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                         Época 
                          de guerra civil, um avô estende a arma a seu neto 
                          e pede a execução da vingança. 
                          O homem que matou o homem do meio deve ser morto, respeitando 
                          a vendeta e prolongando o ciclo de violência. 
                          Primeiras imagens de Temporada de Seca, filme 
                          que dá continuidade à carreira de Mahamat-Saleh 
                          Haroun, diretor do muito interessante Abouna (2002), 
                          passado no Festival há alguns anos (o imdb.com 
                          informa que há no meio um documentário 
                          de 50min para tv de 2005, Kalala). O que produz 
                          um encanto logo de início é a frontalidade 
                          das imagens, um misto de precisão e simplicidade 
                          que, se nasce como produto de um savoir-faire 
                          não muito extenso, desempenha na economia de 
                          imagens do mundo contemporâneo uma diferença 
                          sensível. Temporada de Seca, filme notável? 
                          Não exatamente. Mas tampouco um filme a ser desprezado 
                          sem direito a um olhar mais atencioso. 
                           
                          Pois, como em Moolaadé do veterano Ousmane 
                          Sembene (mas não em Bamako, refinadíssimo), 
                          existe uma tal literalidade do relato visual que, apesar 
                          da aparente nudez de linguagem, seria redutor fazê-la 
                          confundir-se com procedimento naïf. Temporada 
                          de Seca se constrói em modo menor: gestos 
                          discretos de personagens, concisão da narrativa 
                          sem recurso à complicação da intriga, 
                          formando um todo harmônico e equilibrado. É 
                          verdade que é uma forma de construção 
                          já dominada, já conhecida, a duração 
                          de planos típica de um certo cinema de "arte 
                          e ensaio". Mas a frontalidade é pouco comum. 
                           
                          Temporada de Seca é a narrativa de O 
                          Filho – esse mesmo, o dos irmãos Dardenne 
                          – às avessas. Feito o caminho para a vingança, 
                          o jovem não consegue matar o assassino de seu 
                          pai. Pior que isso: não consegue olhá-lo 
                          no rosto. Falta-lhe a raiva, a motivação, 
                          o gatilho para que o assassinato não seja premeditado 
                          e a sangue frio, mas um ato de justiça contra 
                          alguém que faz o mal. O momento não vem, 
                          e o velho, um padeiro, acaba acolhendo o jovem como 
                          um filho, abrindo-lhe a casa e ensinando-lhe o ofício 
                          da família. A pergunta que faz o filme de Haroun 
                          é naturalmente sobre a vingança como círculo 
                          eterno da violência. Se no começo do filme 
                          o jovem é espancado por dois policiais, mais 
                          tarde ele espanca um oficial, se vinga. Plano seguinte, 
                          elipse, ele vê o policial, de muletas, sem uma 
                          perna: operação de justiça, justa 
                          reparação. Relato modelador, civilizatório, 
                          moralizante, sem dúvida.Com todos os limites 
                          artísticos que isso implica, mas também 
                          com duas ou três qualidades que vale ressaltar. 
                          Acima de tudo, um projeto que se coloca claramente como 
                          político e social, mas, sem recorrer a chantagens 
                          emocionais do drama costumeiro (musiquinha lacrimejante, 
                          identificação com os protagonista e com 
                          sua luta), Temporada de Seca mostra-se, peito 
                          aberto, como um cinema desfetichizado. Não é 
                          tudo, mas já é um começo. 
                           
                            
                          Ruy Gardnier 
                          
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