RAMBO IV
Sylvester Stallone, EUA, 2008

Rambo IV é o produto de uma teimosia colossal. Teimosia do personagem em continuar existindo num mundo que o rejeita desde sempre. Teimosia do diretor em querer filmar o que está além de suas capacidades (há uma desastrosa inspiração em Peckinpah na apoteose final regada a tiros de metralhadora, câmeras lentas, sangue espirrando, corpos caindo). Teimosia do Stallone em fazer John Rambo ressuscitar quando nada havia a acrescentar a seu epitáfio. Teimosia em tentar vendê-lo à Hollywood do “no country for old men”.

A notícia que chega da selva da Birmânia é que o mundo está perdido, all fucked up. Uma guerra de lunáticos contra mercenários se substitui a qualquer possibilidade de “luta justa”. Mas para Rambo, em particular, não adianta se esconder dessa guerra suja, pois esta vem a seu encontro de qualquer forma. Ele é uma máquina de guerra. Por mais que a máquina se revolte contra o seu programa, em algum momento aquiescerá a ele – tese defendida em vários níveis, desde a descrença no humanismo político até a ênfase na violência e na petrificação do olhar de Rambo.

Em Rocky Balboa, Stallone tinha assumido um tom menor que até angariava simpatia. Tirado do mito para ser observado em retrato íntimo, aquele era o Rocky Balboa que realmente poderia existir na continuação da série, era assim mesmo que ele envelhecia enquanto não se faziam mais filmes sobre ele. Já em Rambo IV temos a sensação de que o personagem se tornou uma deformação simbólica; perdeu a energia, a configuração e o sentido. Como se tivesse ficado escondido do mundo durante esses vinte anos de sumiço – e é de fato o que ele tentava. Stallone consegue ao menos isso: compreender a trajetória de seus dois personagens mais famosos. Para reforçar que seu compromisso é com o personagem John Rambo e não com o mundo, Stallone ignora solenemente a guerra do Iraque e vai para a Birmânia. Talvez porque esteja mais perto do Vietnã, onde tudo começou: antes de ir para casa, Rambo precisa rever a origem de todos os seus traumas. A purgação hecatômbica do personagem é o único ponto de chegada do enredo frouxo e arbitrário desse filme. A regressão psicológica do final de Rambo - Programado para Matar se trocou agora por uma catarse física representada por uma carnificina como há muito não se via (daquelas de obrigar o figurante a voltar pro final da fila pra morrer de novo). 

No primeiro Rambo, a paisagem norte-americana se tornava o mesmo cenário de guerra das florestas vietnamitas de onde ele regressara. Em Rambo IV, a equação se inverte: a floresta asiática é o lugar que, uma vez em guerra, incita o personagem a voltar para casa. Nem se trata de uma inversão, na verdade, e sim de um ciclo que se fecha. Para espécies em extinção, contudo, não há paisagem acolhedora, não há prosperidade no comércio com o espaço natural, não há nicho. A verdadeira fidelidade ao personagem John Rambo é reconhecer que ele nunca terá vez em lugar algum. Resta saber se o final de Rambo IV nega ou afirma esse destino.

Luiz Carlos Oliveira Jr.