HALF NELSON
Ryan Fleck, EUA, 2006

Creditado como uma co-autoria entre o diretor Ryan Fleck e sua co-roteirista e produtora Anna Boden, seria um tanto justo que a este “a film by” comunitário se juntasse o nome de Ryan Gosling, que dá face e alma ao filme. Numa atuação absolutamente física, filmada muitas vezes com a câmera colada ao seu corpo, Gosling é o guia para esta jornada ambígua que Fleck e Boden pretendem mostrar. É verdade que se trata de um filme de dois pólos, onde Gosling, um professor de história numa escola pública que tem as suas horas vagas regadas pelas mais variadas drogas, é oposto a Drey, sua aluna cuja maturidade permite freqüentar os ambientes menos prováveis com imensa sobriedade. O trabalho de Shareeka Epps como Drey é bastante eficiente, mas talvez pelo funcionamento de sua personagem, que possui um caminho mais tranqüilo dentro do filme, ela não consegue ter o mesmo impacto de Gosling.

Filmado em 16mm, o filme é inteiramente feito com a câmera na mão. A capacidade de Fleck de conseguir fazer uso deste formato é algo raro, sem transformar em nenhum momento a câmera na mão numa virtuose tremida. A fotografia é cheia de pequenos detalhes, mudanças focais, com as cores trabalhadas geralmente num tom desbotado, e a presença constante do grão na imagem. A forma como consegue equilibrar todos estes cacoetes formais é realmente interessante, a mostra de um olhar talentoso que está em constante busca pelo melhor modo de se aproximar de seus personagens. Ele também não abusa da câmera colada aos atores, utilizando-a apenas em alguns momentos, a grande maioria deles em torno do personagem de Gosling.

Half Nelson é também um filme de forte teor político, especialmente no trato com seus personagens. Se Dan (Gosling) é um professor de carisma e talento inegável no tato com os jovens, mas possui uma vida pessoal complicada e tortuosa, ele está longe de ser o único personagem cuja vida possui um estranho equilíbrio. Por exemplo, não há maldade no traficante interpretado por Anthony Mackie, um grande amigo do irmão de Drey, que está preso (muito provavelmente pelos negócios com Mackie). Ele genuinamente tenta se aproximar dela, que com um pai sumido e uma mãe ausente pelo trabalho, vive solitária demais. Vai ao seu jogo de basquete na escola – ressaltando a importância de que alguém a represente –, protege-a nas ruas, lhe dá abrigo nas tardes. Até mesmo quando Drey a ajuda com seus negócios escusos, isso não significa que ele esteja abusando dela, justamente pela postura de ambos os personagens: Drey, madura demais pra ser coagida numa exploração; Mackie, um carinho grande demais pela personagem para colocá-la em perigo contra sua vontade. O filme constantemente aponta para um caminho perigoso, mas o cineasta sabe o ponto exato de cortar e se recuperar. É um filme irregular em certa medida, mas bastante consciente daquilo que pretende.

Sobram ainda alguns simbolismos com os quais o filme não lida tão bem. Por vezes são interessantes, mas parecem sempre se aproximar do simplório demais. O mais explicito deles é o band-aid que Gosling usa após levar um soco em seu lábio, no momento em que seu personagem está mergulhando no fundo do poço. O band-aid carrega a imagem da bandeira americana, um simbolismo até compreensível, mas que de tão bobo e desnecessário perde qualquer interesse do ponto de vista político. As crianças recitando momentos da história americana possuem bem mais força, mesmo que por vezes soem questionáveis. A cena que mais funciona destas seqüências é aquela em que, após recitar uma destas situações – sempre acompanhadas por imagens de arquivo do evento –, uma menina vira para o professor e questiona: “isso realmente aconteceu?”.

O que talvez falte a Fleck (e Boden, como querem) é a percepção de o que há de mais forte do ponto de vista político no filme, e que isto não se encontra nestas alegorias mais diretas. Não é na sensibilidade que reside o talento do filme e de seus autores, cuja câmera possui um aspecto físico bem mais forte. A força do filme por este ponto de vista está na forma como conduz e mostra estes personagens, suas relações entre si, independente de qualquer ação insensata que venham cometer. É isso que dá a estes personagens uma imagem imensamente crível, e por isso mesmo garante ao filme um teor intensamente político. São sujeitos imperfeitos antes de qualquer outra coisa, e que tem na sua capacidade de seguir em frente, com suas crenças e erros, um otimismo voraz e raro. É a estas figuras que Fleck precisa encontrar como mostrar, com sua câmera flexível, sua imagem granulada, sua constante procura. Bastava não se perder em algumas destas anedotas fáceis e Half Nelson seria um filme brilhante.


Guilherme Martins