Andrew Dominik possui estratégias
curiosas de abordagem do western. Sem qualquer ação, O Assassinato
de Jesse James não deixa de ser um western por excelência, na sua ambientação, no modo de disparar o
seu olhar para o que filma. É um filme do oeste. Mas
um novo oeste, tornado contemporâneo pelo tempo, mesmo
que situado nos dias de então. Oeste contaminado por
um espírito de angústia própria dos dias de hoje, cuja
reflexão estética se dá através de imagens febris, desfocadas,
míopes. O efeito nem sempre é tão bom quanto a idéia
de transmitir o sentimento pelo foco da imagem e suas
cores, e a inexperiência do cineasta fica evidente quando
ele tenta amarrá-las de forma meio careta, como num
ponto-de-vista de um personagem deslocado. Mesmo o fato
de que o filme possui apenas uma seqüência de ação não
impede que ele pareça fazer parte de uma noção do faroeste,
como um subproduto perdido no tempo.
É um filme óbvio por opção, já que o próprio título
denúncia sua real razão de ser, a de mostrar o assassinato
de Jesse James. Nesse sentido, o filme é brilhante em
sua concisão de não mostrar nada além do que tem de
mostrar. É um filme sobre uma espera, a espera de se
formar uma situação, onde sempre se tem em mente aquilo
que, ao fim, é seu propósito. Assim, as sub-tramas,
parcas, fazem todo o sentido, pois são causadoras diretas
da morte de Jesse. E esse personagem, que a trama tanto
contorna, está boa parte do tempo fora de cena. O enigma
Jesse James, interpretado por Brad Pitt num surto de
ambigüidade codificada, está sempre à espreita. Ele
pode ser tanto um homem de família, um sujeito bonachão,
quanto um criminoso perigoso, um caubói sem escrúpulos,
um idealista – é essa angústia de várias personalidades
que implicará sua loucura. E é sua loucura que gerará
o desejo de derrubá-lo, já que após o derradeiro roubo
do trem, Jesse passa a ser uma ameaça constante para
tudo e todos. E a estrutura dramatúrgica do filme é
essa da caretice extrema, a da causa e efeito. Dominik
filma bem o bastante para que se encare isto como funcional,
em alguma medida, mas é com a performance de Casey Affleck
que ele pecará. Affleck é Bob Ford, e ele é o filme
– suas vontades, anseios e sentimentos são aquilo que
norteia o drama em cena. A obsessão por Jesse curiosamente
não é o que o faz matá-lo, mas sim sua necessidade de
se fazer um membro importante da história. A figura
caricata que Casey Affleck constrói quase desmonta o
filme, pois é tão fraco, frágil, quebrável, que torna
o personagem simpático demais, quase como um herói que
sofre constantes maus tratos.
Nesse choque de concepções, que levaria o covarde Bob
Ford a matar o herói Jesse James pelas costas, Dominik
constrói um painel complicado: o que Jesse tem de ambíguo,
Bob tem de óbvio. O único momento em que vemos Bob Ford
agindo em cena o pleno de sua loucura é quando dá o
tiro na cabeça de Wood Hite. O impacto, a violência
e a grosseria da seqüência mostram um personagem muito
mais crível, não escondido em tiques. É num momento
de sanidade, em que salva a vida de Dick Liddel, que
aflora sua loucura. A relação com a violência se dá
sempre dessa forma, a iminência dos tiros que arrebentam
com tudo. Dominik tem um faro bastante interessante
para a ação, o que nos leva a pensar o que seria dele
dirigindo um real filme do gênero. A morte do Jesse
é particularmente boa, o corpo que se estoura contra
a parede, a cena por completo nem tanto, embora lide
bem com a noção de expectativa. É um momento de inteligência,
onde se faz a opção de seguir aquela idéia de que sabemos
de sua morte até o fim.
O epílogo é muito importante, conclui a história do
assassinato-título, uma vez que o fracasso de Bob Ford enquanto membro da história é sinistro,
porém perfeitamente complementar – todo o filme é sobre este processo, o falhar
da realização de Bob, que acreditava ter nascido para
grandes feitos. E é só então que Casey Affleck finalmente atua como um homem,
marcado pelo seu próprio ato, cuja morte seria sem nenhum glamour. Mas a
seqüência que verdadeiramente fascina no filme é a do assalto ao trem. Há um
punhado de planos muito bons, físicos, que lidam com camadas diversas – espaço
cênico, luz, postura. É um grande filme dentro de um outro filme, interessante,
porém amarrado demais à convenção.
Guilherme Martins
|