12 HORAS ATÉ O AMANHECER
Eric Eason, Journey to the end of the night, EUA/Alemanha/Brasil, 2006

Não existe motivo maior para uma primeira aproximação de 12 Horas Até o Amanhecer que não a curiosidade em saber com que novos (ou, mais provável, velhos) clichês um cineasta americano tratará o Brasil, filmando aqui mesmo, exclusivamente em locações, misturando astros do cinema internacional com atores locais – certamente não garimparíamos uma locadora atrás do nome de Eric Eason, no mais um independente desconhecido, ou muito menos para sanar a espera ansiosa pelo trabalho mais recente de Brendan Fraser. Pois a edição do DVD faz o favor de aumentar ainda mais esse desejo quase masoquista de buscar filmes que mostrem os brasileiros como animais, as cidades como aldeias indígenas, todo um povo lusófilo falando em espanhol. Diz a sinopse que o filme conta a história de pai e filho, ambos americanos auto-exilados no Brasil, comandando por aqui um bordel, e que para resolver um negócio de tráfico de cocaína precisam confiar na ajuda de Wemba, um nigeriano, imigrante ilegal, que trabalha na cozinha do “estabelecimento comercial”, por assim dizer. Ora, nenhuma menção a um personagem local, e uma ambientação nada positiva, prostíbulos e drogas (e não se lida com esses dois elementos sem ter no meio crime, tiros e sangue). Mais uma vez, ao ser olhado por alguém de fora, o Brasil escapa de si mesmo.

Essa impressão até se confirma quando chegamos finalmente às imagens de 12 Horas Até o Amanhecer, mas é como uma quase surpresa. Há sim uma sensação de escape, mas ela não é, em absoluto, dada por um primeiro-mundismo preguiçoso. Até veremos aqui e ali algum sintoma de Bond-vai-ao-Brasil, um feiticeiro cego, policiais corruptos por natureza, capangas semi-analfabetos que sabem falar inglês, mas estes são recursos puramente dramatúrgicos, não dizem muito sobre o contexto onde estão inseridos, mas tão somente à narrativa que se inscreve ali. Porque esta talvez seja a grande novidade do filme de Eric Eason: o contexto aqui não é o país, não é uma idéia dele que se está querendo criar. Há um drama ali dentro (familiar, acima de tudo), que tenta se construir e avançar com suas próprias pernas, e a localização geográfica interessa mesmo enquanto promotora de um clima que é só seu (ou que é conhecido e já dominado, mas que aqui talvez tome outro fôlego).

Contra todo o desejo da big picture que os filmes estrangeiros rodados no Brasil costumam ter, onde a colocação de cada elemento nativo sempre quer dizer algo sobre uma suposta “verdade geral” do país, 12 Horas Até o Amanhecer trabalha o nacional em pequenas cápsulas. Logo na seqüência de créditos iniciais haverá um longo plano aéreo da cidade de São Paulo, um plano claramente assustado com a grandeza daquilo que se coloca à sua frente. Daí para adiante estaremos sempre em lugares minúsculos, ambientes apertados e quentes, onde a luz é pouca. É como se Eason declarasse essa sua incapacidade de dar conta de qualquer generalidade sobre aquele espaço, com o qual mantém um duplo jogo muito parecido ao de seus protagonistas: enxerga-se em São Paulo uma possibilidade de existência (do filme, dos americanos fugidos de seu próprio país e que encontram abrigo por aqui) ao mesmo tempo em que se reconhece que aquela cidade é forte o bastante para engoli-los vivos.

Teríamos, então, o Brasil apenas como cenário? Sim, mas sem o “apenas” nisso. No making of existente nos extras, Scott Glenn dá uma definição bastante lúcida sobre a relação que o filme quer manter com a cidade. O ator diz que São Paulo engloba sozinha os extremos de Nova York e da Cidade do México, tudo isso sob o clima cinzento típico de Londres. Uma soma que dá, segundo ele, num lugar muito próximo da cidade futurista de Blade Runner. Numa fuga de motocicleta, o Bairro da Liberdade assume traços tanto de Chinatown quanto de algum grotão de Hong Kong, e ainda assim consegue manter sua integridade. Filma-se ali pelo que o lugar tem de comum, de global, e não por seu exotismo, seu toque tropical (também é curioso reparar o modo como o filme se delicia com a presença dos atores brasileiros, Matheus Nachtergaele no papel de um travesti que não diz uma palavra mas que é a grande mola de toda a ação do filme, Milhem Cortáz fazendo um capanga titubeante, e sobretudo com Alice Braga, para quem o filme dedica a mais interessante das tramas, um curto relacionamento entre sua personagem e o nigeriano de Mos Def – mas aqui há também um sabor especial para nós, que descobrimos em Alice uma atriz que consegue encher de dignidade qualquer cena de que participe, mesmo as mais constrangedoras: algo na voz, algo no jeito de olhar, mas ainda precisamos, e desejamos, vê-la em mais filmes).

Há, é claro, toda a história fraca de redenção, as narrativas paralelas que se misturam pelo destino numa só noite, a noite-em-que-nossas-vidas-mudam-para-sempre, uma estrutura de Crash – No Limite sem as lições morais tortas. Isso é o que talvez tenha feito a ruína de 12 Horas Até o Amanhecer no mercado americano, mas é difícil entender porque um filme com apelo evidente junto ao público brasileiro (e estrelado pelo mesmo sujeito de A Múmia, afinal de contas) chegou por aqui direto em DVD. É um filme de gêneros cruzados e ruins, policial com drama, como vários dos que aportam em nossos cinemas. Com a diferença de que se passa em São Paulo, com atores americanos se esforçando para falar português. Além, é claro, de nunca parecer (como um certo Turistas que anda por aí) um mockumentary metalingüístico sobre uma equipe gringa de cinema que vem trabalhar/tirar férias com os selvagens nos trópicos.

Rodrigo de Oliveira

(DVD Imagem Filmes)

 

 







Alice Braga e Mos Def em fuga pelo Bairro da Liberdade:
o Brasil finalmente como cenário, e não como decoração