Admiração
mútua
A relação entre arte e existência,
cara a todos aqueles que fazem do métier
artístico mais do que uma atividade, uma opção
de vida, talvez seja o principal objeto de Conversas
no Porto. Baseado num dispositivo simples – registrar
uma conversa entre Manoel de Oliveira e Agustina Bessa-Luís
que partisse de uma contraposição entre
seus respectivos meios expressivos, o cinema e a literatura
–, Daniele Segre realizou um belo documentário
sobre a relação do artista com a sua obra.
Oliveira e Bessa-Luís, além de serem dois
dos maiores artistas portugueses contemporâneos,
são amigos e companheiros de trabalho, que, neste
rico diálogo proposto pelo filme, compartilham
memórias, discutem idéias e notícias
e falam de sentimentos, atualizando a todo o momento
a íntima ligação entre todos estes
dados da vida e sua vivência particular das artes
em geral.
Ligado ao cinema-verdade italiano, o diretor segue neste
filme o princípio oliveiriano do respeito à
fala como respeito às palavras e às pessoas,
plantando sua câmera numa posição
fixa em relação aos dois artistas – que
privilegia, ligeiramente, pelo ângulo (e também
por provável afinidade), o cineasta. É
ele quem conduz a conversa (livre?), direciona os assuntos
e recita poemas em off. Conversas no Porto
parece magnetizado pela presença de Manoel de
Oliveira, elegendo-o como seu principal foco de interesse,
como centro a partir do qual irradia-se o filme – espécie
de pacto secreto com o este "personagem principal" e
a paixão que o move (o cinema). Desta forma,
Segre alterna blocos de conversa com imagens do Porto,
de paisagens e monumentos. São planos fixos que
se detêm no cenário externo ao ambiente
fechado no qual se passam as "conversas" e que mimetizam
de alguma maneira a relação do cinema
de Oliveira com o espaço e o tempo.
Esta demonstração de apreço por
Manoel de Oliveira (que não deixa de englobar
Bessa-Luís), organizada a partir do dispositivo
do encontro, guarda também uma relação
com as obras "biográficas" do cineasta, como
Porto da Minha Infância e Viagem ao
Princípio do Mundo, nas quais vida e cinema
se confundem e a memória é transformada
ela mesma em experiência atualizada; como sugere
a discussão sobre documentário e ficção,
que faz Manoel e Agustina apontarem a vivência
(e a história) como matéria prima da arte.
Diante da câmera de Daniele Segre, ambos travam
belas e ricas conversas de forma descontraída,
entre o embate intelectual e a cumplicidade, mas sem
nunca apontar para a realização do filme
em si. O diretor, ao manter-se de fora da "diegese documental"
e não incitar qualquer reconhecimento da presença
da câmera, constrói, dentro de uma sala,
um universo entre o puramente fílmico e o registro
direto, um limbo no qual o discurso dos artistas mescla
suas obras (e suas personas profissionais) às
suas existência sensívels; uma homenagem
à altura dos homenageados.
Tatiana Monassa
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