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Quarta-feira, 1º de novembro de 2006
Ontem foi dia de escrever texto sobre o melhor filme da Mostra para mim: Síndromes e um Século. O melhor filme que vi em 2006, para dizer a verdade, ao lado de Juventude em Marcha de Pedro Costa. Duas estéticas igualmente deslumbrantes, dois sentimentos de estrangeirismo perante uma obra. Em Pedro Costa uma relação mais pesada com o tempo, uma dureza do espaço, uma desafiadora reinvenção das formas geométricas. Em Joe uma leveza total, uma volatização do espaço. Em ambos uma colocação dos corpos no espaço de modo tal que eles parecem simultaneamente vegetar o plano, como plantas ou estátuas, transbordar de vida e, por contraditório que possa ser, de uma hora para outra serem transformados pela luz do filme em fantasmas. Para pôr fim as comparações: dois belíssimos estudos de espaço, dois brancos estourados (no hospital em Síndromes e no prédio popular em Juventude) que cegam e fazem siderar. Mas essa dupla de filmes foi atração de segunda (quer dizer, eu não revi Juventude em Marcha, visto duas vezes no Rio, mas o simples fato de um filme ter sido exibido no mesmo dia logo após o outro, e de alguns amigos terem embarcado nessa aventura que deve ter sido inesquecível, já me obrigou às comparações acima). Vamos falar de ontem: vi o filme do Jia Zhang-ke. Não o Still Life, que novamente lotou, e novamente foi projetado toscamente, pelo que sei. Falo de Dong. Belo filme, com momentos impressionantes. Jia documentando não é tão diferente de Jia ficcionalizando: planos compostos com precisão, movimentos de câmera complexos em meio a situações ainda mais complexas (o enterro do pedreiro morto, por exemplo). O pintor se constrói como personagem ao mesmo tempo em que seu processo de trabalho se descortina frente à câmera. E o espaço, e as pessoas que ele pinta, tudo se mostra com um frescor absoluto. Um filme meio cru, como se fosse uma pintura com a tinta ainda fresca. A projeção? Janela errada, imagem ligeiramente deformada, definição ridícula. Ah se o Jia souber o que estão fazendo com os filmes dele por aqui...
E no diário de segunda eu falava de dar uma chance a um cineasta não tão querido. Pois bem: gostei de O Sol, de Aleksandr Sokurov. De algumas cenas em particular, gostei fortemente. O filme em que ele melhor agrupou suas propostas com a História e com a Imagem (duas questões maiúsculas em seu cinema). E encerro esta página do diário por aqui, aliás, porque preciso escrever sobre O Sol. (LCOJr.)
Terça-feira, 31 de outubro de 2006
Black Dice e The Bad Plus quebraram tudo, Caetano Veloso tocou seu disco novo inteiro e emendou bis com "You Don't Know Me", "Como 2 e 2" e "Nine Out of Ten" (salivaram, hein?), e nos outros palcos todos saíam deslumbrados com Ahmad Jamal, Herbie Hancock, DJ Shadow e Beastie Boys. Melhor dia disparado do Tim, e a prova viva de que não é pelo numero de Yeah que se tem atitude e música nas veias. Dava dó de não ter o dom da ubiqüidade para estar nos três espaços ao mesmo tempo. E Black Dice, quem entendeu, entendeu. Quem não, moscou. Sibéria neles. Alô Jairo. Primeiro filme da volta: O Livro Multicolorido de Karnak ao meio-dia e meia? Alô Paolo. Tentamos, mas não conseguimos. Fica pra próxima. Uma da tarde na rodoviária (é, a Itapemirim não é lá muito rápida), passar na adorável casa de Keu Maria, Marina e Maria Clara (os alôs chegam na Espanha?) para reaver credencial e ingressos, além de dar um oi em Júnior e Leo, e fazer atualizações dessa revista, colocando o parágrafo do diário de ontem. Apesar dos testemunhos em contrário, dei um alô para os bebês da casa, que se engalfinhavam e estavam a descobrir que não conseguem subir pelas paredes. Ainda. Vai saber. Primeiro filme do dia acabou sendo Leonard Cohen – I'm Your Man, filme que só vale pelos depoimentos de LC e por algumas das apresentações, com destaque para Antony (sem os Johnsons) e Nick Cave. O resto das opções expressivas é sofrível, e tem horas que a gente acha que o filme é sobre a visão que os mequetrefes do U2 têm de Leonard Cohen, e não sobre o próprio. Vários frufrus e perfumaria de mau gosto. Expedito, visto em seguida, também se articula muito mal como documentário. Quem não acompanhou nos jornais a história de Expedito Ribeiro de Souza, sindicalista morto a mando de latifundiários truculentos (oops, redundância?), viu a primeira metade do filme crendo que se tratava de um documentário sobre um poeta popular e nada além disso. Musiquinha genérica, opções narrativas questionáveis – por que enfatizar por tanto tempo o périplo da família até o