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                          CEM PREGOS, de Ermanno 
                          Olmi 
                          Centochiodi, Itália, 2007 
                          Se o Cristo reaparecesse no mundo, como ele seria 
                          tratado? A pergunta já tinha sido feita por Roberto 
                          Rossellini com Europa 51, mas Ermanno Olmi decide 
                          refazê-la tendo como protagonista um professor de filosofia 
                          da religião que, decidindo que o mundo das letras afasta 
                          as pessoas do convívio humano, prega cem pregos em cem 
                          livros milenares e parte em peregrinação, largando seu 
                          carro, roupa, documentos e parando numa pequena cidade 
                          rústica. Esse reaprendizado às coisas do mundo é filmado 
                          sem nenhum gosto especial, com uma ingenuidade que beira 
                          o ridículo (É comum ouvir platitudes como "Eu posso 
                          ter as palavras mas vocês têm o coração", "Um copo de 
                          café com um amigo vale todos os livros do mundo", faladas 
                          com ares da mais alta sabedoria profética) e, naturalmente, 
                          com direito a musiquinha enternecedora para os momentos 
                          mais edificantes. Se há algo interessante no princípio 
                          de colocar um novo Cristo como ocupando o lugar de um 
                          terrorista no mundo de hoje, as operações realizadas 
                          pelo filme rapidamente inoculam qualquer possível veneno 
                          mais subversivo, o impermeabilizam a qualquer respiração 
                          do mundo, qualquer força da instalação da imagem. O 
                          personagem talvez tenha aprendido a olhar o mundo de 
                          outra forma, mas Olmi continua usando sua câmera apenas 
                          para registrar as ações que estão no roteiro da forma 
                          mais convencional possível. Ou seja, o diretor consegue 
                          a proeza de sequer prestar atenção à moral da história 
                          que ele está filmando. Nas mãos de um esmerado cineasta 
                          com visão, isso poderia criar um efeito interessante. 
                          Em Cem Pregos, vemos apenas a banalíssima encenação 
                          de uma hipocrisia. (Ruy Gardnier) 
                           
                          CONTOS DE TERRAMAR, de Goro Miyazaki 
                          Gedo senki, Japão, 2006 
                          Grande sucesso de bilheteria no Japão, Contos de 
                          Terramar vem ao Ocidente um pouco respaldado pela 
                          imagem de um Senhor dos Anéis nipônico e feito em animação. 
                          A comparação é um pouco simplista mas não improcedente. 
                          Afinal, o filme renova com todo imaginário de espadas 
                          mágicas, castelos do mal, histórias de aprendizagem 
                          heróica. O tom, naturalmente, é de grandiloqüência com 
                          espaço para vez ou outra criar momentos de alívio pelo 
                          humor. Mas Miyazaki filho não iguala em talento o poder 
                          visual do pai: o traço nada tem de especial além de 
                          um leve toque old school, os ângulos e as cenas 
                          transcorrem de forma previsível e óbvia, utilizando 
                          um imaginário já bastante esgotado e gasto. O relativo 
                          anacronismo do projeto em momentos consegue até ser 
                          um pouco cativante, mas a falta de um vigor mais singular 
                          na realização acaba com qualquer chance de um interesse 
                          maior pela trama ou por sua encenação. Final aberto, 
                          oportunidade de redenção e, como não poderia deixar 
                          de ser, espaço dado a um possível Contos de Terramar 
                          2. Que, esperamos, injete um pouco mais de energia 
                          e seja mais do que a fruição morna, entre simpático 
                          e fastidioso, que Contos de Terramar apresenta. 
                          (Ruy Gardnier) 
                           
