Para quem um dia já teve
Whoopi Goldberg servindo de pombo-correio mediúnico entre uma jovem viúva e seu
marido morto, as cartinhas post-mortem de P.S.
Eu Te Amo não passam de um exercício duvidoso de necrofilia. De fato, a
morte não é algo com o qual Richard LaGravenese esteja disposto a lidar para além
de seu uso como desculpa narrativa que engendre uma nova empreitada comercial de olhos
lacrimejantes e lições para a vida. Figurativamente, tudo sempre se mostrará na
repetição dos joguinhos de ausência-e-presença tão caros às lembranças "vivas"
da comédia romântica mais viciada: a jovem viúva pensa em seu marido morto, ele
subitamente reaparece, a reconforta em seus braços, fala algumas palavras
sussurradas em seu ouvido, cumpre a meta de aliviar ligeiramente a dor da
perda, e um corte na imagem nos mostrará que a pobre moça estava mesmo era
abraçando seu próprio travesseiro. O mesmo se dará com monólogos de puro luto em
frente ao espelho que serão miraculosamente transformados em diálogos alvissareiros
quando a voz do falecido aparecer em off:
este aqui é um filme condenado a morrer por quase tudo, menos por excesso de
criatividade.
Por mais que seja o motor
dramático em P.S. Eu Te Amo, a idéia
da morte é evitada a todo custo. Pulamos diretamente do auge da felicidade do
casal protagonista para o funeral do marido, sem explicações, sem tempo a se
perder com um corpo debilitado em cena (a causa mortis, como saberemos adiante, foi um
tumor cerebral, e a idéia de se filmar uma comédia romântica à
beira de uma cama de hospital deve ter apavorado LaGravenese). Mais que isso, é o
próprio sentimento de luto que parece inconveniente aqui. Há sempre um abismo
entre a intenção de certas seqüências e sua realização, onde a dor e o pesar
não passam de pequenos truques dramatúrgicos, algumas frases "profundas" deixadas
pelo marido morto nas indefectíveis cartas e um sem-número de lágrimas vertidas
em vão (é bem verdade que Hilary Swank não colabora muito no retrato da viúva
em desespero). É um filme sobre a superação da morte onde ela própria nunca é
sentida, onde o único desejo de elevação é o do operador da grua no plano
final, tão óbvia e tão incontornável.
E esse filme que termina
absolutamente satisfeito com sua própria mediocridade começara em tom
completamente diverso. Antes que o luto se abata, antes mesmos que os créditos
de abertura sejam mostrados, há um longo prólogo que nos apresenta a relação
entre Holly e Gerry (Gerard Butler) no auge de sua forma. São dez minutos de
uma briga que começa nas escadas do prédio e se estende pelo apartamento,
envolvendo gritos de todos os níveis, objetos atirados um contra o outro,
diálogos tão afiados que declaram imediatamente terem partido da cabeça de um
roteirista esperto, e não de uma pessoa normal em meio a uma crise, num jogo físico entre os dois atores que
está muitos passos além do simples histrionismo, já confortavelmente situado na pura
afetação mesmo. Tudo é feito com tanta energia e falta de medidas que temos a
impressão de assistir ao primeiro filme romântico da história a ser protagonizado
por um casal usuário de crack.
É
um espírito atabalhoado, francamente
grosseiro, mas que LaGravenese reproduz no resto de seu filme não na chave
pastelão
deste prólogo, mas em seu sentido literal, do mau gosto puro.
Em pequenas doses, essa "grosseria do bem" sobreviverá nos personagens
coadjuvantes, especialmente em Harry Connick Jr., no papel do solteirão
candidato a ocupar
a vaga do marido morto, portador de uma síndrome de inaptidão às
mesuras sociais, uma espécie de autismo que o faz dizer as coisas mais
impróprias nos momentos mais inoportunos (num timing sempre muito
divertido). O errado, o descabido, isso LaGravenese consegue registrar com algum
interesse. Mas P.S. Eu Te Amo é um filme-de-mulherzinha, que sobrevive da
química
entre atores (essa mesma inexistente entre Swank e Butler), de momentos
românticos inspirados (nada como as duas péssimas seqüências
de conquista ao
som de música folk irlandesa e pop barato num karaokê), e de uma
estrutura
dramática que envolva o espectador naquela história de amor (e
não o afaste
pelo uso desmedido de flashbacks e
viradas narrativas que não introduzem nenhuma novidade – como
a
divisão em "estações do ano" – mas
apenas servem para arrastar
nosso martírio). E sobre isso que P.S.
Eu
Te Amo acredita ser o certo a se fazer, é muito difícil manter
interesse algum.
Rodrigo de Oliveira
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