|   Um grande navio 
                          percorre lentamente o canal de uma grande cidade chinesa. 
                          A câmera acompanha com elegância seu movimento, e uma 
                          música melodiosa entra, para sublinhar o clima. Desde 
                          o primeiro plano de Luxury Car, percebe-se 
                          a intenção de Wang Chao 
                          de ilustrar sua narrativa através de meios de transporte, 
                          filmados das mais diversas formas. Barcos, trens, carros 
                          e até macas são elementos recorrentes, e marcam 
                          o desenvolvimento de todo o filme, de seu início (o 
                          já citado navio) ao fim (um dos personagens centrais 
                          sendo levado morto em uma maca), passando pelo clímax 
                          (a cena em que esse personagem morre). E, se existem 
                          momentos interessantes em Luxury Car, 
                          eles existem no modo como o diretor consegue colocar 
                          os meios de transporte em relação aos personagens e 
                          ao ambiente urbano e rural chinês. Quando desvinculados 
                          da narrativa canhestra, os rápidos trens, ônibus e carros, 
                          filmados tanto do ponto-de-vista dos personagens quanto 
                          do ponto-de-vista da cidade de Wuhan 
                          trazem com eles uma carga visual absolutamente ausente 
                          no restante do filme. 
                           
                          Mas os meios de transporte, infelizmente, não podem 
                          ser desvinculados da narrativa, e, se parece que Chao 
                          esmerou-se em filmá-los de formas instigantes (ainda 
                          que não realmente criativas), todos os outros planos, 
                          ao contrário, não fogem de um be-a-bá 
                          amador de linguagem cinematográfica. Talvez porque interesse 
                          a Chao ser funcional e didático, e, se filmar um trem passando 
                          pode surgir como uma válvula de escape possível, toda 
                          vez que um ator aparece este escape deve ser evitado. 
                          Então, um diálogo nunca poderá fugir de um plano/contraplano 
                          amador, uma cena dramática exige sua cota de close-ups, 
                          e cada momento de impacto só poderá assim ser feito 
                          com seus planos detalhes. Não seria mentira dizer que 
                          Luxury Car pode ser 
                          considerado um novelão chinês 
                          de segunda categoria, mas cheio de carros na rua.  
                           
                          De segunda categoria, sim, pois todo o drama dos personagens 
                          é resolvido com reviravoltas tão absurdas quanto ridículas. 
                          E, se a sinopse já não ajuda, é o tratamento dado a 
                          ela que realmente irrita. Um homem do interior da China, 
                          cuja mulher está à beira da morte, procura na grande 
                          cidade de Wuhan o filho sumido. 
                          Sua filha, que trabalha como prostituta na cidade, apresenta seu chefe como o legitimo namorado, para não entristecer 
                          o pai. Ela, entretanto, descobre que está grávida. Cada 
                          elemento tem um tom dramático tão forte que não é surpreendente 
                          que o diretor não tenha a menor idéia de como desenvolvê-los. 
                           
                           
                          Talvez por isso, no meio do filme, descobrimos que o 
                          chefe da jovem fez parte de uma quadrilha, juntamente 
                          com o irmão desaparecido dela. E que este irmão, infelizmente, 
                          morreu em um assalto. Neste, que é o único flashback de Luxury Car, podemos entender melhor as intenções 
                          hiperbólicas do diretor. Não bastasse o jovem morrer, 
                          antes ele tinha de perder no jogo de cartas, e por isso 
                          ser o escolhido para parar em frente de um carro em 
                          movimento. Não bastasse ele morrer, 
                          a câmera tinha de filmar essa seqüência começando do 
                          alto de uma ponte, com um trem passando – ah, como eles 
                          passam – para, depois de um tilt, 
                          chegar ao homem prostrado no meio da rua. Não bastasse 
                          o jovem morrer, ele também tinha de olhar nos olhos 
                          de seu amigo bandido – naturalmente, o chefe da menina, 
                          e naturalmente, com um close-up – e revelar que, pelo 
                          menos, morreu em um “carro de luxo”, porque esse, afinal, 
                          é o título do filme, ainda que esta fala simplesmente 
                          não tenha sentido. 
                           
                          Se este é o maior exemplo de quão primário é Luxury Car na maior parte do tempo – em decupagem, 
                          em construção dramática, em efeito de montagem, em, 
                          enfim, muita coisa – certamente não é o único. Talvez 
                          por isso, a reflexão de Chao sobre a transição entre a China rural e a urbana, sobre 
                          a passagem da vida, em seus mais diversos estágios (basicamente, 
                          a oposição entre nascimento e morte), e sobre, principalmente, 
                          a idéia de que sempre estamos tentando chegar a algum 
                          lugar, mesmo que este lugar nunca chegue, não chegam 
                          a se tornar reflexões, de fato, e nomeá-las aqui não 
                          passa de mera hipótese. De certeza, apenas que o grande 
                          mérito do filme, fora os veículos passando e passando, 
                          é acabar com simples 88 minutos, ainda que pareçam muito 
                          mais.  
                           
                            
                          Leonardo Levis 
                          
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