A REDE SOCIAL
David Fincher, The Social Network, EUA, 2010

David Fincher é um diretor cujo estilo baseia-se em efeitos baratos de superfície. Ou ainda: um maneirista que preocupa-se apenas com as aparências. A rigor, A Rede Social não foge desta definição, embora seu maneirismo não se revele na chave do exagero, mas na da discrição e sobriedade (não seria o mesmo com Zodíaco, o “filme-exceção” na carreira do diretor?): na do minimalismo sóbrio que lhe confere automaticamente a aura de cult e arty.

Mas, se ultrapassarmos essa superfície, o que temos? Em primeiro lugar, uma estrutura narrativa não-linear cujo principal efeito não é o do jogo entre diferentes momentos no tempo, tampouco o de estabelecer relações de causa-e-consequência que esclarecessem os eventos, mas o de promover a simultaneidade de informações e correlações de acontecimentos: uma overdose de estímulos bem semelhante àquela que as redes sociais – em especial o Facebook – são capazes de provocar. O efeito secundário desta montagem a um só tempo pulverizadora e aglutinadora é a quebra de expectativas em relação ao caráter dos personagens, na medida em que eles não desempenham papéis ou funções claras (ou ao menos não facilmente relacionáveis a arquétipos), mas são circunscritos por perfis e demarcados por comportamentos em situações dadas.

A outra grande estratégia de Fincher em A Rede Social, além da montagem, são os diálogos velozes (embalados pela fala a jato de Jesse Eisenberg), que provocam uma verdadeira hipnose. Trata-se de um filme da palavra, não há dúvida. Não necessariamente no sentido do discurso, como são habitualmente os filmes de tribunal – e este, apesar de centrar-se grande parte em julgamentos, não é um filme de tribunal –, mas no da enunciação. Da fala que revela e oculta simultaneamente por seu puro enunciar e não por seu conteúdo (muitas vezes difícil de ser processado). Fala que é acontecimento per se.

Derivada provavelmente deste aspecto da fala, uma sensação de “caos assignificante” emerge, uma confusão generalizada que rechaça ordenações de cunho moral ou valorativo. A simultaneidade de solicitações da “rede social” a céu aberto que é a própria sociedade parece estar traduzida no ensejo dos personagens de simplesmente ascenderem aos olhos dos demais, sem que haja objetivos mais concretos a serem atingidos. (Talvez o de se destacar no magma indiferenciador da universidade e do virtual, aqui fundidos numa só coisa?) A lógica do prestígio baseado na imagem social atravessa a narrativa, carregando o gosto amargo de uma estratificação excludente (fundamentada sobretudo no poder monetário) que passa por cima de tudo o que é humano. Mas o essencial permanece o fato destes elementos extrapolarem dados de roteiro, instaurando uma progressão que desconhece a pausa, o respiro, a reflexão.

Seria então A Rede Social um filme – assim como Zodíaco – em que a carga “conceitual” se mostraria a favor da narrativa, e não apenas como prótese estética "publicitária"? Talvez. Talvez Fincher tenha encontrado nestes dois filmes uma forma de converter seu maneirismo estéril em criação de atmosferas pautadas pelo desconforto e um certo mal estar. Um incômodo causado por uma perturbação das aparências. Em ambos os filmes, temos um personagem central perverso e condenável pelo qual a narrativa se interessa sem fim. Há um magnetismo na psicopatia do assassino de Zodíaco e na dissimulação absolutamente odiável de Mark Zuckerberg que rechaça o julgamento na mesma medida em que impossibilita uma real empatia. Fascinados por seus personagens mas impassíveis, estes filmes apenas passeiam pelas imagens – relegando ao espectador a tarefa de dar conta das pulsões sugeridas. E se, no processo, há um desdém claro pelos fatos – contrariamente à maioria do cinema narrativo comercial –, não é por uma recusa da Verdade como valor, mas por Fincher estar desde sempre cego a eles, cego a qualquer verdade, por interessar-se mais pelos meandros das formas de agir, por só se importar com a superfície.

Tatiana Monassa


 Janeiro de 2011