APPALOOSA - UMA CIDADE SEM LEI
Ed Harris, Appaloosa, EUA, 2008

Um dos elementos que mais se destaca em Appaloosa é a estrutura narrativa ligeiramente desequilibrada, na qual os plot points parecem fora de lugar e os desenlaces menos dramáticos do que se poderia esperar. O outro é a própria conformação dos personagens, cujos longos momentos de inação superam os gestos de ação propriamente dita. Nada de muito extraordinário, se pensarmos que se trata de um western contemporâneo, mas há um charme especial na maneira como os personagens transcendem sua fôrma arquetípica dentro do gênero sem nunca escancarar uma desconstrução de estereótipos.

Em determinados momentos, Cole, o personagem de Ed Harris, parece levar adiante sua postura de homem durão apenas por hábito, uma vez que a idade já lhe pesa e ele encontra-se mais preocupado em levar a sua vida de forma assentada e pacata. Ele já viveu o suficiente para querer algo mais do que o simples reconhecimento e um lugar de respeito. Por isso, é capaz de ignorar o fato de que o “vilão” conseguiu escapar de seu cerco e da justiça por caminhos paralelos e segue livre fazendo o que bem entende. É preciso que Hitch, seu leal companheiro mais novo, assuma a rivalidade, levando a cabo a autêntica postura de um pistoleiro e partindo para o confronto final. Afinal, mesmo o “espírito fraco” de Allie, mulher à qual Cole se apegou, não abala seu desejo de se instalar numa casa ao lado dela.

Se Appaloosa ganha força ao deslocar a todo instante nosso pensamento para questões fora da intriga quem-pega-quem que constitui a trama do filme, é na relação entre Cole e Hitch que o filme encontra sua mais instigante proposta. O pacto de uma amizade masculina construída na base da confiança mútua e solidificada por anos de convivência é menos um princípio do que um compromisso de honra selado entre dois indivíduos. Da mesma forma, Cole não tem a menor dificuldade em aceitar que a eventual a promiscuidade de Allie é resultado de uma necessidade intrínseca de companhia e do medo da solidão. Medo, aliás, que ele também desenvolveu. Pouco a pouco, portanto, percebemos que a “lei pessoal” que Cole quer fazer valer sobre a cidade onde resolve se instalar por um tempo é menos uma lei que lhe dê carta branca para dispor da vida dos habitantes como bem entende do que uma paz que o permita viver com tranqüilidade o resto de seus dias.


Tatiana Monassa