Todo
ano, ao se aproximar o mês de setembro e o início
da chamada "temporada dos festivais de cinema", que
inclui o Festival do Rio e a Mostra de São Paulo,
cinéfilos aguardam ansiosamente por títulos
de diretores que apreciam ou que consideram "relevantes".
Mas quais seriam os determinantes dessa suposta "relevância"?
Muitas vezes se toma por base a carreira pregressa de
determinados cineastas, a partir de trabalhos realizados
há várias décadas, que tornam seus
nomes como espécies de "vacas sagradas", independente
da qualidade do que vêm apresentando em tempos
mais recentes.
Tomemos por exemplo Carlos Saura, que criou uma grife
nos anos 70 e início da década de 80 e,
a partir de Bodas de Sangue, lançou-se
em trabalhos centrados na dança, filão
que explora até hoje. Pois bem, Saura envelheceu
e com ele seus filmes. Apontado como um dos destaques
do Festival do Rio 2007, seu Fados - depois de
Tango, Flamenco e possivelmente antes
de Samba, Axé ou coisa que o valha
- parece despertar o interesse apenas de quem
se contenta em assistir o mesmo infinitas vezes, sem
esperar do cinema novidades.
Nesse mundo dos festivais, prêmios anteriores
em um determinado momento da carreira também
parecem funcionar como aval para determinados cineastas.
Mas será que as duas Palmas de Ouro conquistadas
por Bille August ainda o credenciam, se é que
alguma vez o credenciaram como grande autor? Seu trabalho
foi sempre marcado por academicismo e mão pesada
e seu último filme visto por aqui, Uma Canção
para Martin (2001) é nada menos que constrangedor.
Portanto, vale realmente a pena esperar alguma coisa
de Goodbye Bafana?
Louva-se também sensações de festivais
passados.No início da década de 90, Hal
Hartley trouxe indiscutivelmente sopros de vitalidade
em seu cinema com Confiança e Simples
Desejo. Mas em pouquíssimo tempo, a vitalidade
deu lugar a bolor e em 2001 tivemos No Such Thing,
sério candidato ao prêmio Lixão
de Ouro de todos os tempos. Obviamente não sobra
mais qualquer empolgação por Fay Grim,
continuação do já tedioso Henry
Fool.
Outra sensação dos anos 90, Zhang Yimou
deslumbrou muita gente no Festival do Rio de 1992 com
Lanternas Vermelhas e Amor e Sedução.
Mas seu cinema foi mudando de rota, e após uma
série de melodramas picaretas , enveredou-se
por uma linha que mistura artes marciais a uma suposta
beleza plástica. Desde Herói, seus
filmes parecem vir mais para causar impacto e deslumbre
em senhoras, esquecendo o vigor de um gênero elevado
à arte por mestres como Chang Che sem que fosse
necessário o uso de firulas pseudo-artísticas.
Agora, o novo desfile do Grêmio Recreativo Escola
de Samba Zhang Yimou, A Maldição da
Flor Dourada, parece não causar ânimo
mesmo em fãs mais ardorosos.
Temos também a "significância social ou
política", que faz de Ken Loach um velho cavalo
de batalha de quem aprecia um "cinema de relevância".
Certo, Loach tem sua importância, mas insiste
há tempos em repetir os mesmos recursos dramáticos
de humilhação dos personagens e chantagem
barata para sempre retratá-los como vítimas
da injustiça. Em Mundo Livre não
deve ser diferente. E o humanismo barato de Loach traz
também seus seguidores, como Michael Winterbottom,
que durante anos atirou para todos os lados e gêneros,
criando filmes igualmente insatisfatórios, e
a partir do prêmio em Berlim com Nesse Mundo
se consagrou na exploração política
rasteira, mesmo espaço ocupado pelo recente O
Preço da Coragem. Não devemos esquecem
também do argentino Carlos Sorín, e seu
constante retrato dos pobres coitadinhos da Patagônia
que parece ter se perpetuado em O Caminho de San
Diego.
O trem do cinema corre de forma bastante veloz, e muitos
dos que nele embarcam não conseguem permanecer,
como os citados acima. Ou simplesmente mal conseguem
embarcar, como o sensacionalista Park Chan-Wook ou o
picareta sentimentalóide Kim Ki-Duk, vistos como
"expoentes" do cinema coreano, enquanto o grande Hong
Sang-Soo permanece inédito por aqui. Ou ao menos
permanecia, pois, felizmente, o Festival do Rio irá
trazer Mulher na Praia, seu primeiro título
a ser exibido em cinema no Brasil. E esperamos que isso
sirva como exemplo para chamar a atenção
para nomes menos visados, porém infinitamente
mais ricos quando se pensa em criação
cinematográfica.
Gilberto Silva Jr.
|