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                         Deparamo-nos mais uma vez frente 
                          ao universo peculiar de Wes Anderson com seu novo O Expresso Darjeeling, 
                          que confirma a tendência do diretor a construir um cinema 
                          cheio de cacoetes e de personagens esquisitos habitantes 
                          de um aquário ultra estiloso 
                          que é o mundinho de brinquedo, bem como lugar de enfrentar 
                          traumas familiares, que Anderson cria. 
                           
                          Desta vez o espaço-base para a existência do universo 
                          de Anderson não foram os Estados Unidos, mas uma viagem 
                          de trem em um outro país, em outro continente. Ao que 
                          parece, desde A Vida Marinha com Steve 
                          Zissou existe um vislumbre da possibilidade do expurgo 
                          a partir do abandono do espaço de origem desse universo 
                          no qual se constitui a obra de Anderson. Em A Vida 
                          Marinha, embarcamos numa expedição marítima e, mesmo 
                          sendo o mar um lugar em que não se ancora, lugar de 
                          passagem e instabilidade, já se dá aí uma espécie de 
                          fuga do lar, que é também uma busca de algo. Em O 
                          Expresso Darjeeling boa 
                          parte desse expurgo se dá também numa situação de passagem, 
                          uma viagem de trem, mas só se concretiza de fato quando 
                          o filme (e os personagens) chega a uma outra terra firme 
                          (a Índia) e vivenciam nela uma experiência real. É bem 
                          verdade que, grosso modo, as narrativas tanto de Steve 
                          Zissou quanto de Darjeeling 
                          tratam de filhos desconhecidos ou abandonados em 
                          busca de seus pais, portanto, ao mesmo tempo em que 
                          é preciso sair do lugar de origem e se “arriscar pelo 
                          mundo”, é necessária (pode-se dizer obsessiva) a busca 
                          pela figura paterna/materna, 
                          o que também se relaciona com uma noção de origem, de 
                          proveniência. 
                            
                          Entretanto, arriscar-se não é exatamente uma boa palavra 
                          a se empregar quando se trata de Anderson, que é certamente 
                          uma mente com potência para criar simpáticos e belos 
                          momentos em seus filmes, mas de tão preso às suas obsessões 
                          quanto os seus personagens, acaba não dando conta do 
                          recado. É que Wes Anderson 
                          anda cometendo o grave erro de só olhar para dentro 
                          de si e não enxergar o mundo, o que é contraditório 
                          em sua obra, porque exatamente a partir do momento em 
                          que ele sente a necessidade de viajar, de levar seu 
                          universo e personagens para os mares e trilhos afora 
                          é quando ele parece perder a referência de visão de 
                          mundo, de um olhar para as coisas que é, além de interessante, 
                          importante para qualquer artista. Na verdade, esse movimento 
                          de fechar-se em si pode, sim, condizer com os fatos 
                          dos filmes, dependendo de como eles forem tratados, 
                          porque sair pelo mar ou trilhos do mundo pode ser uma 
                          forma de buscar liberdade e desapego, mas também, e 
                          é o que Anderson parece fazer, é um jeito fácil de isolar 
                          os personagens: em alto mar ou num vagão de trem. Quanto 
                          a Rushmore e a Os Excêntricos Tenenbaums, 
                          o diretor situa seus personagens em duas das instituições 
                          mais importantes (e sufocantes) da sociedade americana 
                          – que são a escola e a família –, visto que o ambiente/ 
                          espaço em que o primeiro e o segundo se passam são, 
                          respectivamente, uma high-school 
                          e a mansão dos Tenenbaums. 
                          Entretanto, essas referências pareciam ainda lhe dar 
                          qualquer parâmetro para observar o mundo e permitir-se 
                          ser tocado por ele de alguma forma. 
                           
                          Tentando um tom menos genérico e buscando entrar mais 
                          no filme (porque ele merece, sim, alguma atenção, respeito 
                          e cuidado), existem elementos que devem ser destacados, 
                          pro bom e pro ruim. Toda a preocupação com a cenografia 
                          e a caracterização do mundo e dos personagens chega 
                          a torná-las tão detalhistas e singulares quanto, por 
                          vezes, irritantes. Os movimentos de câmera repetitivos 
                          como tiques nervosos, desnecessários, parecem mesmo 
                          serem admitidos como TOC e não como um trabalho decente 
                          com a linguagem cinematográfica, de mise-en-scène ou algo que o valha: movimentos rápidos 
                          de câmera, começar num enquadramento e ir para outro 
                          por travelling, chicote 
                          ou panorâmica, os zooms que 
                          deveriam querer ser divertidos, mas só conseguem gerar 
                          mesmo um “what the 
                          hell?!”. 
                          Mesmo quando se desce do Expresso, num grande mercado 
                          popular indiano, o diretor não se desprende de seu mundinho 
                          e, tanto quanto os contos do irmão interpretado por 
                          Jason Schwartzman são uma ficção 
                          autobiográfica de meia tigela para resolver seus traumas 
                          e obsessões, assim também se mostra este filme de Anderson. 
                           
