O SUSSURRO DOS DEUSES
Tatsushi Omori, Germanium no yoru, Japão, 2006

A narrativa desarticulada e episódica de O Sussurro dos Deuses, ambientada num monastério católico no interior do Japão, busca no clima gelado, repleto de neve, seu tom predominante. A distância lacônica com que descreve os acontecimentos que envolvem os personagens traduz uma tentativa racionalista e vazia de questionar os preceitos do catolicismo. Esta tentativa ancora-se na descontextualização completa que paira sobre os eventos do filme. O monastério-escola, do qual vemos apenas um setor de trabalhos rurais, não mantém qualquer relação com o mundo que o circunda, nem constitui-se num microcosmo próprio. O espaço parece não ultrapassar os limites da imagem, sobrevindo tão somente como uma paisagem, um cenário morto que figura ao fundo. Ainda que conheçamos diversas partes desse universo fechado que o diretor procura explorar – o curral dos porcos, o aviário, o galpão no qual se prepara a lavagem, o vestiário, a igreja, salas internas, dormitórios, etc. –, elas em nenhum momento ganham alguma vida, ou alguma conexão espaço-temporal capaz de construir um mundo.

O isolamento é, portanto, a grande tônica de O Sussurro dos Deuses. Contudo, não é através da exploração dramática de um efeito de isolamento, sugerida pelo distanciamento emocional e geográfico próprio a um monastério, que esta tônica se instala, mas pelo esvaziamento completo de qualquer envolvimento ou criação de contexto. O estranhamento advindo da "naturalização" pela mise-en-scène de acontecimentos grotescos, longe de provocar qualquer impacto emocional, cauteriza a narrativa pela gratuidade. Qualquer questionamento à validade do catolicismo como conceito (ou a suas práticas e rigidez), que pudesse estar na motivação desta proposição que contrapõe a placidez dos religiosos a uma radicalidade do sexo e da violência, esvazia-se por completo na medida em que da religião, de fato, há apenas os signos.

Se Rou, adolescente perturbado, deveria ser o "elemento desviante", por um lado, e, por outro, aquele que concentraria de forma manifesta os males dispersos naquela comunidade (a pervertê-la de dentro), pela ausência de qualquer trabalho psicológico ou emotivo, termina por ser apenas um sintoma mais pronunciado de uma "falência" generalizada. Há um aspecto de desolação que contamina O Sussurro dos Deuses, marcado por uma estranheza com as leis da religião católica, que ganha ares de absurdo patético e sem lógica – ampliados por sua própria presença insuspeita no interior do Japão. Mas a partir do momento em que não há conflitos morais, problemáticas que orientem o enredo, ou qualquer disposição dramática mais pronunciada, perguntamo-nos qual seria, pois, o objetivo da "exposição" desta realidade presente no filme. A perversão do sexo "desviante" (escatologia, zoofilia, sado-masoquismo), que corrompe a todos – embora encontre expiação em Rou – e macula a comunidade religiosa, não possui motivação aparente e a agressividade, a pureza, e outras características são dados naturalizados observados com indiferença.

Seria o "rebaixamento" dos personagens a uma irracionalidade quase animal, uma tentativa de questionar a cartilha de práticas católicas em favor de um primitivismo humano pré-civilizatório, de uma religião mais próxima da natureza (e, por conseguinte, de Deus)? O sussurro que Rou escuta em seu radinho improvisado, ruído indefinido provocado pela física, que ele toma como a voz de Deus, estaria, então, orientando-o a este comportamento instintivo e brutal, contrariando os castelos erguidos por anos, anos e anos de leis e regras religiosas. "Não há cheiro do bem ou do mal". A afirmação do personagem ao final do filme coloca-o ao lado de uma natureza "selvagem", isenta de julgamentos morais. O homem seria, logo, este animal livrado à natureza e entregue a um mistério divino difuso, que ignora os templos e instituições e abraça tudo o que instinto, eliminando a razão e os julgamentos dela advindos. Cabe questionar, enfim, o propósito de uma tal construção sem afecção, incerta em seus objetivos e princípios, que parece buscar apenas o choque com o prazer do desgosto, do inesperado, do radical e do repugnante.


Tatiana Monassa