Pará? –, repetições de choros e dos dados utilizados para a caracterização de Expedito. Dá a sensação que havia um belo filme por fazer, perdido no meio de tão pouca confiança no cinema para criar um mundo que vá além das informações dos depoimentos. Dia Noite Dia Noite tenta dar uma urgência dardenniana à intriga de uma menina-bomba, mas é incrivelmente insuficiente em seus esforços para entrar na mente de sua protagonista e acaba psicologizante na pior acepção do termo. Electroma? BUUUM. Bomba do festival. Ganha um prêmio a pessoa que me disser um efeito que ultrapasse o óbvio. Quem salva o dia, como era de se esperar, é Apichatpong Weerasethakul, esse sim um sujeito que nos entrega imagens evocativas, bárbaras, mais uma vez desfolhando as infinitas possibilidades de fazer uma história brotar dali de onde ela parecia impossível. Um filme sobre um hospital. E muito mais. Planos para ficar guardados, revolvendo em nossa mente e em nossos corações. Um gênio, mas quem ainda não sabia disso? Por favor, preciso urgentemente ver Síndromes e um Século de novo. Repescagem? (RG)
Segunda-feira, 30 de outubro de 2006
A Mostra começou um pouco mais tarde para mim, pois só pude chegar a São Paulo no sábado. Por sorte, a programação acabou sendo generosa, e, à exceção de Mary do Ferrara, todos os outros filmes que eu julgava imperdíveis passam nesta segunda semana. Exemplos: Belle Toujours, do Oliveira, e Síndromes e um Século, do Apichatpong Weerasethakul, vistos respectivamente sábado e domingo. Sobre Belle Toujours, sinceramente acho um dos melhores filmes que o Oliveira fez nos últimos anos. É a intriga enigmática de O Princípio da Incerteza misturada com o desejo de captar puros fenômenos luminosos de O Pintor e a Cidade, por mais que sejam filmes distantes na filmografia de Oliveira e aparentemente tão distintos em termos e proposições estéticas. Depois do filme, vi também o documentário-pérola em que o diretor e sua co-roteirista de longa data, Agustina Bessa-Luís, conversam sobre tudo. Agustina, aliás, é uma das figuras mais carismáticas que vejo no cinema em muito tempo. Ontem, após “apelar” e trocar o filme argentino Pura Sangre por Pintar ou Fazer Amor, belo filme dos irmãos Larrieu já em cartaz aqui em SP, foi a vez de assistir ao novo trabalho do nosso querido Joe. Quem pensou que, porque havia visto seus três longas anteriores, já conhecia algo do cineasta, já podia antever alguns de seus movimentos, enganou-se feio: Síndromes e um Século abusa do direito de impressionar por sua total ausência de previsibilidade. Um filme ao mesmo tempo mais doce e mais misterioso que os anteriores. A “quebra” em duas partes, desta vez, possui um trabalho mais fino com a variação de espaço, propõe relações mais difíceis. À pergunta “O que fazer hoje?”, o filme de Joe já tinha respondido ontem, assim que terminaram os créditos: rever Síndromes e um Século às 18:10. Antes disso, conferir o último filme de um cineasta bem menos querido, mas que ainda merece atenção: O Sol, de Sokurov. (LCOJr.)
Domingo, 29 de outubro de 2006
Hoje é meu último dia no Rio, Black Dice
na cabeça, Caetano de Brinde, "Quedate luna"
de lembrança como primeira música do show
de Devendra Banhart, "Quedate Lula" como gesto
em prol da democracia brasileira nas urnas. Mas acabou
a encheção de lingüiça e não
tenho mais comentários de filmes, de livros,
de nada mais relativo à Mostra para fazer. Seria
um dia vazio caso não tivesse havido na Mostra
um acontecimento lamentável, abaixo relatado
por Rodrigo de Oliveira. É impressionante o descuido
e o pouco caso com o espectador. Segue o protesto:
Quando ouvíamos falar de “problemas de projeção” na
Mostra desse ano, nada nos preparava para o absurdo
da sessão de ontem à noite do aguardadíssimo Still
Life, de Jia Zhangke. Não um “problema”. Simplesmente
não houve projeção, ou pelo menos não dentro daquilo
que entendemos por isso. Começa o filme, exibição digital
em janela 4x3 (1:1,33). Nada tão estranho, já que tínhamos
notícia que o filme fora captado nessa mídia, e que
a janela quadrada podia mesmo ser uma opção. Mas os
personagens espremidos na tela provam que a janela de
exibição está errada. Só depois de 40
minutos sim, 40 minutos – a tela é colocada em
seu formato real, no digital 16x9. E se só fosse um
problema de formato, ainda estaríamos bem. As conversas
com os amigos no fim da sessão foram unânimes em apontar
esta como a pior projeção em digital já vista por todos
ali. Linhas horizontais aparentes, pixelização, falta
de foco, problemas de sincronização do som, falta de
contraste, como se fosse uma cópia ruim baixada da Internet.
