NUNCA É TARDE PARA AMAR
Amy Heckerling, I Could Never Be Your Woman, EUA, 2007

Se os créditos de Nunca É Tarde Para Amar nos apresentam a uma espécie de clipe-total de um canal de documentários à Discovery, indo das imagens de animais selvagens copulando, plantas germinando, gente de todo tipo fazendo todo tipo de coisa, até chegar a seqüências de pessoas sendo submetidas à cirurgia plástica, médicos desenhando com caneta sobre corpos flácidos, gordura sendo sugada; e, mais ainda, se para dar sentido a toda essa enxurrada de signos surge uma improvável Tracey Ullman, encarnando a própria Mãe Natureza, é porque Amy Heckerling sabe que as dores e as delícias de seu filme se fundam numa questão de biologia pura.

Heckerling dirigiu duas das obras-primas sobre a juventude americana das últimas décadas do século passado, Picardias Estudantis nos anos 80 e As Patricinhas de Beverly Hills nos anos 90. No filme de 1982 os personagens ainda viviam a ressaca pós-hippie e a iminência pré-yuppie, expressa, sobretudo, no surfista interpretado por Sean Penn, enquanto o filme de 1995 carregava a inocência fútil deste intervalo da História (o período entre a queda do Muro e as Torres Gêmeas, seguindo uma idéia de Phillip Roth). O que tornava tão preciso e tão justo o olhar de Heckerling sobre estas gerações distintas entre si era exatamente isto: a própria existência de uma geração compreendida como tal, onde a experiência da juventude era acompanhada por uma série de características que lhe pertenciam particularmente e que só poderiam ser vividas por quem tivesse aquela idade e participasse conjuntamente de todas as transformações típicas daquele momento. Não à toa, ambos os filmes dependiam do horizonte da vida adulta para poder mergulhar ainda mais verticalmente no fim da adolescência, onde sempre encontrávamos os personagens ou à beira do amadurecimento forçado (a gravidez de Jennifer Jason Leigh em Picardias) ou confrontados com a necessidade de expandir sua compreensão da vida (a tensão constante entre o escapismo de Alicia Silverstone e a busca de profundidade de Paul Rudd, divertidamente expressa na briga envolvendo as músicas do Radiohead em Patricinhas).

Assim, que Nunca É Tarde Para Amar comece já com esta lição evolutiva dada pela Mãe Natureza, inconformada com a subversão da ordem natural da vida pelos constantes avanços da ciência médica e da biotecnologia, é uma espécie de lava-mãos de Heckerling. Se a juventude, tal como ela a encontrou 20 anos antes, talvez ainda se faça presente, o que desapareceu foram os jovens de fato. Impossibilitada de fazer um terceiro filme sobre uma geração pós-adolescente, agora a dos anos 2000, simplesmente porque esta geração não existe, o trabalho que antes era o de registro da pulsação de um grupo específico de pessoas passa agora a ser uma espécie de painel melancólico das manifestações precoces ou tardias de um espírito perdido na roda da transformação biológicas e comportamentais do mundo.

Nada parece estar no lugar que deveria. De um lado temos a filha de 10 anos de idade que se veste e porta como uma adulta. Do outro, a mãe quarentona que não se conforma com a perda da juventude, e por isso não só abusa das operações plásticas e tratamentos estéticos de toda a sorte como também tenta reviver sua adolescência no contato com a filha (não raro, veremos situações em que é a filha que parece criar e cuidar da mãe, e não o contrário). A possibilidade de um relacionamento com um homem muito mais novo só aumentará esta sensação de suspensão temporal da mãe. Suspensão essa já operada no programa de tevê do qual ela é a criadora, típico sitcom americano em que o ambiente do high school é povoado de adolescentes interpretados por atores com o dobro da idade de seus papéis. Nem mesmo os Ramones sobreviveram à plastificação: se seguem irritando os ouvidos mais sensíveis, agora aparecem travestidos de trilha sonora para um jogo de videogame infantil, onde “I Wanna Be Sedated” se transforma num ruído que não guarda quase lembrança nenhuma do que seja a música original.

Este tipo de observação sobre os novos parâmetros de relação das pessoas com seu próprio corpo e mentalidade aparece em Nunca É Tarde Para Amar sempre num tom entre a conformação e a acidez do comentário social, e Heckerling sabe equilibrar muito bem estas duas porções. Mas há uma trama ali a ser levada adiante, e ela não depende apenas de comentários, mas de narrativa mesmo, e aí o filme se complica profundamente. A própria idéia de que a grande questão em jogo é a possibilidade de um namoro entre pessoas com grande diferença de idade é frágil, não se sustenta – e a diretora sabe bem disso. Sempre que dedicada às picuinhas habituais neste tipo de relação, que envolve poder, posição social e uma série de personagens coadjuvantes cuja única função é bagunçar o coreto da trama com falsas ameaças à paz dos protagonistas, Nunca É Tarde Para Amar derrapa feio.

Aquele elo perdido entre a infância e a vida adulta não está localizado no namoro entre Rosie e Adam (ainda que Paul Rudd faça uma verdadeira ginástica interpretativa para justificar a importância que a filiação à comédia romântica atribui a seu personagem). Incapaz de observar o fim de um recorte geracional sem buscar alguma outra dinâmica comportamental que venha eventualmente ocupar seu lugar, Heckerling demora muito, mas finalmente nos informa, lá pelas seqüências finais, que Nunca É Tarde Para Amar pretende mesmo é promover a reconciliação entre estes dois grupos de pessoas que seguiram existindo mesmo depois que o jovem, tal como o conhecíamos, morreu. Izzie, a filhinha que não quer mais brincar de Barbie e que já negocia, aos 10 anos, uma idade máxima para poder transar pela primeira vez, e Rosie, a mãe 30 anos mais velha mas que, ainda assim, se vê às voltas com as dúvidas em relação às suas próprias transas. É um novo tipo de interação, que todas as obrigações narrativas do filme impedem Heckerling de observar mais atentamente. Mas, ainda assim, está lá este novo estatuto da juventude. Ele não envolve cirurgias plásticas ou sorrisos conservador em formol, mas tão simplesmente a disposição, ingênua e ao mesmo tempo revigorante, em mergulhar de cabeça nas questões que a vida nos apresenta, sem se importar no quão idiotas isso nos fará parecer. Sorte nossa que haverá sempre alguém como Heckerling disposta a transformar este ridículo num retrato repleto de carinho.

Rodrigo de Oliveira

 

 





Michelle Pfeiffer e Saoirse Ronan, mãe e filha que protagonizam a verdadeira reconciliação geracional de Nunca É Tarde Para Amar