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                         Triste 
                          destino o de Hal Hartley. De queridinho do circuito 
                          alternativo na primeira metade dos anos 90, passou com 
                          certa rapidez, como toda moda (vide Jean-Jacques Beineix), 
                          à categoria de curiosidade irrelevante e anacrônica. 
                          A esse cenário Fay Grim não adiciona 
                          muito. Ou pior: corrobora, uma vez que o filme trata 
                          de voltar a um momento anterior de sua carreira, 
                          o de Henry Fool (1997), para retomar os personagens 
                          e metê-los numa intriga rocambolesca de espionagem 
                          internacional, terrorismo e códigos cifrados. 
                          Mas se no filme de base o repertório de Hal Hartley 
                          já estava inteiramente decodificado e facilmente 
                          compreendido, levado pelo pastiche às raias do 
                          risinho blasé, em Fay Grim nada resta 
                          a fazer além da dissecação de um 
                          cadáver que nunca foi exatamente ilustre. 
                           
                          Planos indefectivelmente tortos, imagem digital lavada, 
                          auto-ironia onipresente e aquela forma de trabalhar 
                          os atores toda chupada dos filmes de Godard dos anos 
                          80 mais aproximados à comédia (Carmen, 
                          Detetive, Grandeur et décadence d'un 
                          petit commerce de cinéma). Juntando na panela, 
                          fica claro o propósito: pedir a adesão 
                          do espectador no sentido de fazer crer que, no fundo, 
                          aquela história sendo contada com todos aqueles 
                          clichês revelam, pela autoconsciência do 
                          processo, uma superioridade em relação 
                          aos lugares-comuns que o cinema de gênero realiza 
                          de forma corriqueira. Daí a forte impressão 
                          de que tudo não passa de uma reles brincadeira 
                          metalingüística, muito modernosa, em que 
                          os clichês só aparecem para serem digeridos 
                          como exercícios de bom aluno bem educado de nariz 
                          em pé. Afinal, esse olhar de superioridade e 
                          essa displicência em relação à 
                          construção daquele universo só 
                          revelam uma necessidade de risinho de pequeno perverso, 
                          aquilo que em jargão lacaniano define os "não 
                          bobos/non dupe": o manejo de um saber a mais. 
                           
                          Mas até aí, mal ou bem, azar de quem se 
                          sente atraído. O que, no entanto, torna tudo 
                          em Fay Grim explicitamente nulo é essa 
                          mistura de evasão (da ficção, da 
                          crença) e de comentário sabichão 
                          sobre os caminhos do mundo, sobre a paranóia 
                          do terrorismo e dos planos de conspiração 
                          (oh! a enésima crítica feita à 
                          paranóia americana), a profunda estupidez das 
                          coisas "grandes". Juntas, essas características 
                          só revelam um uso claudicante dos procedimentos 
                          de distanciamento, operando pelo cinismo e pelo acabamento 
                          porco um esvaziamento total da expressividade. A metalinguagem 
                          e a auto-referência serviram de base para um momento 
                          do cinema que buscava uma renovação em 
                          relação ao que vinha antes. Mas isso já 
                          está velho de uns vinte anos. Hoje, essa eterna 
                          referencialidade e a piscadela de olho dada ao espectador 
                          nada revelam além de um deplorável exercício 
                          de autofagocitose e niilismo blasé. Triste destino 
                          o de Hal Hartley. 
                           
                            
                          Ruy Gardnier 
                          
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