Um desastre absoluto, crime que torna a experiência
de Still Life um confronto permanente entre o
que o filme deveria ser por debaixo daquela plástica
horrorosa e o que de fato a projeção nos oferece (ou
deixa de oferecer). Muitos não conseguem entrar no filme
por causa disso, muitos desmarcam as próximas revisões
já programadas (e compradas), muitos sentem que ainda
não podem dar como visto o filme de Jia Zhangke. Porque
não o vimos, definitivamente. O amigo Cléber Eduardo,
no fim da sessão, sobe à cabine e pergunta ao projecionista
em que mídia havia sido exibido Still Life, e
então a confirmação: a cópia está sendo exibida a partir
de uma fitinha DV-Cam. As implicações deste crime
cometido pela organização da Mostra são inúmeras. Sem
aviso nenhum que a projeção seria digital, nem muito
menos que seria exibida a partir de uma mídia primária,
e sem vontade de dar muitas explicações ao público que
pagou ingresso integral para assistir uma projeção de
nível colegial, a Mostra confirma e abusa do descuido
percebido já em outras sessões. O pior é que, no meio
disso, perde-se uma coisa valiosíssima: a sensação da
primeira exibição de um filme de Jia Zhangke, comentadas
sempre entre os amigos (ontem mesmo conversávamos longamente
sobre essa sensação, ao ver O Mundo pela primeira
vez, e como isso foi o bastante para estabelecer o filme
em nossas memórias permanentemente). Havia um grande
filme ali por trás, que a Mostra não nos deixou experimentar,
eventualmente até incompatibilizando nossas afetividades
em relação ao que foi visto. E assim, Still Life,
aquele pensado pelo diretor, aquele vencedor de Veneza,
aquele até já comprado por uma distribuidora brasileira
(que, a partir de agora, já nos coloca em dúvida sobre
que tipo de cópia exibirão), bem, Still Life segue
inédito por aqui. (Rodrigo de Oliveira)
Sábado, 28 de outubro de 2006
Leituras, leituras, leituras. No lounge da Mostra
que tiveram a má idéia de transportar
para um lugar que, por não ser de passagem, não
vai ninguém a não ser convidados, amigos,
parentes ou raros interessados , tem duas bancas
de editoras, uma da Cosac & Naify e outra da Imprensa
Oficial. Como os da C&N é preciso reestruturar
a economia familiar para adquirir, me contentei em fazer
a festa com alguns livros da coleção Aplauso,
que custam a mísera quantia de R$9 (é,
isso mesmo, nove merréis) e oferecem roteiros
cinematográficos, biografias de atores e diretores
brasileiros, coletâneas de críticas cinematográficas
e teatrais, etc. Eu já vinha procurando um livro
especificamente, Críticas de Invenção,
compilação feita por Alessandro Gamo do
período em que Jairo Ferreira ocupou a coluna
de cinema do São Paulo Shimbun, jornal da colônia
japonesa da cidade de garoa. Resultado: vício
completo, já estou quase no final, e é
impossível não se contaminar por uma prosa
que parece brotar inteira de uma forma de vida, de uma
relação com cinema que rasga todas as
amarras mais convencionais da avaliação,
da imparcialidade, e faz do cinema uma continuação
da própria vida, uma espécie de contato
com outra instância de si mesmo, ora estimulante
os bons filmes, os filmes que aumentam a vibração
ora desgastantes os filmes sem criatividade,
os abacaxis chatíssimos e repetitivos. A coerência
é apenas com o mood em que se está:
assim, um delicioso texto malhando Duas ou Três
Coisas Que Eu Sei Dela, chamando o filme de filme
mais chato do mais chato dos cineastas. Mas o mais chato
dos cineastas também teve lançado naquele
ano 1970! Week-End à Francesa,
que caiu nas graças do guri/guru Jairo. Elogios
rasgados aos filmes dos amigos, com uma graça
e uma parcialidade elegante que faz muita falta nas
brodagens babaquaras de hoje em dia. Imaginamos o que
JF estaria assistindo hoje, que polêmicas estaria
criando, que filmes estaria incensando enquanto toda
a crítica moscaria, apalermada, ou que filmes
intocáveis desbancaria por sua caretice, chatice,
preguiça, redundância. OK, os tempos são
outros, Jairo Ferreira é um filho legítimo
do desbunde e do bode da passagem dos anos 60 para os
70, Gênio porraloca que sempre acreditou que tudo
comunicava, que a escrita era um modo de vida, com um
texto que fluía liberdade, gozo, impertinência
rebelde, petulância juvenil, carinho, alegria
de viver. Como Galvão nos Novos Baianos ou Torquato
Neto, que também tinha lá sua coluna jornalística.
Hoje é dia de Patti Smith. Acho que JF gostaria.
Então esse "Dia de Mostra" é
dedicado a ele. Aproveitando que do lado da minha cama
tenho a maior locadora do mundo, uma tal de mula eletrônica,
vi Lo sguardo in ascolto, documentário
de 45 minutos sobre Vittorio de Seta, que é homenageado
na Mostra. Força enorme das imagens nos clips
de seus filmes que passaram, sobretudo os curtas documentais
que, como os de Valerio Zurlini vistos há algumas
mostras atrás, funcionam acima de tudo pelo ritmo
e pela estrutura, pela composição e pela
atmosfera criada. Grande parte do filme é dedicada
a esses documentários e a Banditi a Orgosolo (1961), que é colocado pelo crítico/entrevistador
como pertencendo à primeira linha da renovação
do cinema italiano no período 59-62. Quais os
outros filmes do período que são mencionados?