                          ELVIS PELVIS, de Kevin Aduaka 
                          Elvis Pelvis, EUA, 2007 
                          A estilização da imagem é um dos caminhos mais arriscados 
                          e vigorosos que um cinema mais experimental pode percorrer. 
                          Elvis Pelvis é um caso típico de um filme disposto 
                          a buscar o caminho desta estilização a fundo, sem qualquer 
                          parâmetro ou estrutura. Daí um filme com aura cult 
                          sobre um menino transformado em Elvis pelo pai, mas 
                          que ama Hendrix, em uma narrativa fragmentada, é carregado 
                          de filtros, cores, lentes que esticam e azucrinam a 
                          imagem. Sem qualquer projeto por trás que não o de mexer 
                          um pouco mais na imagem para favorecer o seu grande-angularismo, 
                          Kevin Aduaka cai sem medo de errar nessa vala do estilo 
                          morto e estático. Seu envolvimento com a cultura negra 
                          que poderia gerar algum interesse fica completamente 
                          perdido nesse mar de imagens pesadas, sem desenvolver 
                          mais impacto para a idéia dos mitos e de suas culturas, 
                          o confronto entre Elvis e Hendrix. A única cena verdadeiramente 
                          boa no filme é justamente uma na qual, já trajado de 
                          Jimi, ele sai pelas ruas e encontra com um sujeito que, 
                          assim como os viúvos de Elvis aguardam o seu renascimento, 
                          espera fielmente o retorno do Deus das guitarras. Um 
                          raro momento de inventividade. Tal qual seu título, 
                          que só faz sentido como um trocadilho bobo e barato, 
                          Elvis Pelvis é apenas agressivo e preguiçoso. 
                          (Guilherme Martins) 
                           
                          NA ESTRADA COM O AMANTE DE MINHA MULHER, de Kim 
                          Tai-sik 
                          Ane-eui aein-eul mannada, Coréia do 
                          Sul, 2006 
                          Ritmado por uma musiquinha grudenta e simpática, 
                          Na Estrada com o Amante de Minha Mulher é uma 
                          comédia cult sobre um loser de meia-idade que, ao descobrir 
                          que está sendo traído por sua mulher com um motorista 
                          de taxi, decide conhecer esse homem, usando seus serviços 
                          de motorista para empreender uma longa viagem até outra 
                          cidade. O filme evolui caracterizando a impotência do 
                          protagonista em reagir à situação, de forma previsível 
                          e meio sem graça, atingindo hora ou outra um instantezinho 
                          de charme. A tal viagem que o título evoca acaba mais 
                          ou menos na metade do filme, e daí por diante a narrativa 
                          fica meio ao léu, e de forma imaginável embrenha-se 
                          pelo caminho do algoz-vira-vítima. Num momento ou outro, 
                          o filme parece meio chupado de Sideways (principalmente 
                          na relação entre um sujeito loser e um metido a garanhão), 
                          mas sem a enervante necessidade de Alexander Payne em 
                          enfatizar o tempo inteiro a redundância existencial 
                          dos personagens. Como curiosidade, o ator Jeong Bo-seok, 
                          que todo fã de Hong Sang-Soo (e o fato de haverem poucos 
                          comprova que o mundo é injusto) reconhecerá como o jovem 
                          que faz o par "romântico" de Soo-Jung em A Virgem 
                          Desnudada por Seus Celibatários. (Ruy Gardnier) 
                           
                          PÁLPEBRAS AZUIS, de Ernesto Contreras 
Párpados Azules, México,
2007 
Temos aqui uma comédia dramática que explora o velho tema do romance entre
duas pessoas solitárias. Ao ganhar uma viagem de férias para dois em um sorteio
da empresa onde trabalha, Marina, uma balzaqueana de temperamento recluso, sem
outra opção, convida para acompanhá-la, um antigo colega de colégio que reencontra
acidentalmente. Ele, Victor, também vive só. Não há dúvidas que os dois vão se
descobrir, e o roteiro explora essa relação previsível alternando momentos de
humor com outros de extrema breguice. Marina e Victor são figuras um tanto patéticas,
mais ao mesmo tempo familiares. Não há, portanto, surpresas quanto à maneira
através da qual o filme de Contreras irá descrever sua relação. Nos momentos
cômicos o filme funciona parcialmente, ocorrendo até um interessante uso da música
na seqüência na qual o casal vai a um salão de baile. Mas ao inserir elementos
externos – como a figura da velha patroa de Marina e a óbvia metáfora entre a
protagonista e os passarinhos libertos – Contreras se deixa dominar pela cafonice
inerente a uma marcante faceta do áudio-visual mexicano. Perde assim a chance
de fazer um filme que flutue acima de uma mediana banalidade. 
                          (Gilberto Silva Jr.) 
                           
