CALL GIRL
Antônio-Pedro Vasconcelos, Call Girl, Portugal, 2007

"De que é feito um gênero?” é a pergunta que se coloca após um filme como Call Girl. Para Antônio-Pedro Vasconcelos, a resposta definitivamente não está nas relações de mise-en-scène que um filme estabelece, mas numa superfície de encenação. Aqui, no caso, trata-se do que convencionamos chamar de “cinema policial”, e estão lá todos os elementos que ao longo de anos ajudaram a fundar a idéia deste gênero específico: os tiras, as redes de corrupção envolvendo diversas esferas de poder, a femme fatale acompanhada pelo olhar voyeurístico da câmera, os diálogos cheios de frases colocadas, que ensaiam amostras de filosofia barata. Mais do que sua simples presença, no entanto, o que mais chama atenção aqui é a forma esses elementos são trabalhados, a limpidez com que são transpostos do cinema americano que os confeccionou para a realidade de um outro país (Portugal), justamente num tempo em o auto-esclarecimento dá o tom nos processos de assimilação cultural. O que Call Girl parece se manifestar então é uma crença numa espécie de condição transcendente da idéia de gênero, em sua persistência em um estado de pureza para além da passagem do tempo e dos confrontos que estabelece com as culturas que atravessa.

Nesse sentido, não há no filme inteiro cena mais emblemática do que aquela em que Mouros e Maria ensaiam as falas dela para um jantar de negócios e o “Boa noite, senhor presidente” deve soar exatamente à maneira do “Happy Birthday, Mr. President” de Marylin Monroe ao presidente americano John Kennedy. É uma cena que resume todo o esforço do filme, sua própria vontade de cinema, que se restringe aqui a um desejo por encenar as referências absorvidas do cinema americano. E o resultado não poderia ser mais tedioso, já que isso tudo remete a um cenário essencialmente estático: dos movimentos do roteiro aos trejeitos dos personagens, tudo soa fortemente auto-centrado (e vazio mesmo), como se o filme acreditasse que a mera presença desses elementos fosse capaz de produzir algo em termos estéticos. Em busca da pureza do gênero, que aqui nada mais é do que a busca pelo clichê (o que não é necessariamente um problema, desde que saiba-se trabalhá-lo), Antônio-Pedro Vasconcelos acaba caindo num cenário de fantasmas, signos vazios que se encerram em sua própria superfície e que limitam qualquer tipo de olhar mais profundo sobre aquele mundo.


Calac Nogueira