Accatone, primeirão de Pasolini, A
Doce Vida de Fellini, A Aventura de Antonioni, Rocco e seus Irmãos de Visconti. Dá água na boca, não? Então, atenção,
pois Banditi a Orgosolo só passa mais
uma vez, na terça-feira, às 14:00 no Espaço
Unibanco 1. É o jeito. E olha que eu corri para
ver o filme na Sala UOL no primeiro dia da Mostra, mas
havia um atraso de hora e meia que acabaria com o meu
dia... (RG)
Sexta-feira, 27 de outubro de 2006
Ontem foi o primeiro dia de exibição pra
o público de Belle Toujours Sempre
Bela, de Manoel de Oliveira. Estou no Rio desde
ontem a trabalho e para ver os shows do Tim Festival,
mas vi o filme na cabine de imprensa e trata-se simplesmente
de uma obra-prima, de uma pequena jóia. Pequena
jóia não pela grandeza, que é colossal,
mas pela delicadeza com que constrói cada coisa,
sintético, preciso, com um requintado sabor da
curiosidade impertinente e dos doces prazeres da idade
avançada. Manoel de Oliveira é um desses
grandes gigantes cinematográficos, como Dreyer,
como Ozu, que encontraram a limpidez de uma forma que
agrega o mundo e não se fecha sobre si mesma.
Belle Toujours não é um exercício
de metacinema a partir do filme de Buñuel, apesar
de alguns momentos de homenagem. É mais uma incorporação,
uma apropriação que permite um novo arranjo.
Mas isso vamos deixar para o texto sobre o filme. Sexta-feira,
então, dia de férias? Nada disso. Aproveitar
para fazer sua Mostra particular. E na minha Mostra,
tem Hong Sang-Soo, o cineasta decisivo do cinema contemporâneo
que jamais foi exibido publicamente em película
no Brasil. Falamos sobre ele há exato um ano,
deplorando o fato de que nossos festivais internacionais
sempre fecharam os olhos para esse cinema extremamente
pessoal do melhor cineasta coreano da nova geração
(enquanto, claro, os péssimos filmes de Kim Ki-Duk
são exibidos até no circuito comercial).
Mulher na Praia, seu mais recente filme estreado
no último Festival de Toronto, é um novo
mergulho no universo de obsessões masculinas,
nos pequenos jogos de poder, nas situações
de amor não-correspondido e nas relações
de espelho que criam repetições ao mesmo
tempo ternas e hilárias. Temos aqui um cineasta
que sabe dosar com muita astúcia o drama sentimental
e a comédia que brota do inusitado das situações,
jogando o jogo das caricaturas e ao mesmo tempo criando
uma densidade na caracterização dos personagens
que é única no cinema contemporâneo.
Mais uma vez temos os personagens variando entre os
cenários da rua, do restaurante e dos quartos
de hotel, mas aqui os efeitos de dobra da narrativa
sobre si mesma se escalonam em pequenas micro-intrigas
ao invés de quebrar o filme em dois como
em Conto de Cinema, O Poder da Provícia
de Kangwon e A Virgem Desnudada por Seus Celibatários.
O pathos é trabalhado tanto no sentido
do ridículo das situações
como o triângulo desenhado pelo cineasta Kim que
produz uma imagem fixa de ciúme obsessivo não
muito longe daquela dos personagens buñuelianos
de El e Ensaio de um Crime quanto
na pungência que certos sentimentos evocam, humanos
demasiado humanos. Hong Sang-Soo gosta de montar seus
filmes como doces laboratórios do sentimento
humano, jogos de tabuleiro, teatrinhos de cartas marcadas,
mas é em todo caso uma relação
honesta, onde o ridículo e o sincero de cada
um são faces complementares da mesma moeda da
vida cotidiana. Truffaut com Imamura, Rohmer com Buñuel,
o cinema de Hong Sang-Soo sempre apresenta facetas novas
mesmo na repetição, e seduz tanto pela
riqueza de caracterização quanto pela
ligeireza da armação ficcional toda. Tomara
que algum iluminado perceba, mesmo tardiamente, a importância
dos filmes de Hong e o exiba o quanto antes no país.
Retrospectiva seria pedir muito? Em seguida, já
que é maratona, vemos A Promessa, de Chen
Kaige, filme estranho, barroco, desarranjado mas ligeiramente
sedutor em sua falta de jeito. Espalhafato total, falta
de ritmo, montagem desajeitada, falta de talento nas
cenas de ação, mas ao mesmo tempo um charme
kitsch das cores aberrantes, uma imponência
das cenas estáticas e até de vez em quando
alguns planos bem bonitos. Se em nenhum momento chega
a Tsui Hark muito longe disso, aliás ,
o filme ao menos tem uma certa loucura em sua forma
que permite uma fruição menos esquemática
e acadêmica do que as duas recentes incursões
de Zhang Yimou no wuxia pien. A Promessa,
então, é um bom filme, apesar do que falaram
todos aqueles que o viram no Festival do Rio? Não
chega a tanto, mas ao menos tem seu pequeno charme.
