O MESTRE DAS ARMAS
Ronny Yu, Huo Yuan Jia,
Hong Kong/China/EUA, 2006

Qual o verdadeiro embate em O Mestre das Armas? Aquele entre uma China submetida às humilhações e todos os outros países misturados, ora ingleses, ora japoneses, ora espanhóis, ora alemães, criando uma fábula sobre autodeterminação que combina muito com o clima de patriotada de alguns filmes recentes (cf. Herói)? Aquele do personagem de Jet Li consigo mesmo, entre a soberba e a humildade, criando uma fábula sobre como adquirir sabedoria e não vontade de dominação a partir dos ensinamentos das artes marciais? Ou seria o embate entre uma tradição de entretenimento longeva no cinema chinês (Hong Kong e Taiwan incluídos) e a necessidade de exportação para o ocidente que vem conferir ao projeto mudanças significativas? Na verdade, há todos esses embates em andamento em O Mestre das Armas, alguns mais bem resolvidos do que outros, mas o verdadeiro duelo aqui traçado é entre uma mise-en-scène de ação, assinada magistralmente por Yuen Woo-Ping, e a pesadíssima e lacrimejante narrativa das cenas sem ação, realizadas por um Ronny Yu destituído de maior brilho.

Entre elas, Jet Li saculeja com seu carisma e sua grande aptidão de ator físico, realmente versado nos movimentos que faz, e que a câmera acompanha com eficiência e monta no mesmo movimento. Como se ainda precisasse dizer, ele é o centro do filme, sua razão de ser – trata-se claramente do que chamamos de "veículo" –, e o filme funciona muito bem quando se propõe a isso: embasbacante seqüência inicial, charmosíssimas seqüências de luta ao longo do filme, emocionante (apesar de previsível) cena final. Só que, entremeando tudo isso, existe um espaço inteiramente aberto ao populismo sentimental de um drama canhestramente orquestrado, que, passando da humilhação ao poder supremo, revê seus passos em busca de uma humildade bem aprendida.

O corpo de um personagem de artes marciais é viscoso, não permite que se colem muitas significações em cima dele sem que se perca algo de sua mobilidade. Indiferente a isso, Ronny Yu vai pesando, pesando, pesando, com seus planos chamativos, com a música melosa (assinada pelo mesmo Shigeru Umebayashi que assina o belo tema de Yumeji, de Suzuki, usado à exaustão por Wong Kar-wai), com seu cromatismo de cartão postal nacionalista. Há ao menos uma boa intriga, capitaneada pelo fiel companheiro de Jet Li, que representa desde criança sua serenidade e a eterna amizade. Mas há algo em Ronny Yu que recusa a sutileza, que chama as soluções fáceis e o tom grandiloqüente. Assim, toda a seqüência de vendeta entre famílias é filmada a patadas de elefante, o idílio nos campos de arroz tem uma poesia por demais primária, e assim por diante. Seria covardia dizer aqui que Jet Li antes havia sido Wong Fei-Hung na mão de um verdadeiro cineasta de movimentos, Tsui Hark, e que infelizmente o último – e genial – filme de Tsui Hark, Sete Espadas, foi direto para dvd. Vamos, então, dar uma chance a Ronny Yu e dizer que a versão exibida no Brasil (que é, aparentemente, a mesma exibida em todo o ocidente) não é a original, que a versão de Hong Kong tem quase 40 minutos a mais. Não melhora a cafonice de certas imagens que vemos, mas pelo menos ajuda a colocar alguma coisa em relevo. Tomara que não tenham cortado muita coisa da ação.

Ruy Gardnier