FOI APENAS UM SONHO
Sam Mendes, Revolutionary Road, EUA/Inglaterra, 2008

O maior problema de Sam Mendes é que ele próprio, ao contrário do que provavelmente pensa, não vale mais do que o americano médio que tanto ocupa suas obsessões e cujos dilemas ele se sente tão à vontade para discutir, mesmo tendo nascido em outro continente, na Inglaterra. Beleza Americana não era apenas a indicação de mais um cineasta medíocre por trás das câmeras, mas também do próprio movimento que Hollywood faria dali em diante no sentido de abraçar falsos objetos de denúncia, além de uma estética pretensamente independente. Após Soldado Anônimo, em que a sociedade americana era trabalhada sob o prisma da guerra do Iraque, Mendes agora retorna aos subúrbios que o consagraram em sua estréia, narrando a história de um casal que nos anos 50 se vê dividido entre o sonho de cair no mundo, viver uma vida nova na Europa, ou manter-se atado ao fardo representado pelo american dream – casa branca, jardim, vizinhança, filhos, um emprego burocrático na região central da cidade.

Verdade seja dita: Foi Apenas um Sonho é até agora o melhor filme de Mendes – talvez, o único realmente digno de alguma nota sequer. Pela primeira vez o diretor parece minimamente preocupado com seus personagens e o lugar que ocupam dentro de uma dramaturgia. Foi preciso talvez um roteiro esquemático ao extremo para que ele se desse conta do essencial: de que um filme se constitui de personagens operando sobre um determinado mundo de cinema. Não mais os símbolos e estereótipos bobos despejados a seu bel-prazer como em Beleza Americana. Ao contrário, o novo filme de Mendes surpreende justamente pela concisão, quase um minimalismo na execução das cenas encadeadas pelo roteiro. 

Amparando tudo isso, uma mise en scène pálida, sem vida, os planos como uma expressão melancólica da situação de paralisia do casal (planos que devem muito à fotografia de Roger Deakins, co-autora do filme com seus tons suaves). Não se sabe até onde tudo isso é involuntário, fruto talvez das próprias limitações do olhar de Mendes como cineasta, mas o fato é que boa parte do que há de positivo no filme está num trabalho de câmera discreto, que na maior parte opta por um descritivismo meio distanciado, apegado à exterioridade dos personagens. Uma economia que é fundamental para o tipo de construção psicológica que se realiza: personagens opacos, frutos antes do acúmulo do que as cenas do roteiro trazem individualmente para a cadeia dramática do filme que de fabulações articuladas.

É graças a essa concisão que se tornam aceitáveis soluções de roteiro mais fáceis e escancaradas, como as cenas de Frank em meio a uma multidão de homens indo trabalhar, todos vestidos iguais a ele (muito embora haja coisas realmente imperdoáveis, como o personagem Michael Shannon, o coadjuvante louco que é o único capaz de enxergar/dizer a verdade, ou também o epílogo, com a chegada do novo casal de moradores da casa). Mas o fato é que, refugiado talvez no fato de se tratar de um filme de época ou mesmo de uma adaptação de uma obra literária relativamente famosa, Mendes pouco se põe a falar sobre o “sonho americano” diretamente, o que nos poupa de todo o discurso vazio, falsamente político, que inundava Beleza Americana e Soldado Anônimo (bem menos neste último, e é por isso que este já era um filme um pouco melhor). Tudo aqui diz respeito a uma lógica mais íntima dos personagens, e Paris e o subúrbio onde os protagonistas se encontram não são mais do que dois pólos abstratos por entre os quais eles fazem passar suas fantasias. Não é preciso que se fique comparando inutilmente um estilo de vida a outro, mesmo porque esta é uma distinção que os próprios personagens talvez não saibam fazer. O que está em jogo é uma visão mais dramática das coisas, a forma como aquelas figuras reagem frente àquilo que lhes chega.
 
Seria precipitado (e um exagero) dizer que agora Mendes finalmente tornou-se um diretor de verdade, mas é inegável que este filme representa seu aprendizado de um mínimo bê-á-bá cinematográfico – um filme como um projeto estético e dramático minimamente rigoroso, não como um depósito de imagens que sempre sonhamos mostrar ao mundo. É preciso, no entanto, ainda esperar, ver se a lição foi bem aprendida, pois o que Foi Apenas um Sonho nos mostra com seu hermetismo e discrição é apenas o nível mais baixo de uma dramaturgia que ainda precisa evoluir, tornar-se sólida, para só então abrir-se a novos caminhos.

Calac Nogueira