Mas agora é hora do cinema dar um passinho para
trás e ceder o lugar à música,
porque é o momento de nos deixarmos inebriar
por Devendra Banhart. Até amanhã. (RG)
Quinta-feira, 26 de outubro de 2006
Dia promissor, com filmes premiados, autores de renome,
recomendações fortes dos amigos e da imprensa
internacional mais interessante. E qual não é
a surpresa quando, dos quatro vistos no dia, nenhum
seduz inteiramente? Pior: quando as maiores expectativas
decepcionam? Foi a história do meu dia 25, ou
de como entrei num CineSesc lotado em cima da hora,
achei um lugar na segunda fila perto do centro (para
mim, um ótimo lugar) e esperei ser seduzido pelas
imagens de Fica Comigo, filme cingalês
de Eric Khoo que foi oitavo lugar na votação
2005 de melhores do ano dos Cahiers du Cinéma.
Não que o filme seja sem interesse, mas sua sensibilidade
é aquela mesma das pequenas coisas e uma certa
bizarrice formal apenas para dar o gostinho que fazem
a tônica do cinema independente americano mais
redundante e desinteressante. O que une as histórias
separadas do filme é um certo sentimentalismo
da solidão, da necessidade de encontrar alguém,
do amor impossível ou não-compreendido.
O filme alterna as intrigas de forma meio desajeitada,
desregulada, e na hora que decide unir apela para um
momento digno de um Kim Ki-Duk ou de um González
Iñárritu: um encontro de acasos que resulta
numa tragicômica conseqüência improvável.
O mutismo dos personagens e os silêncios forçados
representam hoje alguns dos tiques mais desagradáveis
do cinema de autor contemporâneo. Falando nisso,
o filme de Tsai Ming-liang, que vi no mesmo CineSesc
lotado, mesma segunda fileira à direita olhando
para a tela, perto da fileira central, teve um resultado
semelhante sobre mim. Com a diferença, naturalmente,
que Tsai é um verdadeiro mestre no que faz e
consegue fazer planos deslumbrantes, criando uma geometria
complexa dentro do plano, Mas admito que vejo tudo isso
com distância, quase com indiferença. Em
Eu Não Quero Dormir Sozinho, percebe-se
um cineasta um tanto assoberbado, dominado pelo próprio
perfeccionismo que desertifica cada vez mais seus filmes,
fazendo delas obras perfeitas em si, mas tão
fechadas sobre si mesmas e imponentes pela rigidez formal
instauradas que o pastiche de si mesmo bate à
porta. Dou a dica: as futuras gerações
terão tanta dificuldade de entender por que gostamos
(ou por que vocês gostam, tirem-me dessa!) de
Tsai Ming-liang quanto as novas gerações
dessa década não conseguem compreender
por que Peter Greenaway já foi incensado. A trajetória
é a mesma: alguém com um estilo claramente
diferenciado dos outros e um certo vigor aparece e começa
a adensar sua obra e depurá-la até o excesso
estéril, meta-acadêmico. Entre os dois,
vi Notícias do Lar/Notícias de Casa,
documentário de Amos Gitai que retoma uma mesma
casa já filmadahá vários anos e
tenta, como ele mesmo fala em voz off, adicionar
mais uma camada histórica e tentar refletir,
através das gerações que passaram
por esta casa, as tensões entre palestinos e
israelenses. Competente, bem pensado, friamente emotivo
(como tudo dele), mas não me toca o coração.
Por fim, meu preferido do dia, Honor de cavalleria,
filme catalão de Albert Serra. É longe
de ser o filme perfeito. Na verdade, enche o saco em
algums momentos. Mas vê-se nele um filme que busca
por sua forma, ao invés de tê-la encontrado
de antemão, procura na penumbra, no quase zero
de luz, na harmonia delicada da luz uma certa beleza
mas não depende só dela para repetidamente
produzir seus planos. Ademais, a idéia de dramatizar
as figuras de Dom Quixote e Sancho Pança como
figuras beckettianas é bem interessante, fazendo
o filme remeter a Gerry de Gus Van Sant e simultaneamente
ao cinema de Sokurov. Mas os planos de câmera
na mão, geralmente closes nos rostos dos protagonistas,
tornam a receita mais complexa e indefinível.
Honor de cavalleria é certamente um filme
imperfeito, ou em todo caso mais imperfeito que Eu
Não Quero Dormir Sozinho. Mas existe nele
uma vitalidade, uma indeterminação, um
sentimento de que não temos as regras todas prontas
desde o início de partida que me cativa e estimula
muito mais, sem a menor dúvida. (RG)
Quarta-feira, 25 de outubro de 2006
O leitor Júlio Gomes elogia a nossa cobertura
e pede para avisarmos também da qualidade das
cópias de filmes nas retrospectivas. Ele fala
de duas experiências traumáticas, uma com
Sob o Signo do Escorpião, dos irmãos
Taviani, e outra com O Padre e a Moça de Joaquim Pedro de Andrade. Bom, dos filmes de JPA
eu só ouvi elogios acerca da qualidade da restauração
digital, mas não sei de alguém que tenha
visto especificamente O Padre e a Moça.
