A MULHER INVISÍVEL
Cláudio Torres, Brasil, 2009

Alguma coisa de fato acontece. Sábado à noite, três filas se formam num multiplex. Uma, pequena, é para ver uma comédia romântica americana (Minhas Adoráveis Ex-Namoradas). Outra, um pouco maior, é para O Exterminador do Futuro - A Salvação. Uma terceira, enorme, interminável, é para A Mulher Invisível, o único filme lotado da noite. Há vinte, quinze ou quem sabe dez anos, esse cenário seria inconcebível: o filme a se ver seria indubitavelmente o novo Exterminador do Futuro, e em segundo lugar provavelmente estaria a comédia romântica americana. Em junho de 2009, contudo, o filme mais requisitado do fim de semana é uma comédia romântica brasileira. Nela, a trama é confessamente aparentada aos enredos de algumas comédias comerciais americanas (dentre elas, ironicamente, E Se Fosse Verdade, de Mark Waters, o mesmo diretor de Minhas Adoráveis Ex-Namoradas). Os atores são em sua grande maioria famosos, um por seus papéis de destaque em filmes recentes (Selton Mello), os demais por terem feito carreira na televisão. O diretor é Cláudio Torres, cujos trabalhos anteriores no cinema eram marcados por imagens saturadas, pretensiosas e, no entanto, vazias (cf. Redentor, de 2004, e “Diabólica”, o episódio dele em Traição, de 1998).

Com uma primeira parte bem ruim (a começar pela desastrosa cena de separação do casal), A Mulher Invisível demora um pouco até engrenar. O filme só melhora quando Carlos (Vladimir Brichta) persegue Pedro (Selton Mello) e o avista se agarrando com a mulher invisível (ou seja, com ninguém) numa boate, num cinema, num restaurante. Ocorrem então as primeiras cenas engraçadas do filme: gags de humor físico que trabalham no nível mais basal do riso, o riso mais fácil (e nem por isso desprezível). Antes, o humor tinha se restringido a uma única boa gag de montagem – aquela fusão para a imagem de um prédio sendo implodido depois que Pedro é deixado pela esposa. Esse tipo de piada visual, aliás, existe desde a lanterna mágica, o que serve para demonstrar que A Mulher Invisível, em seus melhores momentos de humor, trabalha num nível de intervenção criativa que qualquer filmete burlesco feito em torno de 1906 já conseguiria alcançar. Talvez tudo que uma comédia brasileira precise para obter sucesso hoje seja mesmo atingir um ratio mínimo de comicidade. O público brasileiro – desde o relativo abandono dos gêneros cômicos nesse cinema nacional que resolveu se levar tão a sério – estava carente de filmes falados em sua língua que, sem necessidade de muito esforço, estivessem aptos a lhe fornecer o suficiente para uma diversão de sábado à noite. Ao que parece, esses filmes agora existem (Se Eu Fosse Você já tinha mostrado o caminho), e cativam o público à razão de sua adequação ao modelo televisivo-publicitário, na medida em que apresentam os mesmos atores e, em grande parte, a mesma dramaturgia que ele está acostumado a ver na televisão – leia-se a mesma pobreza cenográfica, os mesmos atalhos cognitivos, a mesma inépcia na construção das situações e do enredo de forma mais ampla (nem sempre foi assim, a televisão brasileira já foi bem mais criativa e menos careta e o Youtube está aí para quem quiser conferir alguns highlights de vinte, trinta anos atrás).

Esse cinema que cresce sob os aplausos do maior público não é o nosso pior cinema – há, na frente dele, com folga, a estilização pueril de Budapeste, Feliz Natal, Meu Mundo em Perigo, o auto-explicativo e pseudoconceitual Filmefobia, os documentários vagabundos e por aí vai. A comédia de fórmula fácil é o cinema brasileiro mais adaptado à realidade social e cultural do seu “grande público” (seria necessário, em outra ocasião, interrogar o sentido dessa expressão equívoca). Um cinema conservador e pudico. Há várias cenas de Luana Piovani semi-nua em A Mulher Invisível e nenhuma delas consegue ser realmente erótica (besteira colocar a censura para 14 anos, não há nada no filme que uma criança de 10 não possa ver). As cenas com ela de calcinha e sutiã não são mais picantes que as propagandas de lingerie que passam na TV, no que pesam os diálogos insossos entre Piovani e Selton Mello. Os diálogos do filme não surpreendem, sobretudo quando se trata de um diálogo entre homem e mulher. Os melhores diálogos são os de Pedro com Carlos e os de Vitória (Maria Manoella) com sua irmã (Fernanda Torres), ou seja, os diálogos sem tensão sexual. O erotismo exigiria uma certa audácia, exatamente o elemento que falta ao projeto de A Mulher Invisível. Sua proposta é não ousar, o que significa mais do que seguir a fórmula correta (afinal de contas, existem várias comédias românticas americanas que, mesmo seguindo uma certa fórmula, possuem lá sua dose de erotismo e ousadia). Uma das questões a se considerar é o fato de que o paradigma introjetado nas mentalidades que criam o projeto de A Mulher Invisível é aquele, conforme já dito, da televisão, da ficção cada vez menos exigente e mais infantilizada. Se a teledramaturgia brasileira se acha totalmente anestesiada, deserotizada e conservadora, o que esperar do cinema que se propõe a ser essa mesma dramaturgia (ou quase) prolongada por outros meios?

Uma coisa que costuma acontecer nos filmes da Conspiração e que retorna em A Mulher Invisível são as participações especiais, como as de comediantes antigos (Lúcio Mauro) ou da crista da onda (Marcelo Adnet) fazendo pontas. Na publicidade, isso tem uma função clara, que é gerar empatia com a vinheta comercial – e, por tabela, com o produto – lançando mão de uma figura de popularidade e carisma já previamente comprovados. No cinema, o máximo que isso tem conseguido é causar um fissuramento do universo diegético: a narrativa se parte por um momento, o público simpatiza (ou não) com o convidado especial, faz comentários mesmo que em silêncio (“olha lá aquele cara da MTV”) e depois volta ao filme (se este assim lhe permitir, pois às vezes essas participações se delongam, quase nos fazendo esquecer qual é o propósito da cena). Sem falar nos papéis pequenos concedidos a atores grandes, mesmo sob o risco de total miscasting (Paulo Betti como o chefe de Pedro e Maria Luísa Mendonça como a esposa que o abandona no início).

Com todas a restrições feitas, é preciso admitir que A Mulher Invisível está bem acima tanto do padrão Daniel Filho (cuja Lereby participa da produção do filme, assim como a Globo Filmes) quanto dos filmes anteriores de Cláudio Torres. Há quatro ou cinco anos, era comum dizermos no Cinema Falado (bate-papo que fazíamos todo início de ano para discutir a produção brasileira do ano anterior) que o cinema brasileiro precisava aprender a fazer “filmes ruins”. Os filmes de exceção nunca deixaram de existir (apesar de que já vinham ficando cada vez mais raros). Faltava era o filme médio, o cinema-entretenimento feito com um mínimo de artesanato, de engenho, de atrativos comerciais, de inteligência na construção dos diálogos e das situações dramáticas. A Mulher Invisível já está mais próximo de um “bom filme ruim” do que as outras comédias brasileiras recentes. Mas está ainda muito aquém do que um gênero como a comédia romântica pode ter de mais interessante. O filme é alguma coisa, mas não é muito. Embora seja necessário, para a crítica, reconhecer quando há essa alguma coisa, é mais necessário ainda querer sempre muito.

Luiz Carlos Oliveira Jr.