APENAS O FIM
Matheus Souza, Brasil, 2008

O que há para se fazer quando não há nada a se dimensionar, se medir, projetar? Apenas o fim. Este título excelente indica antes uma privação do que um término. “O fim” é um mote, um conceito emprestado, uma ideia provisória; estado inalcançável, senão inexistente, aos personagens. A questão está toda no “apenas”. O mundo regido pelo “apenas”, doença da generalidade, se traduz na indiferença das pessoas entre elas mesmas, e delas com o espaço, num território de desconhecimento, frieza e falta completa de rumo.

Neste cenário, resta à câmera apenas filmar, em uma permutação arbitrária e indefinida de posições. Desde que haja a cena, está tudo certo. Pior: uma vez que haja a cena, nada há mais a se fazer. Esta é a situação também dos personagens: “o fim” se instala, a situação é irremediável. Eles, então, conversarão menos para se esquivar do inevitável do que para garantir que nem há tentativas possíveis de escape. Falar, especular, vagar, estes gestos que transmitem a indolência, uma falta de vontade de atuação, a conformação da situação apresentada. Existe uma autoconsciência e um despojamento na exposição da fala dos personagens que corrobora esta mesma ideia. Daquilo que falam, dominam por completo. São perfeitamente seguros ao analisar o outro, ou aludir àquilo que fora o amor do passado. Trata-se de uma racionalidade exagerada, uma “sinceridade” direta demais, intencional com o tom que o diretor quis obter, mas que representa, acima de tudo, o sintoma de um relacionamento em que as posturas e atribuições já estão demarcadas, em que tudo pode ser dito e, portanto, nada pode ser confessado, imprevisto. Não importa o que falam, desde que falem. E não há muito o que dizer, pois nada merece ser destacado. Referências da infância, signos flutuando em palavras afobadas, comparações ilimitadas, são o repertório hesitante de quando se fala para eliminar a possibilidade do improviso, de um silêncio.

Há um caráter performático, ritual verborrágico de alguma encenação de Woody Allen, que o filme almeja, mas que não o diagnostica. Um certo estranhamento de Apenas o fim se dá pela fronteira entre a sátira acima do tom dos diálogos e o reforço dramático que o filme introduz para criarmos uma identidade aos personagens. Trata-se de uma quase incoerente convicção do filme ao drama proposto, especialmente com o escárnio (ou, ao menos, com a racionalidade; ou ainda, a passividade) que os personagens se colocam a ele. Novamente, temos outro aspecto sintomático, em que se sai da comicidade ao desespero com a segurança e banalidade de quem sabe que não se trata mais do que “estilo”. É este “estilo” que se desprende da postura, da visão que configura o trabalho propriamente dito do diretor. Aliás, é como Tom, o garoto, está categorizado como cinéfilo: alguém que vomita referências, que se filia a todos os gostos, e, finalmente, que passa por cima da vontade de escolher, decidir.

Resguardado em um conceito obscuro de cotidiano e de simplicidade, um filme do “apenas” não tem ausências, nem verdades. Ele se prontifica em um meio-termo em que nada se esconde, justamente porque não há nada efetivamente a se revelar. É esta generalidade que garante que a cena exista independente da câmera e dos personagens e o peso dos personagens seja insubordinado ao drama e à palavra declamada.

João Gabriel Paixão