BRUNA SURFISTINHA
Marcus Baldini, Brasil, 2011

Na cena em que transa com seu primeiro cliente, há um olhar insistente de Deborah Secco para a câmera. Estaria Bruna Surfistinha repetindo um dos gestos inaugurais do cinema moderno, o olhar-câmera de uma jovem atriz, a exemplo de Harriet Andersson perto do final de Monika e o desejo, Jean Seberg no último plano de Acossado, Célia Olga Benvenutti em Lilian M? Além de quebrar um tabu da mise en scène tradicional – que interdita o olhar do ator para a câmera, uma vez que o mundo da ficção deve ser mantido a uma distância segura do espectador –, as protagonistas desses filmes afrontam o espectador com aquele olhar, parecendo lhe dizer: quem é você para me julgar? Em todos esses filmes, a personagem nos encara justamente no momento em que confessa ou executa uma ação condenável pelos “bons costumes”. Lilian, no filme de Carlos Reichenbach, enfrenta a câmera e conta como largou a família na roça e foi se prostituir na cidade grande. Seu olhar impõe uma maturidade moral por parte do espectador, cuja posição diante do filme será menos confortável que na ficção convencional.

Em Bruna Surfistinha, a coisa é bem diferente. O olhar-câmera de Deborah Secco não tem o ar desafiador e destemido das heroínas do cinema moderno. É um olhar até meio sofrido, frágil, suplicando a compreensão do espectador – e talvez o perdão – por ter deixado a vida de garotinha de elite para ser puta. O filme não tem maturidade suficiente para afrontar, nem coragem para desestabilizar. A saída, então, é a mais fácil: a câmera não-distanciada do afeto, essa já desgastada convenção. Estão lá os planos da personagem andando na rua, seguida de perto pela câmera, com o entorno completamente desfocado, trilha sonora etérea acompanhando. Ou dançando numa boate, flutuando a meio palmo do chão, entorpecida, música tecno, luzes piscando. O mundo reduzido à sensação, opção estética que tem sido a camuflagem mais comum dos discursos conservadores.

Há, contudo, um filme dentro do filme que é interessante (e poderia ser mais, caso o diretor perseguisse a fundo seu desenvolvimento). Esse filme trata da dimensão econômica da história de Bruna Surfistinha, que monta seu próprio negócio, constrói uma imagem, um site, uma grife, enfim, elabora uma estratégia de marketing bem sucedida. Mais tarde, sobretudo depois da festa em que se oferece de graça para todos os clientes presentes, o produto se desvaloriza. O negócio decai devido a uma nova estratégia de marketing, desta vez, equivocada. O interesse do diretor nessa parte da história parece bem autêntico, o que confere a ela uma certa consistência ausente nos demais momentos. Já que o filme é publicitário, que ao menos encare com franqueza a publicidade. Mas isso é só um parêntesis dentro da narrativa. O resto é linguagem publicitária lugar comum, com direito a frases banais projetadas nos prédios da Avenida Paulista (cena totalmente constrangedora), narração em off dispensável e final ao som de “Fake plastic trees” (música mais manjada que cobrança de pênalti com cavadinha). Um filme ruim, mas não pior do que a média da produção nacional.

Luiz Carlos Oliveira Jr.


 Março de 2011