Quanto à exibição de Sob o
Signo de Escorpião, trata-se certamente
do mico da mostra até agora, chegando ao Brasil
descolorida, cheia de riscos e com partes faltando.
Eu mesmo não assisti mas presenciei a debandada
quando saía da também traumática
exibição de O Ano em Que Meus Pais
Saíram de Férias (ver mais detalhes
no relato de 22-23 de outubro) e conversava, junto com
alguns amigos, com Andrea Tonacci, que esperava a sessão
de seu magnífico Serras da Desordem acabar.
Saía-se em cachoeiras do filme dos Taviani. Quem
ficou até o final, pelo que eu soube, ao menos
teve seu ingresso devolvido. Ontem, mais uma gracinha
vinda do Arteplex: em El cobrador, atraso de
mais de meia-hora para fazer funcionar a projeção
digital da Rain ; a mesma tecnologia recusada
por Ingmar Bergman que ocasionou o não-lançamento
de Sarabanda nos cinemas brasileiros. Quando
o filme finalmente começa a passar, vemos a imagem
claramente verticalizada e faltando as parte superior
e inferior da tela, cortando algumas cabeças
e a últimas linhas das legendas em inglês
da cópia. Trabalho de porco. Antes disso, no
entanto, só felicidades ; e projeções
sem acidentes. O primeiro do dia foi o belo Conversas
no Porto ; Manoel de Oliveira e Agustina Bessa-Luís,
Dezembro 2005, que é basicamente o que o título
diz, com o cineasta e a romancista debatendo o processo
criativo e as relações das artes entre
si, cinema, literatura, prosa, poesia, música.
Uma verdadeira lição de artistas rigorosos,
que refletem intensamente a arte que fazem. Pessoalmente,
deu para matar as saudades da entrevista que fiz com
Oliveira nessa mesma Mostra há dois anos. Planos
fixos dos dois conversando, sempre na mesma posição,
e imagens estáticas de paisagens do Porto, mar,
monumentos. Em seguida, Mudança de Endereço,
doce e belo filme de Emmanuel Mouret, comédia
indie sobre indefinições sentimentais,
amores não-correspondidos e procura do par perfeito.
Comédia de situações em que o humor
reside nos olhares, nos pequenos gestos, no ligeiro
desconforto de certos momentos, na dificuldade de se
expressar o que se sente, na indefinição
dos comportamentos. Comédia minimalista e ligeira,
Mudança de Endereço desce deliciosamente
e consegue extrair graça das pequenas situações
sem incorrer nas repetições sem graça
ou nos lugares-comuns que abundam em comédias
indies recentes como 12:08 a Leste de Bucareste ou Pequena Miss Sunshine. O filme lembra tanto
o Truffaut dos jovens adultos meio desajeitados (Beijos
Proibidos, Domicílio Conjugal)
quanto as mais ligeiras comédias rohmerianas,
sendo que a caracterização brinca um pouco
com o caricato à maneira de Ozon em Gotas
d'Água em Pedras Escaldantes ou Sitcom.
Atenção para as atuações,
em especial a da atriz Frédérique Bel,
parente próxima de uma Lisa Kudrow (mais conhecida
como a Phoebe de Friends), e para a beleza
estonteante de Fanny Valette, até agora a minha
musa da Mostra. Em diário a gente pode ser um
pouquinho trivial, né? Em seguida, Sonhos
de Peixe, filme brasileiro-russo-americano rodado
no Rio Grande do Norte pelo cineasta russo Kirill Mikhanovsky,
a meio caminho entre a ficção com não-atores
de comunidade de pescadores de um La terra trema e a apreensão sensualista de uma Claire Denis.
O filme tem suas irregularidades narrativas e umas ênfases
meio desnecessárias, mas os momentos de intensa
beleza das situações e das imagens excedem
em muito os pecadilhos do filme. Alguém aí
falou "vitalidade do cinema brasileiro"? (RG)
Terça-feira, 24 de outubro de 2006
Vitalidade do cinema brasileiro? Sem dúvida,
e a Folha de hoje fala da "puta safra". Ainda
que as reações sejam controversas no seio
da redação, Proibido Proibir se
insere perfeitamente entre os vigorosos filmes de que
falávamos ontem. É um filme que capta
um momento, um sentimento de país com a pungência
de poucos (não à toa, O Invasor de
Beto Brant está no cartaz da casa dos protagonistas,
como espécie de homenagem e até mesmo
inspiração). Proibido Proibir enfoca a
vida de três jovens universitários, dois
rapazes e uma moça. E, ainda que a tentação
de criar um triângulo amoroso seja grande, o filme
ultrapassa essa intriga mais romanesca e se instala
num impasse, numa dificuldade, nesse momento específico
de uma certa juventude que, ao mesmo tempo que descobre
a possibilidade de mudança provocada pelo ensino
e pela inserção profissional na sociedade,
vive o trauma de perceber pela pior maneira que as diferenças
sociais e humanas estão ancoradas em raízes
muito mais profundas e que efetivar a mudança
através do voluntarismo, de puros atos de boa
vontade, pode ter conseqüências terríveis.
