derivada provavelmente deste aspecto da
fala, uma sensação de “caos assignificante” emerge, uma confusão generalizada
que rechaça ordenações de cunho moral ou valorativo. A simultaneidade de
solicitações da “rede social” a céu aberto que é a própria sociedade parece estar
traduzida no ensejo dos personagens de simplesmente ascenderem aos olhos dos demais,
sem que haja objetivos mais concretos a serem atingidos. (Talvez o de se destacar
no magma indiferenciador da universidade e do virtual, aqui fundidos
numa só coisa?) A lógica do prestígio baseado na imagem social atravessa a
narrativa, carregando o gosto amargo de uma estratificação excludente (fundamentada
sobretudo no poder monetário) que passa por cima de tudo o que é humano. Mas o
essencial permanece o fato destes elementos extrapolarem dados de roteiro, instaurando
uma progressão que desconhece a pausa, o respiro, a reflexão.
Seria então A Rede Social um filme –
assim como Zodíaco – em que a carga “conceitual” se mostraria a
favor da narrativa, e não apenas como prótese estética "publicitária"? Talvez.
Talvez Fincher tenha encontrado nestes dois filmes uma forma de converter seu
maneirismo estéril em criação de atmosferas pautadas pelo desconforto e um
certo mal estar. Um incômodo causado por uma perturbação das aparências. Em
ambos os filmes, temos um personagem central perverso e condenável pelo qual a
narrativa se interessa sem fim. Há um magnetismo na psicopatia do assassino de Zodíaco e na dissimulação absolutamente odiável de Mark Zuckerberg que rechaça o
julgamento na mesma medida em que impossibilita uma real empatia. Fascinados por seus personagens mas
impassíveis, estes filmes apenas passeiam pelas imagens – relegando ao
espectador a tarefa de dar conta das pulsões sugeridas. E se, no processo, há
um desdém claro pelos fatos – contrariamente à maioria do
cinema narrativo comercial –, não é por uma recusa da Verdade como valor,
mas por Fincher estar desde sempre cego a eles, cego a qualquer verdade, por
interessar-se mais pelos meandros das formas de agir, por só se importar com a
superfície.
Tatiana Monassa
Janeiro
de 2011
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