A
narrativa desarticulada e episódica de O Sussurro
dos Deuses, ambientada num monastério católico
no interior do Japão, busca no clima gelado,
repleto de neve, seu tom predominante. A distância
lacônica com que descreve os acontecimentos que
envolvem os personagens traduz uma tentativa racionalista
e vazia de questionar os preceitos do catolicismo. Esta
tentativa ancora-se na descontextualização
completa que paira sobre os eventos do filme. O monastério-escola,
do qual vemos apenas um setor de trabalhos rurais, não
mantém qualquer relação com o mundo
que o circunda, nem constitui-se num microcosmo próprio.
O espaço parece não ultrapassar os limites
da imagem, sobrevindo tão somente como uma paisagem,
um cenário morto que figura ao fundo. Ainda que
conheçamos diversas partes desse universo fechado
que o diretor procura explorar – o curral dos porcos,
o aviário, o galpão no qual se prepara
a lavagem, o vestiário, a igreja, salas internas,
dormitórios, etc. –, elas em nenhum momento ganham
alguma vida, ou alguma conexão espaço-temporal
capaz de construir um mundo.
O isolamento é, portanto, a grande tônica
de O Sussurro dos Deuses. Contudo, não
é através da exploração
dramática de um efeito de isolamento, sugerida
pelo distanciamento emocional e geográfico próprio
a um monastério, que esta tônica se instala,
mas pelo esvaziamento completo de qualquer envolvimento
ou criação de contexto. O estranhamento
advindo da "naturalização" pela
mise-en-scène de acontecimentos grotescos,
longe de provocar qualquer impacto emocional, cauteriza
a narrativa pela gratuidade. Qualquer questionamento
à validade do catolicismo como conceito (ou a
suas práticas e rigidez), que pudesse estar na
motivação desta proposição
que contrapõe a placidez dos religiosos a uma
radicalidade do sexo e da violência, esvazia-se
por completo na medida em que da religião, de
fato, há apenas os signos.
Se Rou, adolescente perturbado, deveria ser o "elemento
desviante", por um lado, e, por outro, aquele que
concentraria de forma manifesta os males dispersos naquela
comunidade (a pervertê-la de dentro), pela ausência
de qualquer trabalho psicológico ou emotivo,
termina por ser apenas um sintoma mais pronunciado de
uma "falência" generalizada. Há
um aspecto de desolação que contamina
O Sussurro dos Deuses, marcado por uma estranheza
com as leis da religião católica, que
ganha ares de absurdo patético e sem lógica
– ampliados por sua própria presença insuspeita
no interior do Japão. Mas a partir do momento
em que não há conflitos morais, problemáticas
que orientem o enredo, ou qualquer disposição
dramática mais pronunciada, perguntamo-nos qual
seria, pois, o objetivo da "exposição"
desta realidade presente no filme. A perversão
do sexo "desviante" (escatologia, zoofilia,
sado-masoquismo), que corrompe a todos – embora encontre
expiação em Rou – e macula a comunidade
religiosa, não possui motivação
aparente e a agressividade, a pureza, e outras características
são dados naturalizados observados com indiferença.
Seria o "rebaixamento" dos personagens a uma
irracionalidade quase animal, uma tentativa de questionar
a cartilha de práticas católicas em favor
de um primitivismo humano pré-civilizatório,
de uma religião mais próxima da natureza
(e, por conseguinte, de Deus)? O sussurro que Rou escuta
em seu radinho improvisado, ruído indefinido
provocado pela física, que ele toma como a voz
de Deus, estaria, então, orientando-o a este
comportamento instintivo e brutal, contrariando os castelos
erguidos por anos, anos e anos de leis e regras religiosas.
"Não há cheiro do bem ou do mal".
A afirmação do personagem ao final do
filme coloca-o ao lado de uma natureza "selvagem",
isenta de julgamentos morais. O homem seria, logo, este
animal livrado à natureza e entregue a um mistério
divino difuso, que ignora os templos e instituições
e abraça tudo o que instinto, eliminando a razão
e os julgamentos dela advindos. Cabe questionar, enfim,
o propósito de uma tal construção
sem afecção, incerta em seus objetivos
e princípios, que parece buscar apenas o choque
com o prazer do desgosto, do inesperado, do radical
e do repugnante.
Tatiana Monassa
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