O que aconteceria aos personagens de Os Sonhadores
de Bertolucci se, ao invés de se fecharem
no mundo do cinema, eles tentassem se abrir à
realidade social brasileira? A essa pergunta responde
Jorge Durán, num filme cujo sentimento excede
em muito as inúmeras deficiências de acabamento
(montagem e fluidez narrativa, sobretudo). Infelizmente,
não poderemos tecer elogios ao segundo longa-metragem
de José Araújo, As Tentações
do Irmão Sebastião. Poderíamos
ver o filme como uma mistura entre Bocage, A Idade da Terra e O Veneno da Madrugada,
em que infelizmente prevalece a plasticidade bonita
mas meio vazia do primeiro e a sensação
de cinema de aquário do terceiro, sem nada da
força de improviso e de aventura do segundo.
É com extrema pena que dizemos isso, porque O
Sertão das Memórias, seu primeiro
longa, nos seduzia imensamente por seu rigor e por sua
tresloucada proposta. Tresloucada proposta temos em As Tentações do Irmão Sebastião,
mas na chave de um samba do crioulo doido, de um vale
tudo entrópico em que o talento de José
Araújo não consegue fazer converter em
vigor na tela. Assistimos ao filme, em suas 2h27min,
como alguém que vê um desfile macabro de
imagens aleatórias e fechadas sobre si mesmas.
De Brilhante, de Conceição Senna,
também não poderemos falar na chave de
vitalidade nem de rigor. Se a proposta é sedutora
; voltar à cidade em que seu marido, Orlando
Senna, dirigiu o longa Diamante Bruto, e ver
quais foram as mudanças ocorridas na cidade de
Lençóis, Bahia, onde o filme foi filmado,
e como a lembrança do filme resiste na memória
dos habitantes ;, o encadeamento das situações
é muito tênue, e não existe uma
estrutura forte de montagem para passar de um tema a
outro, dando a sensação de que temos dois
filmes, um possível extra de DVD e um pseudodialético
estudo das contradições sociais de uma
cidade que viveu seus dias de garimpo e hoje vive sob
a égide avassaladora do ecoturismo, marginalizando
os antigos moradores ou levando-os à miséria.
Por fim, It's Winter de Rafi Pitts, interessante,
simpático, doce, mas é só. (RG)
Domingo, 22, e Segunda, 23 de outubro de 2006
Longe de casa, maiores complicações,
sempre mais difícil de achar tempo para atualizar
as partes da revista, mais ainda para escrever. Mas
aqui estamos nós, para variar com um prazo muito
estrito, mas é dessa correria que se faz a graça
de uma mostra de cinema. Até aqui, uma mostra
que revela belos filmes, algumas surpresas boas e algumas
ruins. Na parte das ruins, temos um cuidado cada vez
menos apurado com a projeção. No Reserva
Cultural 2, por exemplo, as fontes intensas de luz branca
são acompanhadas de um estrelamento involuntário
que faz parecer que todo filme é O Desespero
de Veronika Voss. Na projeção de
O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias
às 19:20 de domingo no Arteplex, desastre
total: à esquerda da tela, fuga total de foco,
e na lateral inferior direita, mesma coisa. Para piorar,
em dois momentos a perda de foco foi total, e só
tinha projecionista para corrigir quando algum espectador
indignado dignava-se a sair da sala para reclamar. Pelo
visto, a rede transestadual que surgiu como opção
diferenciada de programação anda muito
mais pra plex do que para arte, seja na seleção
dos lançamentos, seja nos maus tratos aos olhos
do espectador. O subgerente era simpático, respondeu
com elegância e educação, mas decidiu
safar a casa culpando a cópia. Coisa feia. E
aí, distribuidores e produtores de O Ano
em Que Meus Pais...: sabiam que vocês, segundo
uns e outros, andam mandando cópias defeituosas
para festivais? Alguns reclamam da luminosidade fraca
da projeção do CineSesc, mas nas duas
sessões que eu vi, não tive nenhum problema
desse tipo. Quanto aos filmes, gostei um bocado de Sonhos
Com Shangai, que, confesso, não assisti
no Rio por causa de um péssimo boca-a-boca entre
os colegas redatores. Mas Luísa gostou e estou
em ótima companhia. Gostei um bocado, também,
de dois filmes que foram exibidos no Rio e eu não
consegui horários para ver, Anche libero
va bene (tradução: "Líbero
também é legal", líbero sendo
a posição no futebol; porquíssima
tradução no Rio como Estamos Bem Mesmo
Sem Você, mesmo porque o filme não
é nada disso) e Os 12 Trabalhos, de
Ricardo Elias. Vendo esse último, e tendo visto
ontem O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias,
de Cao Hambuerger, vem a forte impressão de que
estamos diante de uma excelente safra que, se não
rendeu uma grande obra-prima (Serras da Desordem chega quase lá), mostra uma numerosa oferta de
títulos dignos e talentosos, o que, convenhamos,
é bem incomum em nossa produção
de um filme bom para muitas porcarias. Que ano recente
pode competir com a oferta de O Céu de Suely, Antônia, Pro Dia Nascer Feliz (mesmo
com suas fraquezas), Atos dos Homens e os anteriormente
listados? Proibido Proibir, também muito
bem falado por colegas, eu vejo hoje. Pauta a seguir:
"Vitalidade do cinema brasileiro"? Mary foi
visto de novo e o resultado pode ser conferido no texto
presente na página inicial da cobertura da Mostra.
