Não existe motivo maior para
uma primeira aproximação de 12 Horas Até o Amanhecer
que não a curiosidade em saber com que novos (ou, mais
provável, velhos) clichês um cineasta americano tratará
o Brasil, filmando aqui mesmo, exclusivamente em locações,
misturando astros do cinema internacional com atores
locais – certamente não garimparíamos uma locadora atrás
do nome de Eric Eason, no mais um independente desconhecido,
ou muito menos para sanar a espera ansiosa pelo trabalho
mais recente de Brendan Fraser. Pois a edição do DVD
faz o favor de aumentar ainda mais esse desejo quase
masoquista de buscar filmes que mostrem os brasileiros
como animais, as cidades como aldeias indígenas, todo
um povo lusófilo falando em espanhol. Diz a sinopse
que o filme conta a história de pai e filho, ambos americanos
auto-exilados no Brasil, comandando por aqui um bordel,
e que para resolver um negócio de tráfico de cocaína
precisam confiar na ajuda de Wemba, um nigeriano, imigrante
ilegal, que trabalha na cozinha do “estabelecimento
comercial”, por assim dizer. Ora, nenhuma menção a um
personagem local, e uma ambientação nada positiva, prostíbulos
e drogas (e não se lida com esses dois elementos sem
ter no meio crime, tiros e sangue). Mais uma vez, ao
ser olhado por alguém de fora, o Brasil escapa de si
mesmo.
Essa impressão até se confirma quando chegamos finalmente
às imagens de 12 Horas Até o Amanhecer, mas é
como uma quase surpresa. Há sim uma sensação de escape,
mas ela não é, em absoluto, dada por um primeiro-mundismo
preguiçoso. Até veremos aqui e ali algum sintoma de
Bond-vai-ao-Brasil, um feiticeiro cego, policiais corruptos
por natureza, capangas semi-analfabetos que sabem falar
inglês, mas estes são recursos puramente dramatúrgicos,
não dizem muito sobre o contexto onde estão inseridos,
mas tão somente à narrativa que se inscreve ali. Porque
esta talvez seja a grande novidade do filme de Eric
Eason: o contexto aqui não é o país, não é uma idéia
dele que se está querendo criar. Há um drama ali dentro
(familiar, acima de tudo), que tenta se construir e
avançar com suas próprias pernas, e a localização geográfica
interessa mesmo enquanto promotora de um clima que é
só seu (ou que é conhecido e já dominado, mas que aqui
talvez tome outro fôlego).
Contra todo o desejo da big picture que os filmes
estrangeiros rodados no Brasil costumam ter, onde a
colocação de cada elemento nativo sempre quer dizer
algo sobre uma suposta “verdade geral” do país, 12
Horas Até o Amanhecer trabalha o nacional em pequenas
cápsulas. Logo na seqüência de créditos iniciais haverá
um longo plano aéreo da cidade de São Paulo, um plano
claramente assustado com a grandeza daquilo que se coloca
à sua frente. Daí para adiante estaremos sempre em lugares
minúsculos, ambientes apertados e quentes, onde a luz
é pouca. É como se Eason declarasse essa sua incapacidade
de dar conta de qualquer generalidade sobre aquele espaço,
com o qual mantém um duplo jogo muito parecido ao de
seus protagonistas: enxerga-se em São Paulo uma possibilidade
de existência (do filme, dos americanos fugidos de seu
próprio país e que encontram abrigo por aqui) ao mesmo
tempo em que se reconhece que aquela cidade é forte
o bastante para engoli-los vivos.
Teríamos, então, o Brasil apenas como cenário? Sim,
mas sem o “apenas” nisso. No making of existente
nos extras, Scott Glenn dá uma definição bastante lúcida
sobre a relação que o filme quer manter com a cidade.
O ator diz que São Paulo engloba sozinha os extremos
de Nova York e da Cidade do México, tudo isso sob o
clima cinzento típico de Londres. Uma soma que dá, segundo
ele, num lugar muito próximo da cidade futurista de
Blade Runner. Numa fuga de motocicleta, o Bairro
da Liberdade assume traços tanto de Chinatown quanto
de algum grotão de Hong Kong, e ainda assim consegue
manter sua integridade. Filma-se ali pelo que o lugar
tem de comum, de global, e não por seu exotismo, seu
toque tropical (também é curioso reparar o modo como
o filme se delicia com a presença dos atores brasileiros,
Matheus Nachtergaele no papel de um travesti que não
diz uma palavra mas que é a grande mola de toda a ação
do filme, Milhem Cortáz fazendo um capanga titubeante,
e sobretudo com Alice Braga, para quem o filme dedica
a mais interessante das tramas, um curto relacionamento
entre sua personagem e o nigeriano de Mos Def – mas
aqui há também um sabor especial para nós, que descobrimos
em Alice uma atriz que consegue encher de dignidade
qualquer cena de que participe, mesmo as mais constrangedoras:
algo na voz, algo no jeito de olhar, mas ainda precisamos,
e desejamos, vê-la em mais filmes).
Há, é claro, toda a história fraca de redenção, as narrativas
paralelas que se misturam pelo destino numa só noite,
a noite-em-que-nossas-vidas-mudam-para-sempre, uma estrutura
de Crash – No Limite sem as lições morais tortas.
Isso é o que talvez tenha feito a ruína de 12 Horas
Até o Amanhecer no mercado americano, mas é difícil
entender porque um filme com apelo evidente junto ao
público brasileiro (e estrelado pelo mesmo sujeito de
A Múmia, afinal de contas) chegou por aqui direto
em DVD. É um filme de gêneros cruzados e ruins, policial
com drama, como vários dos que aportam em nossos cinemas.
Com a diferença de que se passa em São Paulo, com atores
americanos se esforçando para falar português. Além,
é claro, de nunca parecer (como um certo Turistas
que anda por aí) um mockumentary metalingüístico
sobre uma equipe gringa de cinema que vem trabalhar/tirar
férias com os selvagens nos trópicos.
Rodrigo de Oliveira
(DVD Imagem Filmes)
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