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                         Amos 
                          Gitai é um cineasta que, após alguns acertos (Kadosh, 
                          Kippour) foi gradualmente perdendo a força em 
                          seu cinema. Pretensões tanto temáticas como estéticas 
                          parecem impulsioná-lo a um mergulho num vazio completo, 
                          como foi o caso do anterior Free Zone. Agora 
                          com A Retirada, Gitai volta a se propor como 
                          uma espécie de historiador ou repórter de eventos marcantes 
                          da Israel contemporânea, demorando a achar o fio da 
                          meada para, quando a encontra, perdê-la de vez.  
                           
                          Para um filme que se propõe a documentar o momento no 
                          qual Israel ordenou a retirada de seus colonos de territórios 
                          a serem devolvidos aos palestinos na Faixa de Gaza, 
                          pode-se dizer que A Retirada demora bastante 
                          a encontrar seu tema central. Após um prólogo passado 
                          em um trem e que serve apenas a propósitos discursivos 
                          sobre a possibilidade de união entre judeus e palestinos, 
                          vemos Liron Levo  o ator fetiche de Gitai  
                          chegar a um sombrio casarão na França para o funeral 
                          de seu pai adotivo. Sem abrir mão de seus intermináveis 
                          planos-seqüência, Gitai vai estabelecendo o universo 
                          familiar da relação tangencialmente incestuosa entre 
                          Levo e sua irmã adotiva, interpretada por Juliette Binoche. 
                           
                           
                          O diretor vai desenvolvendo seus personagens de forma 
                          absolutamente vazia e distanciada. Tudo se dá num enlace 
                          completamente vago. Apesar dos excessos  que incluem 
                          a presença de uma cantora a pontuar momentos dramáticos 
                           o que Gitai transmite em toda essa primeira parte 
                          é uma total frieza, frieza essa que não se resume a 
                          um recurso de estilo, mas a uma quase total incapacidade 
                          de gerar sentimentos ou maiores envolvimentos no espectador. 
                          Binoche e Levo desfilam pela tela como espectros transparentes 
                          cujo propósito em cena fica como um enigma insolúvel 
                          até o momento em que a advogada Jeanne Morreau revela 
                          o testamento do pai e o desejo do reencontro entre Binoche 
                          e a filha desconhecida, que habita em um kibbutz 
                          a ser desocupado.  
                           
                          É somente então, com mais de metade de seus 115 minutos 
                          decorridos, que o filme se desloca para Israel e começa 
                          a inserir aquele que deveria ser seu tema central. E 
                          mesmo assim, passam-se infinitas viagens de automóvel 
                           o espectro de Free Zone ainda presente 
                           até que cheguemos à retirada propriamente dita. 
                          Até aí, nova frustração. Gitai encena tudo de forma 
                          excessivamente marcada e ritualística, como fizera anteriormente 
                          em Kedma. A formação das tropas, o confronto 
                          com os colonos, tudo sugere o embarque do cineasta em 
                          uma demonstração de virtuosismo teatralizado, que vem 
                          marcando a gradativa perda de interesse em suas criações 
                          mais recente.  
                           
                          Eis que, já decorridos mais de uma hora e meia, surgem 
                          duas belas seqüências que nos levam a despertar do marasmo. 
                          A primeira o reencontro entre Binoche e a filha, guiado 
                          por silêncios e uma atraente combinação de gestos, cores 
                          e movimentos delicados de câmera. A segunda delas a 
                          desocupação forçada de uma sinagoga, onde fiéis oram 
                          e se negam a abandonar seu terreno e a Torá sagrada. 
                          E a breve demonstração de que Gitai ainda pode ser um 
                          diretor capaz de criar e suscitar emoções, como fica 
                          patente na lembrança do que concretizara em Kadosh. 
                          Mas logo tudo volta à vaca fria e A Retirada 
                          se conclui com uma seqüência de incômodos excessos, 
                          que parecem sugerir um distanciamento cada vez maior 
                          entre Amos Gitai e os melhores momentos de seus longos 
                          anos de trabalho como realizador. 
                           
                            
                          Gilberto Silva Jr. 
                          
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