                           
                          Apenas se entrevê algum desprendimento quando os três 
                          irmãos falham em salvar a vida de um dos menininhos 
                          indianos que atravessavam um rio e este morre afogado 
                          nos braços de Peter (Adrien 
                          Broody). Eles, então, junto 
                          às crianças sobreviventes, levam o corpo do menino a 
                          seu povoado/ tribo de origem e, aí sim, a partir de 
                          tal experiência, parece surgir algum olhar interessante 
                          e bonito, mais livre e verdadeiro, sem muitos disfarces 
                          e fantasias pra se travestir de algo que não lembre 
                          a realidade. Um dos momentos mais bonitos do filme é 
                          quando os irmãos finalmente vão se despedir do povoado 
                          indiano, depois de terem participado da cremação e de 
                          todo o ritual de despedida do menino morto. Eles andam 
                          até detrás do ônibus (pois a porta está do outro lado 
                          do ônibus, de modo que a câmera não a vê, e esta está 
                          posicionada próxima ao olhar dos indianos, que vêem 
                          os irmãos partirem) e o irmão interpretado por Adrien 
                          Broody, depois de ter saído 
                          de quadro por detrás do ônibus, volta rápida e discretamente 
                          e direciona o olhar para seu contra-plano/ câmera/ indianos. 
                          Neste momento o personagem tem um brilho nos olhos e 
                          esse olhar deve ser um dos únicos do filme que não está 
                          contaminado por cinismos, máscaras ou medos da vida. 
                          É apenas um detalhe, que pode ter sido pensado e bem 
                          sacado por Wes Anderson ou 
                          pode ter sido um ato brilhante na atuação de Broody. 
                          Seu olhar para a câmera/indianos 
                          é complexo; tem vida e parece finalmente deparar-se 
                          com esta. Logo em seguida, quando os irmãos entram no 
                          ônibus, ainda é possível ver o quê de melancolia trazido 
                          no olhar de Peter (Broody). 
                          Este pequeno momento é importante porque talvez até 
                          salve o filme de ser irrelevante (junto com o que sobra 
                          de positivo da criatividade e do gosto por criar que 
                          há em Anderson). 
                           
                          Outra coisa que marca o filme são os momentos “é fácil 
                          ser bonitinho com música indie 
                          fofinha e câmera lenta”, que viram outro cacoete fácil 
                          e cansam. Só que o último momento em que isso ocorre 
                          tem algo a mais: os personagens percebem que só conseguirão 
                          pegar o trem se correrem bastante e para isso têm que 
                          se desprender de suas malas-fardos-fetiche-nostalgia 
                          que são quase um personagem no filme. Largar essas malas 
                          e correr, livres para embarcarem 
                          no trem é um ato de coragem, libertação e superação 
                          para os irmãos e também um ato de desprendimento, ainda 
                          que não seja um grande feito do diretor para o filme 
                          (esteticamente falando). O que se espera é que este 
                          ato de largar as malas kitsch e pesadas possa 
                          significar um futuro desprendimento para a obra de Anderson, 
                          que certamente é um cara talentoso que se perdeu nas 
                          suas obsessões e ficou preso, com tanto medo da vida 
                          e do mundo quanto seus personagens.  
                           
                          O Expresso Darjeeling, 
                          apesar de ser uma confirmação na obra do diretor, mais 
                          um traçado no caminho dum cineasta que tornou suas visões 
                          e formas – passíveis de inventividade e interesse – 
                          numa repetição chata, travada e previsível, traz belos momentos 
                          na aldeia indiana, na volta/olhar 
                          de Adrien Broody e nas malas jogadas 
                          no fim. É verdade que tais momentos não fazem com que 
                          Darjeeling seja realmente 
                          bom, mas ao menos me permitem dizer que ainda verei 
                          o próximo filme de Wes Anderson. 
                           
                            
                          Luisa Marques 
                           
                           
                           
                           
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