No mais, Russell Crowe em Um Bom Ano mostra-se
tão sensacional como comediante quanto Thiago
Lacerda em Muito Gelo e Dois Dedos d'Água.
Eu indicaria ambos ao Troféu Cigano Igor de melhor
interpretação hilariante. Ridley Scott
mostra que sua sutileza para o timing da comédia
é inversamente proporcional ao barulho que fazem
as espadas em Gladiador. Deus me livre. Um
documentário para terminar o dia de sábado,
Os Estados Unidos Contra John Lennon, simpático
pelas cenas pouco conhecidas de depoimentos de John
Lennon, redundante na trajetória do ex-beatle
e muito convencional e chovendo no molhado nos
depoimentos de figuras importantes. Yoko Ono, ao contrário,
é deusa. Falaremos mais sobre o filme em outra
oportunidade. Por fim, fechando o domingo vi Nosso
Amor do Passado, outra tradução terrível
do título (original: Conversations with Other
Women), mas pelo menos o filme é interessante.
Quer dizer, interessante até um certo ponto.
Ex-casal se reencontra depois de anos num casamento,
ela casada na Inglaterra, ele namorando nos EUA, a atração
é irrefreável, eles vão para cama
e ficam o tempo inteiro conversando sobre suas vidas
e sobre a possibilidade de continuar juntos. Na imagem,
tela dividida em duas, espécie de Time Code mais discreto. Espertinho e nada mais, o filme funciona
um pouco até a cena, mal-filmadíssima,
da trepada entre os dois. Com o fim da tensão
sexual, acaba a graça e o constrangimento é
tão grande quanto se estivéssemos nós
mesmos vendo, como terceira pessoa involuntária,
uma discussão de relacionamento entre quatro
paredes. Ao menos vendo o filme aprendemos que, depois
da transa, ou damos uma segunda ou vamos dormir diretamente.
Tititi não dá. Ah, claro! De Punhos
Cerrados, primeiro longa-metragem de Marco Bellocchio,
inaugurou o sábado, na ótima projeção
da Sala UOL. Mas, até um segundo momento, sobre
ele calaremos. Fiquem com a fotinho que ilustra o dia.
(RG)
Sábado, 21 de outubro de 2006
Começo sempre tortuoso de Mostra. Chega-se de
mala, mochila, vai, faz credenciamento, busca lugar
para deixar a mala em algum momento do caminho, vai-se
de sala em sala. A Scanner Darkly? Esgotado. Banditi a Orgosolo? Sessão atrasada
por conta do filme anterior, que teve problemas na legendagem
e atrasou 1h20. Meu dia é, então, inteiramente
reconfigurado e começo minha Mostra vendo Os
Subversivos, primeiro longa-metragem assinado apenas
pelos irmãos Paolo e Vittorio Taviani, e o filme
encanta apenas em partes. A solenidade pesada do cinema
deles já estava lá, mas brigando com algumas
seqüências de montagem da vida da cidade
que fazem lembrar algumas coisas da nouvelle vague,
com a influência de Godard ; cenas do final
de Pierrot le fou, que um dos personagens vai
ver no cinema ; e de alguma forma alinhadas com
o espírito do cinema italiano do período
(pensamos em Bellocchio, Bertolucci, Pasolini). De subversivo,
mesmo, só o título. Em seguida, Climates,
do turco Nuri Bilge Ceylan, que fascina um monte de
gente, mas a mim não cria a menor convulsão
estética. É claro que ele sabe o que faz,
e alguns planos têm uma força plástica
bem precisa, mas no geral o filme funciona naquela velha
gramática do cinema de autor que está
bem batida: longos tempos mortos no começo e
no início do plano, clima generalizado de mal-estar
e falta do que fazer que passa direto ao espectador,
tema do casal que não cosnegue viver junto nem
separado. O mínimo a dizer é que no Rio
de Janeiro vimos Um Casal Perfeito, e na comparação
do tratamento Nobuhiro Suwa dá de dez. Em seguida,
mais para preencher horário, vejo o documentário
Uma Verdade Inconveniente, interessante de
se ver (mais sobre ele na crítica já publicada),
mas nada além disso. Fecho o dia com Mary,
de Abel Ferrara. O leitor que me desculpe, mas antes
de falar qualquer coisa do filme ; que, adianto,
não coloco entre os meus Ferrara preferidos ;,
preciso vê-lo de novo. Não são muitos
os filmes que pedem uma atenção desse
tipo, não? Então aí vai o recado:
vejam! E boa Mostra a todos. (RG)
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