Seria simples justificar o interesse
por Noel, o Poeta da Vila atribuindo ao filme
a qualidade de nos relembrar de modo afetivo as canções
do compositor, e de fato o filme depende em grande medida
das criações de Noel Rosa. Mas há algo além: o que o
filme tem de mais interessante, mais do que as canções, é o modo que encontra para trazê-las. Noel, o Poeta da
Vila lida com personagens que hoje ícones da canção
popular brasileira – e trabalha isso na chave do despojamento,
do encanto prazeiroso da simples encenação. O filme
parece menos preocupado em dar consistência psicológica
aos personagens do que permitir que eles simplesmente
se imponham no ambiente.
Nesse sentido, é especialmente feliz aqui a relação
entre os ícones do passado e os músicos do presente.
Parece simples, e de fato o é, usar jovens sambistas
como Pedro Miranda e Eduardo Galloti, ou mesmo um já
não tão jovem como Wilson das Neves, para trazer ao
filme a ambiência das rodas de samba da época – e o
trunfo do filme é apostar antes na simples construção
do ambiente do que na falsa verossimilhança da recriação
posada. Assim, pode-se dizer que o filme se orienta
mais para criar imagens que reúnam afetivamente numa
construção narrativa as canções de Noel do que para
elaborar um universo dramático – como se vê no final,
a criação da cena que origina o clássico “Último desejo”
é mais interessante como uma invenção fabular do que
como um clímax dramático.
Todo o filme tem esse tom, e é isso que lhe dá charme
– cada canção parece ter a sua própria estória, sem
demandar qualquer espécie de verossimilhança dramática
para isso. Desse modo, Noel, o Poeta da Vila
merece um elogio singular: é um longa-metragem que parece
curta. Não apenas porque tem uma graça que parece torná-lo
leve, mas principalmente por, ao ser um somatório de
canções, ambientes e momentos encontrados de forma afetiva,
demonstra uma discreta e deliciosa liberdade no modo
de narrar. Noel, o Poeta da Vila é um filme que
mostra mais interesse em adentrar ambientes e rever
a beleza das criações musicais do que em seguir os tons,
andamentos e modulações dramáticas do academicismo típico.
Deste modo, em seus melhores momentos guarda a beleza
instantânea de uma boa roda de cantoria com pandeiro,
cavaquinho e violão.
Daniel Caetano
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