HIGH SCHOOL MUSICAL
Kenny Ortega, EUA, 2006

Para muitos a coisa pode ter passado despercebida, mas é certo que, aqui no Brasil, desde o dia 30 de julho de 2006, um fenômeno incendiou o público infantil e pré-adolescente. Ocorre que essa data marcou a primeira exibição no Brasil, pelo canal a cabo da Disney, de uma produção feita diretamente para TV: o filme High School Musical. Bom, nesses pouco mais de seis meses decorridos desde então foram infinitas as exibições no Disney Channel – em três versões, legendada, dublada e sing-along – sempre com audiência alta para um canal a cabo; uma exibição em tempo recorde pela Globo numa tarde de domingo, acompanhadas do lançamento em DVD que, além de estar puxando a lista dos mais alugados, também vem tendo excelente vendagem. Como se não bastasse, as listas recentes de CDs mais vendidos nunca deixam de incluir a trilha musical do filme. Bom, muitos podem pensar: é só um produto de mercado bem dirigido, visando o consumo por um público específico (em especial a garotada entre 10 e 15 anos). Mas a curiosidade não nos deixa de instigar uma vontade em conferir e decifrar por que esse High School Musical se configurou tão rapidamente num filme de tamanha popularidade, sem que jamais houvesse passado por uma tela de cinema.

Talvez a melhor resposta venha – além obviamente de uma estratégia certeira de marketing por parte da Disney – da simplicidade franca e direta da proposta de High School Musical: um filme musical, que trabalha de forma despudorada, mas igualmente consciente, os mais diversos clichês consagrados ao longo dos anos pelo cinema adolescente norte-americano (bom notar que essa abordagem direta do que será o filme já vem embutida em seu título). Objetividade também antecipada no prólogo que se passa durante uma festa de reveillon, na qual o casal protagonista Troy, um jogador de basquete, e a estudiosa Gabriella já têm definidos os principais traços de sua personalidade, e rapidamente se conhecem ao serem impingidos a cantar em dueto num karaokê. Isso faz com que eles descubram afinidades e, como bons adolescentes de hoje em dia, selem seu contato através de fotos e números em seus celulares. É aí que Gaby some, retomando a imagem, para permanecer em um terreno consagrado pela Disney, como uma Cinderela que foge de seu príncipe. Tudo isso se dá em cerca de 5 minutos e o filme já define de forma bem clara todos os rumos que irá traçar durante a hora e meia que lhe resta.

Obviamente que, reiniciado o ano letivo, Troy e Gaby irão se reencontrar no mesmo colégio, ela aluna nova, que chega por transferência. Cada um integrado em seu grupo: ele com os rapazes atletas, ela com as meninas CDFs. Já vemos aí um alinhavar de roteiro que repete as primeiras situações vividas pelo casal John Travolta/Olivia Newton-John em Grease, nos Tempos da Brilhantina (1978), o mais célebre “musical de colégio”, com a vantagem sobre o filme de Randal Kleiser de os personagens serem aqui representados não por adultos caricatos, mas por adolescentes verdadeiros.

Grease, porém, não será o único modelo a ser seguido em High School Musical. Desde a década de 1980 não há como se fazer cinema adolescente sem passar impunemente pela referência dos hoje clássicos dirigidos por John Hughes entre 1984, quando estreou com Gatinhas e Gatões, e 1986, ano de Curtindo a Vida Adoidado. Mais flagrante fica essa referência ao conferirmos que, nesse par de filmes, encontramos nos créditos de coreógrafo o nome de ninguém menos que Kenny Ortega, o diretor responsável por High School Musical. Ortega deixa aqui patente sua intimidade com o universo de Hughes repetindo nos personagens modelos consagrados pelo mestre, como os protagonistas insatisfeitos com os universos limitados nos quais se inserem – e toda a trama a partir de então vai se desenvolver pelo fato de Troy e Gaby desejarem, sem abandonar suas atividades esportivas e acadêmicas, respectivamente, participar da seleção de elenco para uma peça musical a ser encenada na escola. Temos os amigos que de inicio atrapalham, mas acabam por no fim ajudar no romance do casalzinho; como também os marrentos “vilões”, na figura da perua Sharpay e seu afetado irmão Ryan, que temem perder para Troy e Gaby seu posto quase vitalício de protagonistas do teatro escolar. E vale a pena lembrar que a primeira interação mais forte entre Troy e Gaby após seu reencontro na escola virá após um castigo de detenção, que não deixa de ser tema recorrente ao melhor dos filmes de John Hughes: O Clube dos Cinco (1985).

Ortega, no entanto, despe seu filme de um certo desencanto crítico presente no cinema de Hughes, que realizara um trabalho quase antropológico sobre o imaginário adolescente norte-americano. O que vemos em High School Musical é uma abordagem demasiadamente leve, edulcorada, tão cara a um produto família dos estúdios Disney, e que parte das cores vivas e idealizadas que perpassam a fotografia e a direção de arte, passa pelos personagens, todos interpretados por atores de uma aparência uniformemente asséptica, e deságua no tema de congregação e união entre os diferentes perfis de jovens (olha O Clube dos Cinco aí de novo). Mas essa aparente assepsia água-com-açúcar acaba funcionando como um dos grandes, se não méritos, ao menos atrativos charmosos do filme e provavelmente o principal fator de atração perante seu público alvo. Temos aqui a melhor tradução recente para um modelo que tanto se repetiu durante as infinitas Sessões da Tarde que muito assistimos – e curtimos - durante nossas próprias adolescências.

Não esquecendo que estamos diante de um musical, se faz necessário destacar também a leveza e a simplicidade com que Ortega concebe seus números. As coreografias são relativamente simples e compostas de passos que podem ser reproduzidos sem dificuldade pela garotada, o que fica claro quando observamos que um dos extras do DVD é uma aula de como dançar feito nas cenas de High School Musical. Dois números chamam a atenção: “Getcha Head in the Game”, com a coreografia que trabalha sobre um ensaio de basquete, e “Stick to the Status Quo”, que vai aos poucos instaurando o caos no refeitório da escola, quando os diferentes grupos de jovens decidem assumir suas diferenças e passam a interagir entre si. As canções da trilha são todas banhadas em um pop meloso e grudento, mas que, mesmo passando longe da sofisticação de um Stephen Sondhein, por exemplo, acabam funcionando que é uma beleza dentro da sua proposta. É assim que, dentro de toda sua breguice e assepsia assumidas, temos em High School Musical um filme musical mais coeso, agradável e satisfatório que o badalado e pretensamente sofisticado Dreamgirls.

Muitos podem torcer o nariz, e certamente já o estão fazendo, mas devemos estar atentos ao fato de estarmos diante de um trabalho que ficará futuramente cravado como referência cultural (ou cult?) para a geração que atualmente o consome com avidez. Assisti-lo se traduz numa experiência inconseqüente, divertida e deliciosamente açucarada, que nos faz assumir o garoto bobo que guardamos dentro de nós, assim como fazemos ao ouvir uma canção da grande Kelly Key. Experiência essa que esperamos não venha a ser diluída por exploração excessiva, ainda mais ao ficar sabido que ainda esse ano estréia High School Musical 2.


Gilberto Silva Jr.

(DVD Disney)

 

 






E se ao invés de adultos caricatos, John Travolta e
Olivia Newton-John fossem realmente adolescentes?