NA GUERRA
Bertrand Bonello, De la guerre, França, 2008

Haveria guerra mais legítima do que aquela contra a mediocridade artística? Em meio a tantos filmes que se apóiam em estratégias desgastadas para estabelecer suas narrativas, Bertrand Bonello aposta na dramatização da dificuldade criativa através do processo de busca de uma linguagem, que transforma-se numa meta-crise autobiográfica. Pois, para seu alter-ego Bertrand, não é apenas de viver a vida que se trata. Viver seria poder traduzir o sentimento de estar vivo em alguma espécie de expressão estética que preencha o vazio de significação inerente à consciência da existência. Ao dizer em determinado momento que, em seu refúgio da regulamentação social baseada na funcionalidade, ele pratica “a existência pura”, o personagem evidencia aquilo que o próprio processo do filme busca angustiadamente. Se conhecemos expressões dramáticas para o choro e para o riso, captar a perplexidade de um estado sem nome, visitado pela inquietude e banhado por um êxtase interior sem causa concreta, parece uma quimera que o cinema nunca ousa confrontar diretamente. Pois todos os estados de graça cinematográficos que conhecemos advêm como conseqüências de outras construções, nunca se apresentam como objeto puro.

No entanto, quando a preocupação com o efeito paralisa o próprio fazer, como suplantar o excesso de auto-consciência reflexiva? A guerra a ser travada é então aquela contra o próprio conhecimento do cinema, de sua história e de suas artimanhas, pela libertação de circuitos de pensamento viciados, que tendem a formatar as imagens a partir de uma gama de padrões mais ou menos reconhecíveis. Ao realizar Na Guerra, Bonello parece não apenas confrontar um estado d’alma depressivo às voltas com sua inadequação ao meio. Pois mais do que o comentário sobre a inserção ordinária num complexo social que tende à aniquilação das diferenças, é a própria dificuldade do filme consigo mesmo que constitui sua linha central. Na Guerra é um filme em luta por uma imagem, por um som, por um movimento que o justifique como mais um filme entre tantos outros. E esta batalha, perceptível na forma como ele se debate a cada cena para transmitir alguma emoção que cintile, que quebre a placidez dos planos e provoque algum tipo de faísca em quem assiste, não pressupõe necessariamente uma vitória final, mas um processo que se desvela.

Na Guerra é o filme problemático por excelência. Se as inspirações baratas em baluartes do mais fino do cinema contemporâneo como Últimos Dias, de Gus Van Sant, e Mal dos Trópicos, de Apichatpong Weerasethakul, incomodam bastante num primeiro momento, por outro lado, é impossível não achar instigante o fato de estarem lá, uma vez que a dificuldade em encontrar uma expressão original parece pautar o filme do início ao fim. Da mesma forma, a auto-indulgência patente de Bonello, especialmente no que diz respeito à montagem, que opta por não descartar planos perfeitamente desnecessários, além de excessivos, aparentemente por capricho, põe em evidência um autor em crise com sua própria autoralidade e, por que não dizer, também com o seu fazer artístico-criativo.

Tateando, em busca de uma nota num tom sublime, entre cenas perfeitamente naturalistas, como Bertrand levando suas roupas à lavanderia, ou recebendo sua mãe em seu apartamento, e outras totalmente oníricas, como a mulher nua com uma máscara que adentra um lago, Bonello talvez encontre este quê a mais na intensidade cristalina de seus atores: Mathieu Amalric, Asia Argento, Clotilde Hesmé, Guillaume Depardieu. Nos diálogos que proferem com tamanha entrega, sublimando a articulação perfeita das palavras, somos transportados para um outro lugar. Como na belíssima cena em que Bertrand retorna à cidade e reencontra Louise na loja de discos; ali, algo de outra ordem se produz: todo o circuito de expectativas de ação-reação se dissipa por completo e uma motivação quase desconhecida vem à tona. O desejo secreto de uma vivência compartilhada além das ações, experienciada no limite do inteligível. Não seria este o único troféu pelo qual valeria continuar guerreando pelo cinema, contra todos os “inimigos” neste fronte imaginário?


Tatiana Monassa

 

 
 





Mathieu Amalric e Clotilde Hesmé: refugiados no interior de um mundo sem nome que encontra seu espaço através da busca por uma estética, seja artística, seja de vida.