                          PROPRIEDADE PRIVADA, de Joachim 
                          Lafosse  
                          Nue Propriété, Bélgica/França/Luxemburgo, 
                          2006 
                          Propriedade Privada se filia claramente ao drama 
                          familiar de fundo psicológico francês e o cineasta Lafosse 
                          parece interessado em pouco mais do que tocar sua fórmula 
                          com alguma competência, não muito distante, à sua maneira, 
                          de um diretor de faroestes Z da Republic por volta de 1940. Estão lá o comportamento 
                          aberrante (em especial a infantilização 
                          dos dois filhos), os momentos de explosão, a opção formalista 
                          da vez (no caso câmera sempre fixa que finalmente se 
                          movimenta no plano final), os atores de grande reputação 
                          (Isabelle Huppert, Jeremie 
                          Renier), o grande final catártico. 
                          O filme ganha alguns contornos de interesse na segunda 
                          metade quando o confronto de poder mãe/filho se desenvolve, 
                          mas tão logo conseguimos finalmente nos envolver com 
                          o filme, Lafosse retoma ao 
                          piloto automático que lhe garante a catarse que considera 
                          necessária, que assim como quase tudo no filme nunca 
                          parece justificada pelo que vemos na tela. Propriedade 
                          Privada, durante a maior parte da sua projeção, 
                          fica sem dar muitas razões para sua existência, mas 
                          também sem incomodar. O filme todo se assemelha ao uso 
                          formal que faz da casa da família como personagem à 
                          parte: está ali, reconhecemos alguma habilidade na sua 
                          realização, mas não vai a lugar algum. 
                          (Filipe Furtado) 
                           
                          A VIDA PÓS-MODERNA DA MINHA TIA, de Ann
                          Hui 
Yi ma de hou xian dai sheng huo, Hong Kong,
2006 
A vida pós-moderna de minha tia, da diretora veterana de Hong Kong
Ann Hui, se passa em Xangai e conta a história de uma senhora solitária a procura
de companhia. O problema é que ninguém, entre as pessoas que passam por sua vida
(seu sobrinho, o homem por quem ela se apaixona ou mesmo sua vizinha), realmente
pertence a ela ou à cidade. O apego da senhora Rutang a Xangai e à China moderna
(civilizada, tecnológica) encontra um contraponto na sua solidão neste mesmo
espaço, tornando a sua própria vida um conflito entre o pertencer e o não-pertencer.
O filme, no entanto, se mostra pouco capaz de administrar as partes mais pesadas
dramaticamente tão bem quanto consegue lidar com a comédia inofensiva e, por
isso, mais leve, de vários momentos. A comédia de situações dá o tom de toda
a primeira parte do filme – exatamente o trecho que provoca maior interesse – com
uma bela afinação entre os atores e uma boa montagem baseada em cortes de revelações
cômicas. Mas, à medida que embarcamos na história e conhecemos aos poucos o passado
da Senhora Rutang, todo o humor parece sucumbir diante de uma necessidade de
sofrer junto com a protagonista, até chegarmos a um final em que mal se pode
acreditar que o mesmo filme teve algo de engraçado. A impressão final do primeiro
encontro com o cinema de Ann Hui (um dos mais importantes nomes da New Wave de
Hong Kong) é um tanto decepcionante. 
                          (Bernardo Barcellos)                           
                         
                         
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