63º FESTIVAL DE CANNES

Chatroom, Hideo Nakata, Inglaterra, 2010
(UN CERTAIN REGARD)


Chatroom parte de uma premissa interessante. A idéia é alternar entre cenas da vida familiar e social de um grupo de adolescentes britânicos e a realidade de um imenso fórum virtual – espécie de Mirc atualizado ao dias de hoje – composto de infinitos chatrooms pelos quais circulam esses mesmos personagens; tudo isso sem recorrer ao texto escrito. A realidade virtual da sala de bate-papo é assim transformada em espaço físico, os personagens corporificam seus avatares e o texto é tornado fala. A diferença entre um mundo e outro, como se não pudesse deixar de haver, é marcada nos tons da fotografia, no grau de verossimilhança do cenário, no gestual dos atores – os avatares são sempre mais performáticos que as matrizes, simbolizando de forma bem precisa o modo de funcionamento deste universo.

Contudo, se a solução visual proposta por Hideo Nakata para representar o mundo textual dos chats parece bastante original (não podemos deixar de suspeitar fortemente que ela já existisse na peça teatral sobre a qual o filme se baseia), ainda que uma série de clichês seja empregada para sustentá-la, o mesmo não podemos dizer sobre a caracterização dos personagens adolescentes. Obviamente estamos diante de um conjunto de mentes torturadas, alguns já experientes em antidepressivos e tentativas de suicídio, todos eles necessariamente vivenciando crises de identidade e a maioria com problemas de desafeto familiar. Nada de novo também no trabalho de câmera – assim como o cinema de grande orçamento tratou de associar a fotografia pálida e acinzentada à noção de realismo (quem foi que teve essa brilhante idéia?), paradigma que aqui é seguido à risca, também houve, principalmente ao longo da última década, a determinação igualmente arbitrária de que o cinema que representa os jovens e a eles se dirige deve ser feito em câmera na mão, ou no mínimo em movimento incessante, o que Nakata infelizmente não ousa contestar.

Em essência, Chatroom não é muito diferente daquilo que o diretor já havia desenvolvido na mitologia de O Chamado – mais uma vez estamos diante de um perigo que se manifesta a principio virtualmente, mas que a um dado momento atingirá a realidade. Exceto que dessa vez não há paranormalidade nenhuma, e o perigo é representado por um simples garoto, William, que no passado tentou se suicidar diversas vezes, e que agora, através de seu próprio chatroom, tenta influenciar Jim, tratado pelo filme como um adolescente mais frágil e manipulável (como muitos outros que aparecem ao longo da história), a fazer o mesmo para valer. O que Hideo Nakata falha em trabalhar, com um argumento que a princípio não é de todo ruim, é a dimensão cerebral da ameaça, justamente o ponto divergente do perigo físico de Samara em O Chamado. Ao invés disso, trata o filme como um simples thriller de ação, no qual falta construção de clima para manter relevante o suspense, em grande parte devido às afetações de interpretação que tornam tudo um amontoado de superfícies performáticas totalmente inverossímeis, não apenas nos chats, mas também na vida.

Alice Furtado

Maio de 2010