HOLLYWOODLAND – bastidores da fama
Allen Coulter, Hollywoodland, EUA, 2006

As origens televisivas são a primeira questão nesta estréia de Allen Coulter nos cinemas. O cineasta que ganhou a vida dirigindo Os Sopranos traz para dentro de Hollywoodland algumas das características mais claras da televisão americana hoje. Época da crise das comédias e de uma valorização dos suspenses, é natural que alguém vindo de uma das séries que fizeram nascer este período da TV americana migrasse para o cinema. O que interessa aqui é como ele faz essa passagem, especialmente o modo como traz a montagem paralela para o cinema. Uma ferramenta comum nos dramas televisivos mas que resulta em diversos equívocos no cinema, Coulter faz deste meio o conceito de seu filme. Ele racha sua narrativa em dois pólos, o antes e o depois da morte por suposto suicídio de George Reeves, o primeiro Superman da TV. Paralelamente vemos Reeves em seu percurso que passa pela breve fama e um caso por muitos anos com a mulher de um dos chefes da MGM, e as investigações de Louis Simo, um detetive particular com a vida pessoal em cacos que tenta desfazer as amarras da estranha morte do ator.

Se o método funciona inicialmente enquanto o filme estabelece aos poucos estes dois mundos, especialmente pela habilidade de Coulter em montar, sem firulas e encadeando tudo de forma bem direta, ele não demora a mostrar suas ineficiências. Pois, se a montagem é bem executada do ponto de vista técnico por cineasta e montador, e mesmo enquanto estrutura narrativa, ela não funciona em favor do filme por lhe criar um choque evidente entre duas partes distintas. Pois o pólo que acompanha George Reeves tem um interesse mínimo, mesmo porque se define rapidamente, com o caso de Reeves e Toni Mannix, e a partir daí passa a girar em falso. O pouco de interessante que ocorre a partir de então envolve alguns detalhes de reconstrução da Hollywood de outrora, mas isso não são mais que enfeites para dar algum charme. A partir deste ponto a única função da narrativa de Reeves passa a ser aguardar quando poderemos ter alguma pista que realmente possa influenciar o curso da investigação. A montagem se torna um problema, já que cria um circuito onde uma funciona em municiar a outra, e não há muito o que mostrar. Também pela incompetência completa do texto, incapaz de criar algum interesse que não seja o de aguardar a crise e eventual morte de Reeves. O que segura este pólo da narrativa da mediocridade é o esforço de Ben Affleck em incorporar essa figura quase tosca, além do paradoxo de estar interpretando um ator sem talento, que muitos atribuem como o fato ‘corajoso' que teria feito Veneza premiá-lo. Affleck sempre soube interpretar personagens bundões, e como o filme não faz do talento de Reeves uma questão, isso se torna irrelevante.

Mas é na construção da narrativa de investigação que o filme se encontra, mesmo sem apresentar qualquer tipo de novidade ao gênero. Coulter tem talento para construir suspense, trabalhar com poucos planos de forma eficiente, utilizar-se da luz (a ausência dela no caso) para criar o mistério. Adrien Brody dá um tanto de credibilidade ao filme, carregando-o nas costas em diversos momentos. Seu personagem é uma figura destruída, flerta diretamente com os clássicos heróis noir, sendo abandonado por todas as suas mulheres, expulso da agência onde trabalhava, trapaceando clientes. Seu percurso no filme vai ser de certa forma o do processo pelo qual passa, partindo já do fundo do poço, mas colocando todas as fichas no caso como aquilo que lhe reergueria como pessoa. Com um caso insolúvel em mãos, só lhe resta afundar, indo aos poucos perdendo por completo a segurança que tinha no princípio. As cenas de Brody com seu filho são talvez os pontos altos do filme, os momentos em que o personagem mais se expõe para fora do casco que cria em torno de sua personalidade. E há aquilo que Coulter mais bem trabalha no filme, como fechá-lo. Pois num filme que gira em torno da investigação de um crime, espera-se que ele se resolva de alguma forma, e o cineasta não tem esta opção aqui visto que trata-se de um caso real não resolvido. Já completamente perdido, o personagem de Brody revisita imagens da família e parece finalmente admitir que talvez o suicídio de Reeves não seja uma teoria tão inaceitável. É assim, com um corpo diante do breu, sem solução, que Coulter põe fim a seu filme. São estes momentos especiais que fazem da irregularidade do filme um detalhe
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Guilherme Martins