AGENTE 86
Peter Segal, Get Smart, EUA, 2008

Seria de se esperar que a estréia dessa versão cinematográfica do Agente 86 viesse a marcar alguma espécie de encontro de dois momentos diferentes de humor. Criado na década de 1960 por Mel Brooks e Buck Henry, o agente do Controle Maxwell Smart teria sua releitura cinematográfica no âmbito da nova comédia americana, comandado pelo diretor Segal, habitual colaborador de Adam Sandler e vivido pelo brilhante ator Steve Carell. Por sinal, haja visto o filme recém-lançado, é mesmo releitura o melhor termo que podemos usar para defini-lo. Se certamente não existe uma fidelidade literal ao original, ao menos se nota na concepção do projeto idéias relativas à feitura de uma revisão do cinema de ação, como o seriado da década de 60 havia feito com os filmes de James Bond.

Mas, como foi dito, em se tratando de uma releitura, diversidades propositais acabam imperando ainda mais que as próprias semelhanças. A começar pelo desenho do protagonista. O Maxwell Smart vivido por Don Adams no programa de TV era um atrapalhado clássico, dentro do perfil do idiota que extraía inadvertidamente sorte de sua própria insegurança. O Max de Steve Carell é naturalmente também um trapalhão, mas acima de tudo um cara que se atrapalha a partir de uma suposta esperteza, ou mesmo inteligência, que até certo ponto existem, mas que certamente se encontram aquém das necessidades de seu ofício. Carell compõe seu agente com o pé nas costas, guardando ainda muitos pontos de contato com dois personagens que o consagraram. O Maxwell Smart versão século XXI traz dele a inocência de Andy Stitzer, O Virgem de 40 Anos, somada ao estilo “sem-noção” do Michael de The Office, o que pode não deixar de ser visto de certa forma como a adaptação de um personagem já existente à persona do astro que o interpreta.

Essa alteração de perfis também pode ser sentida nos demais personagens. A 99 rejuvenescida e sexy – ainda que às custas de cirurgia – de Anne Hathaway ou o novo Chefe, mais estressado e confrontador de Alan Arkin. Se as mudanças impostas no novo filme se iniciam por destacar o cômico transportado para os novos tempos, em especial durante a primeira meia-hora, na ambientação da sede do Controle – e a modernização do “cone do silêncio” guarda talvez o momento ao mesmo tempo mais engraçado e mais representativo desse espírito – à medida que o filme segue e com isso vai se desenvolvendo a trama de espionagem, perde-se um pouco da graça que Segal conseguiu instalar na abertura.

Segal é um diretor que não é adepto da comédia pura, como podemos confirmar por seus mais recentes trabalhos. O memorável Como se Fosse a Primeira Vez une comédia romântica a uma melancolia agridoce. E em The Longest Yard recria elementos do original, mantendo a ação imposta por Robert Aldrich. Dessa forma, à medida que se aproxima do final, seu Agente 86 vai perdendo em comicidade e sucumbindo aos códigos do cinema de ação ao qual se esperaria que fizesse uma corrosiva paródia, como fizera há quatro décadas o seriado de Brooks & Henry. Bom exemplo disso é o chefe da Caos, Sigfried (Terence Stamp), vilão-clichê, malvadamente sério e desprovido de qualquer senso de deboche e comicidade.

Não há como negar que Peter Segal domine de modo seguro as regras do artesanato cinematográfico. Apesar de, como já foi dito, a ação ocupar gradativamente o espaço do humor à medida que Agente 86 avança em sua narrativa, o filme nunca deixa de ser eficiente e interessante, de capturar a atenção, como era de se esperar num exemplar de cinema blockbuster. Só que essa competência infelizmente não o permite pairar acima da idéia do “divertido e esquecível”. O que, convenhamos, é muito pouco quando o ponto de partida é um original que ocupa ao lado de Seinfeld, Arrested Development, Cheers, All in the Family ou Mary Tyler Moore o terreno supremo das grandes séries cômicas da história da TV.

Gilberto Silva Jr.