EXTERMINADOR DO FUTURO - A SALVAÇÃO
McG, Terminator Salvation, EUA, 2009

A saga de John Connor, humano que lidera, em 2018, a resistência ao domínio das máquinas, iniciou-se com sua mãe, Sarah Connor, em O Exterminador do Futuro, de 1984. Ele era tido por pessoas do futuro como o grande salvador, mas a própria mãe, salvo falha na memória, não sabia que ele existiria. Era um filme bacana de ficção-científica, antes que James Cameron, seu diretor, ficasse conhecido como perdulário em Hollywood e fosse cultuado pelos cinéfilos. O segundo episódio, O Exterminador do Futuro 2 - O Julgamento Final, cujo material de apoio internacional trouxe a marca T2 (T de Terminator), acompanhou, também, a ascensão ao estrelato do ator Arnold Schwarzenneger, e Cameron foi hábil o bastante para usufruir do carisma do grandalhão. Num filme cheio de efeitos de ponta, idolatrado por fãs de cinema de ação, que parecia impor novos patamares dentro do cinemão Hollywoodiano, algo que o próprio Cameron iria satirizar no excelente True Lies.

Chegamos, então, ao terceiro filme da série, O Exterminador do Futuro 3 - A Rebelião das Máquinas (ou T3, de acordo com a marca). Pressentindo ter muito mais do que um veículo para um ser musculoso e carismático nas mãos, o esperto Jonathan Mostow tratou logo de desvincular a saga da imagem do ator, transformando-o em coadjuvante no filme que leva mais uma vez o nome de seu personagem que havia se transformado em "mocinho" no segundo filme e permaneceu assim no terceiro. O filme de Mostow, intitulado O Exterminador do Futuro 3 - A Rebelião das Máquinas, pode muito bem ser considerado o melhor de toda a série sem que fanáticos por Cameron se levantem. É mais soturno, desesperançoso e melancólico, e, por esses fatores, consegue ser o que mais se vincula à humanidade e lamenta seu fim.

Nesse panorama surge o quarto episódio da série, que, ao contrário do que já foi dito por aí, bebe mais na conexão estabelecida entre humanos oprimidos do terceiro filme do que na história inaugurada no primeiro – que de resto não havia sido descartada no terceiro, logo, não faria sentido dizer que o filme simplesmente ignora o episódio de Mostow. McG foi inteligente o bastante para lançar um número arriscado de idéias, abrindo-se ao perigo da falta de foco, ou, mais grave ainda, da ausência de um ponto de vista. Algumas dessas idéias são tão bem sacadas que mal necessitam de amarras, se sustentando pela simples evolução da trama.

Para começar, há a incrível simbiose do assassino condenado que doa seu corpo à ciência e vira quase uma máquina completa, não fosse o coração e partes do cérebro. Desnecessário dizer que é um dos personagens mais interessantes de todos os filmes, e é também responsável por uma seqüência brilhante, quando é perseguido pelos humanos da resistência, deixando um rastro de explosões semelhantes ao que as máquinas produzem. O romance que se insinua entre ele e Blair, uma bela soldada da resistência, tem também seus grandes momentos, como na cena em que ela o abraça, e diz que só quer um pouco de calor humano, ouvindo seu coração que bate alto, reverberado pela carcaça metálica que ela só conheceria depois. "Não vi uma máquina, vi um homem" é o que ela fala quando justifica sua libertação a um John Connor assustado e perdido por ter encontrado uma máquina que não conseguia dominar.

Outra idéia boa demais, que parece não caber num filme de duas horas – e ao mesmo tempo passa como apenas um detalhe no filme –, é exatamente esse domínio que Connor exerce sobre os aparelhos tecnológicos. A analogia é óbvia, e já explorada em diversas tramas em que "mocinho caça bandido": para vencer o inimigo, é preciso conhecê-lo muito bem. Connor usa a máquina para entrar na Skynet, o quartel general do inimigo, para iludir os exterminadores, para testar os pontos fracos daqueles que precisa derrotar, enfim, utiliza a tecnologia que tem à mão para enfrentar quem, por uso dessa mesma tecnologia, pretende esmagar a raça humana. A cena em que ele abate uma motocicleta e a programa para fazer a viagem que deseja é emblemática desse domínio. E sua posterior identificação com Marcus, o homem-máquina, faz parte dessa identificação e do respeito pelo inimigo. Não há como rejeitar alguém que ele conhece o suficiente para exercer uma dominação, nem como amar por completo alguém que até então se revelava como arma perigosa e contrária ao que é humano.

Há ainda o casamento entre John e Kate, uma clara continuação do filme de Mostow, no qual os dois sobraram no final para testemunhar o quase-fim da raça humana e para liderar, a partir daí, a resistência. Por fim, a analogia com o domínio nazista na Europa ficou ainda mais óbvia do que no terceiro filme, com os soldados robôs aniquilando pessoas com tarjas no braço (os guetificados) ou levando-as para uma espécie de campo de concentração, e, posteriormente, ao extermínio.

O acúmulo de idéias faz com que O Exterminador do Futuro - A Salvação, se assemelhe a um filme B, e o ator de Tropas Estelares, Michael Ironside, não foi escalado num papel semelhante por acaso. Qualquer obra que se afirme como filiada a Paul Verhoeven merece por si só um enorme crédito, e esta nova incursão de McG no cinema de ação corresponde em muitos aspectos a essa salutar filiação. Trata-se de um filme deliberadamente esquizofrênico o de McG, e ele parece se divertir bastante com isso.


Sérgio Alpendre