bUDAPESTE
Walter Carvalho, Brasil/Portugal/Hungria, 2009

Budapeste é adaptado de um best-seller de Chico Buarque e tem como ator principal Leonardo Medeiros, cujo personagem, José Costa, é um escritor anônimo que vende sua habilidade de escrita para aqueles que, ao contrário dele, querem a fama. A Costa só interessa o labor, o processo, o corpo-a-corpo com as palavras. Após um breve resumo dos motivos de seu desapego à vida que leva com a esposa deslumbrada (Giovanna Antonelli) no Rio de Janeiro, Costa decide trocar de vida, esquecer quem é. O ghost writer vai para Budapeste, onde pode fazer viver um outro homem dento de si mesmo – outra língua, outra mulher, outros livros, a aventura da alteridade. Sua experiência em terra estrangeira é de tal modo rarefeita que pode não passar de poeira autoficcional, mise en abîme de seus escritos-fantasma. A meia-hora final fortalece essa hipótese e culmina na câmera em frente ao espelho no último plano. Mesmo a relação de Costa com a moça húngara tem passagens que exalam um ar de conto fantástico.

O fator instigante do filme está na atração de Costa por Budapeste. Lá ele compreende que é o escritor que nasce das palavras, e nunca o contrário. Mas se Costa despreza o autorismo como posse ilusória sobre uma língua, dando a entender que as palavras têm vida própria, a mise en scène, por outro lado, destaca uma assinatura, a de Walter Carvalho. O filme começa nos informando, em voz off, que Budapeste é amarela. Daí poderíamos indagar: ele vai deixar a cor construir sua própria identidade, sua textura e materialidade? Estará o filme nascendo das coisas, como o personagem que nasce das palavras? Em nenhum momento, contudo, a luz de Budapeste virá sem tradução. É Walter Carvalho quem quer ensinar a beleza ao amarelo, e nunca o contrário. As imagens têm a missão de transmitir um universo de sensibilidades supostamente muito especiais. O mérito precisa ser de alguém (do diretor Carvalho ou quem sabe do escritor Buarque), e não de alguma coisa (digamos, do cinema ou das palavras) que já existia antes deles. A cena em “homenagem” a Theo Angelopoulos (aquele barco transportando uma estátua monumental de Lênin) vai pelo mesmo caminho: teoricamente uma diluição do autor por trás de outro, uma humildade de quem admite uma beleza na obra alheia merecedora de citação (coisa mais comum e mais simples de se fazer na literatura), mas na prática um exibicionismo sem grande propósito – e sem a força almejada. Como um escritor que estaria mais preocupado com a caligrafia do que com a “carne das palavras”, Carvalho e seu super-olhar não enxergam muita coisa além do banal.

Luiz Carlos Oliveira Jr.