63º FESTIVAL DE CANNES

Des hommes et des dieux, de Xavier Beauvois, França, 2010 (COMPETIÇÃO)

O que há de melhor em Des hommes et des dieux é a justeza com que Xavier Beauvois trabalha o discurso religioso – há uma tentativa real de compreensão do discurso cristão e da forma como ele se relaciona com aquela situação. Isso é raro, e faz com que o filme consiga escapar de uma série de clichês de dramatização, que normalmente acabam esvaziando a grande maioria das propostas de filmes que lidam com a religião. Por outro lado, o roteiro do filme parece excessivamente centrado nessa proposta, numa solidez um tanto analítica que limita o filme. Para se ter uma idéia, um dos momentos dramáticos chave do filme é uma cena em que Beauvois simplesmente filma o rosto de cada um dos monges, em close-ups que vão se fechando em escala – e pronto, é isso. Beauvois procura na maior parte das vezes um tom mais frio e equilibrado, o que dá ao filme um certo ar de importância que ele na verdade não tem – na realidade, é um filme limitadíssimo, meio chapado mesmo, e que nunca vai além das idéias que tem na cabeça.

Des filles en noir, de Jean-Paul Civeyrac, França, 2010 (QUINZENA)

Des filles en noir, de Jean-Paul Civeyrac, exibido na Quinzena, podemos dizer, ao contrário, que é um filme cuja solidez é verdadeira, o que também não o impede de cair nas suas próprias limitações. O filme é sobre duas adolescentes de uma cidade pequena e a rejeição que sentem em relação ao mundo de uma maneira geral, somado a um típico fascínio romântico pela idéia do suicídio. Há um sentido de organização extremo dos elementos (de encenação e metafísicos) que às vezes faz pensar num cineasta como Brisseau – como também um tipo de tentativa de compreender os personagens a partir do próprio ato de filmá-los, numa insistência e apego àquilo que eles têm de mais fundamental (o corpo, o rosto, a posição em relação à câmera). Mas se em Brisseau existe todo um sentido de aventura (!) nessa proposta, um rumo ao desconhecido, em Civeyrac o objetivo se limita à própria compreensão dos personagens. É um filme que fica detido, amarrado a um certo conjunto de sentimentos daquelas personagens (rejeição à vida, falta, culpa), e que faz isso muito bem, narrativamente falando – e “competência”, aqui, jamais quer dizer mediocridade. Mas fica sempre a sensação de que o filme poderia ter ido mais fundo.

Hors la loi, de Rachid Bouchareb, França/Argélia/Bélgica/Tunísia/Itália, 2010 (COMPETIÇÃO)

Há muito pouco a se dizer sobre Hors la loi. Junto com Chongquing Blues, deve ser o pior filme da competição oficial (mas não vi vários). A vilanização evidente dos franceses nas primeiras cenas do filme (passadas antes e durante a Guerra da Argélia) foi o principal motivo para a polêmica criada em cima do filme. Mas isso dura cinco minutos. Depois a história é passada para a França, e Bouchareb parece querer fazer qualquer coisa entre um épico familiar e um drama político, num contexto de violência que faz pensar em Era uma vez na América. Mas é um filme completamente lavado, sem atmosfera – a violência não é sentida na pele (nem em parte alguma). Os personagens são arquétipos vazios, e cada cena parece servir apenas para reforçar certas características deles que já havíamos compreendido nos primeiros dez minutos de filme, o que torna o resultado bastante entediante. Lembra muito os típicos dramalhões que costumam concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro (é bem possível que Bouchareb chegue lá).

Calac Nogueira


Maio de 2010