UMA VISITA AO LOUVRE
Danièle Huillet e Jean-Marie Straub, Une Visite au Louvre, França/Alemanha/Itália, 2004

Em Uma Visita ao Louvre, Straub e Huillet – os raios ultravioleta do cinema moderno, segundo Pascal Bonitzer (Godard seria o infravermelho) – continuam tencionando o cinema em suas camadas geológicas mais profundas, mais antigas. Através do que Bonitzer designou como “efeito de sobrecultura”, eles refazem a “correnteza” do cinema retomando o que este havia recalcado (teatro, ópera, pintura...). Nos últimos anos, a matriz principal vem sendo a riquíssima obra literária de Elio Vittorini – mas a verdade é que um filme como Gente da Sicília deve a Vittorini tanto quanto deve a Cézanne. Uma Visita ao Louvre é, portanto, menos um intervalo do que a parte integrante de um processo ininterrupto. Quase todo o filme consiste em quadros de grandes pintores, pertencentes ao acervo do Louvre, filmados em tomadas fixas, imóveis. Há também um plano descritivo da fachada do museu no início, um plano de uma árvore com suas folhas balançando ao vento no meio e o plano final, uma lenta e longa panorâmica em meio ao verde de uma floresta. E há as telas pretas, em pequeno número, porém profundamente perturbadoras. Percorrendo todas as imagens, uma voz off feminina, serena e perplexa ao mesmo tempo, alternando a calmaria da contemplação solicitada pelos quadros à tempestade da visão que percebe o traço, o pensamento, a vida do pintor sendo posta em obra. Essa voz feminina “representa” Cézanne.

Sabemos que Straub e Huillet dotam o cinema de um efeito Moebius: as pistas de imagem e de som se dobram uma sobre a outra, sem aquisição de recursos retóricos, e sem achatamento mútuo. Uma Visita ao Louvre leva esse efeito ao limite, estruturando-se não em cenas ou em temas, mas em blocos de imagem-som. Uma tela pintada à nossa frente, enquadrada de forma extremamente simples, e no som apenas a “trilha de comentários” sobre o que estamos vendo: assim é o filme. E não se trata de fechar o campo visual do cinema, de submetê-lo ou de confrontá-lo ao espaço da pintura. Tampouco de fetichizar essas telas dentro da tela, esses não-planos dos quais a voz em off nos convence da sedução. O que acontece é antes uma abertura do espaço cinematográfico ao infinito: liberto da necessidade de mostrar o movimento, é o próprio quadro (cinematográfico, mas também pictórico) que assume mobilidade, uma estranha potência de auto-decomposição. Os quadros se esmigalham na nossa frente, enquanto o cinema, a imagem-som ligada em bloco, restitui a unidade das pinturas. A voz off analisa, investiga os quadros, mas não assistimos a uma operação de desconstrução. Os planos do filme instauram uma atividade no quadro pictórico, uma atividade que se traduz na obra se refazendo diante de nós, o próprio processo, a própria pincelada se re-atualizando (o oposto absoluto da desconstrução). Nos melhores momentos de Uma Visita ao Louvre, somos tomados pelo êxtase e pelo suspense da narração, que conduz uma busca incessante ao visível e ao invisível das obras filmadas. Uma tentativa de sentir as cores e também de entender o contexto (histórico, religioso, artístico, econômico) em que este ou aquele signo se materializou – em última análise, uma busca pelo fora-de-campo das obras.

A secura e a frontalidade reinam no filme como princípio de enquadramento e composição. Nada de pontos de vista oblíquos: não existe necessidade de introduzir o sentimento de movimento e a noção de tempo; estes são dados concretos. Fugindo da expressividade fácil, Straub e Huillet põem o olho do espectador em trabalho, em ação: um olho crítico que precisa “decupar” a imagem por meio de seu investimento intelectual. Cada plano do filme é um sobrequadro (o plano do pintor e o plano do cineasta), é um encontro, ou o relato de um encontro. O filme acaba sendo uma forma de estetizar a duração, de desfazer a medida do tempo para torná-lo matéria comparável à tela e à tinta do pintor (se isso é tarefa do cinema como um todo? de uma só vez: não), e de nos convencer de que aqueles quadros pendurados nas paredes do Louvre estão vivos. Nem assombrações nem fantasmas nem alucinações: vivos.


Luiz Carlos Oliveira Jr.