À DERIVA
Heitor Dhalia, Brasil, 2009

Heitor Dhalia é o típico diretor que chega ao estilo sem passar pela mise en scène. O que equivale a dizer que ele aplica o verniz sem ter erguido a estrutura ou, mais ainda, sem ter virado o concreto. Ele veste seus personagens com figurinos que foram encomendados a um estilista famoso, e não com roupas. A diferença é simples: o figurino serve à imagem, a roupa serve ao corpo. Em À Deriva, seu terceiro longa-metragem, ele se sente bastante à vontade – auxiliado pela beleza fácil de um cenário de praia, sol, céu azul, Búzios – filmando cabelos ao vento em passeios de lancha acompanhados de musiquinha sentimentalóide. Mas revela total fragilidade quando precisa se voltar ao drama familiar construído em torno da adolescente Filipa, interpretada pela atriz debutante Laura Neiva. O filme nos provoca uma enorme indiferença em relação à personagem principal: ela não tem desejo, não tem satisfação nem insatisfação. A situação de descoberta e conflito em que se encontra não faz seu sangue acelerar nas veias, mas sim estagnar, em grande parte porque o diretor sacrifica a personagem em favor da modelo, pela qual está claramente deslumbrado da forma mais superficial possível. Dhalia queria ter feito um ensaio de Laura Neiva para a Capricho, e não um filme. Aquele slide-show antes dos créditos finais parece, inclusive, atender a esse desejo, sendo a síntese perfeita de um filme em que a pose vale mais que a emoção vivida e a decupagem é mais uma soma de instantâneos do que um esforço para construir, pela fragmentação mesma, a cena.

Não há nenhum mal em rodar um plano como um recorte aleatório e impreciso do fluxo irrefreável das aparências que constituem o mundo sensível, desde que se tenha em mente que isso só faz sentido quando pressupõe uma aventura, uma voltagem perigosa, uma renúncia à peça polida e um retorno à textura da argila, uma ruptura brutal com o conforto estético e com a acomodação do olhar. À Deriva, no entanto, opta por um empirismo perfumado e clean. Dhalia fetichiza a embalagem luminosa das coisas e evita aquele momento em que, despidas de sua casca protetora, elas se tornariam mais carnais e frontais. Ele faz o mar parecer de água doce, pois só filma o que já foi filtrado. Esse aspecto pauta desde as escolhas fotográficas do filme até a escalação dos atores. Por exemplo: Filipa será deflorada por um barman bonitão; o diretor toma o cuidado de escalar Cauã Reymond para o papel; nem pensar em chamar um ator desconhecido, vai que ocorre um acidente, isto é, vai que a cena ganha um peso de realidade, uma espessura verdadeira?; com o Cauã, ela repetirá a cena de um episódio de Malhação ou de alguma novela já vista. É menos real, é mais seguro. “O acidental é o ouro do pobre” (Biette), e À Deriva é um filme de riquinho, não precisa disso. 

Luiz Carlos Oliveira Jr.