CONVERSAS NO PORTO. MANOEL DE OLIVEIRA E AGUSTINA BESSA-LUÍS. DEZEMBRO 2005

Daniele Segre, Conversazione a Porto. Manoel de Oliveira e Agustina Bessa-Luís. Diciembre 2005, Itália, 2006

Admiração mútua

A relação entre arte e existência, cara a todos aqueles que fazem do métier artístico mais do que uma atividade, uma opção de vida, talvez seja o principal objeto de Conversas no Porto. Baseado num dispositivo simples – registrar uma conversa entre Manoel de Oliveira e Agustina Bessa-Luís que partisse de uma contraposição entre seus respectivos meios expressivos, o cinema e a literatura –, Daniele Segre realizou um belo documentário sobre a relação do artista com a sua obra. Oliveira e Bessa-Luís, além de serem dois dos maiores artistas portugueses contemporâneos, são amigos e companheiros de trabalho, que, neste rico diálogo proposto pelo filme, compartilham memórias, discutem idéias e notícias e falam de sentimentos, atualizando a todo o momento a íntima ligação entre todos estes dados da vida e sua vivência particular das artes em geral.

Ligado ao cinema-verdade italiano, o diretor segue neste filme o princípio oliveiriano do respeito à fala como respeito às palavras e às pessoas, plantando sua câmera numa posição fixa em relação aos dois artistas – que privilegia, ligeiramente, pelo ângulo (e também por provável afinidade), o cineasta. É ele quem conduz a conversa (livre?), direciona os assuntos e recita poemas em off. Conversas no Porto parece magnetizado pela presença de Manoel de Oliveira, elegendo-o como seu principal foco de interesse, como centro a partir do qual irradia-se o filme – espécie de pacto secreto com o este "personagem principal" e a paixão que o move (o cinema). Desta forma, Segre alterna blocos de conversa com imagens do Porto, de paisagens e monumentos. São planos fixos que se detêm no cenário externo ao ambiente fechado no qual se passam as "conversas" e que mimetizam de alguma maneira a relação do cinema de Oliveira com o espaço e o tempo.

Esta demonstração de apreço por Manoel de Oliveira (que não deixa de englobar Bessa-Luís), organizada a partir do dispositivo do encontro, guarda também uma relação com as obras "biográficas" do cineasta, como Porto da Minha Infância e Viagem ao Princípio do Mundo, nas quais vida e cinema se confundem e a memória é transformada ela mesma em experiência atualizada; como sugere a discussão sobre documentário e ficção, que faz Manoel e Agustina apontarem a vivência (e a história) como matéria prima da arte. Diante da câmera de Daniele Segre, ambos travam belas e ricas conversas de forma descontraída, entre o embate intelectual e a cumplicidade, mas sem nunca apontar para a realização do filme em si. O diretor, ao manter-se de fora da "diegese documental" e não incitar qualquer reconhecimento da presença da câmera, constrói, dentro de uma sala, um universo entre o puramente fílmico e o registro direto, um limbo no qual o discurso dos artistas mescla suas obras (e suas personas profissionais) às suas existência sensívels; uma homenagem à altura dos homenageados.


Tatiana Monassa

 

 





Agustina Bessa-Luís e Manoel de Oliveira
em Conversas no Porto.