A ERA DO GELO 2
Carlos Saldanha, Ice Age: The Meltdown,
EUA, 2006
 

A maior qualidade do primeiro A Era Do Gelo (2002) era a sua simplicidade, tanto na forma quanto na narrativa. Sobre a primeira, pode-se pensar em uma inferioridade técnica da Fox em relação à líder de mercado e já quase veterana no ramo da animação digital Pixar – ou até em uma carência de um savoir-faire por parte dos animadores ainda inexperientes do estúdio. Seja qual for a razão, embora a opção “proposital” não pareça ser o caso aqui, o gráfico do desenho não era cativante e nem tinha aquela mobilidade fantástica, tanto na atuação dos personagens como na composição realista dos cenários, já transformada em padrão de qualidade pelos filmes de sucesso (como Toy Story, Procurando Nemo e Monstros S.A.).

Assumindo a impossibilidade de se fazer um desenho nos parâmetros de sua concorrente, a Fox e o diretor Chris Wedge optaram por contar uma história simpática e engraçada, apelando para o carisma dos personagens bem pouco explorados e bastantes rasos, porém fiéis às características mais explícitas que os compõe (o mamute bondoso e mal-humorado, por exemplo, nunca ia mais longe do que isso), evitando sentimentalismos forçados e questionamentos sobre o caminho que a história segue. Parece claro que as qualidades citadas se assemelham mais a defeitos, mas nunca se deve subestimar a leveza de uma história, principalmente quando o seu próprio meio, a animação, consegue transmitir essa leveza com uma facilidade inigualável. Aquela trama não vai mais longe pelo simples motivo de optar pelo prazer raso, do riso fácil, do não-questionamento sobre o mundo, mandando o espectador de volta para casa com nada mais do que um breve sorriso no rosto criado pelas piadas rápidas e inteligentes, assim como pelas situações estilo pastelão. A própria composição das imagens do filme nos mostra isso. O gráfico que constrói o cenário é chapado, plano, não inspira uma continuação daquele mundo para além da história contada e, sim, torna a era do gelo nada mais que um imenso mundo gelado, sem implicar nenhum diálogo com o espaço. Esse mundo é apenas um pano de fundo pra história, do qual se aproveita apenas a presença de animais como um mamute e um tigre dente-de-sabre para ela se desenvolver.

Analisar o primeiro filme e ressaltar suas qualidades é essencial para se pensar o segundo. Isso porque A Era do Gelo 2 tem características diametralmente opostas às do seu predecessor. A começar pela composição gráfica: bem mais ousada, tecnicamente superior à do primeiro, mais realista, criando uma impressão de uma possível penetração naquele mundo. Acontece que esse mundo não tem nada a nos mostrar, só servindo para ressaltar o vazio que é o espaço em A Era do Gelo 2. Estranho que essa mudança de estilo, bastante ligada à maneira, mais complexa e ambiciosa, de se construir o filme, afete todo o resto da obra.

È claro que não se pode chamar de fácil a tarefa de fazer uma continuação para qualquer filme, principalmente quando se trata de uma tentativa de repetir o sucesso se utilizando dos mesmos personagens e da mesma ambientação, além da esquisita, porém quase implícita obrigação de demonstrar um avanço técnico de um filme para o outro. Parece aceitável, e é, termos um primeiro filme deixando a desejar no espetáculo da animação digital, todavia é quase que proibido (e, para mim, não é) que o segundo da série mantenha esse visual, como se o sucesso do primeiro tivesse de alguma forma ajudado a Fox a se firmar como uma produtora de animações digitais, tornando óbvia a melhora de sua tecnologia de um filme para o outro. Não se considera a possibilidade de uma opção estilística. Mesmo que esse não seja o motivo – talvez seja apenas a tentativa de impressionar o espectador pelo simples espetáculo de imagem, devido à péssima qualidade do roteiro – essa visível melhora nos gráficos de um desenho para o outro não acrescentou nada de bom ao filme.

Pelo contrário, além do problema já mencionado com o novo espaço mais (mal) trabalhado, o filme parece ter se deixado levar pela pressão de fazer sucesso e também ficou um tom acima em quase todos os aspectos. Na tentativa de se aprofundar nos personagens, tornou-os chatos e com dramas sem nexo. A história paralela do mamute que desconfia ser o último de sua espécie é tratada com um melodrama de novela mexicana para tentar nos aproximar dos novos integrantes do grupo. A progressão do caminho para a salvação se limita a passagens de perigo onde aparecem bizarros e desnecessários animais aquáticos (qual o propósito da existência deles se a água, por si só, já é um perigo para os animais terrestres? O fim da era do gelo não é um antagonista grande o suficiente?). Por fim, a maior prova de que o próprio Carlos Saldanha não sabia para onde levar a história está nas inúmeras aparições do esquilo perseguidor de noz no filme – são tantas que a história dele se torna realmente uma trama paralela – arrancando algumas risadas, mas deixando de lado o grupo principal sempre que sua aventura está perdendo o fôlego, o que acontece quase o tempo todo.

O que sobra de mais interessante é algo que os próprios realizadores se complicaram na hora de trabalhar. A raiz da história, mesmo que propositalmente não-alinhada com o que a ciência sabe sobre aquela época, é uma brincadeira com o evolucionismo de Darwin unido a uma história bíblica. Sim, no filme existe um grande barco que se assemelha à arca de Noé e salva os animais de uma catástrofe, mas tanto ele não é feito por um homem a mando de Deus como nem todas as espécies conseguem se salvar. Apenas as “aptas”, as mais fortes, sobrevivem à jornada e chegam sãs e salvas no barco, escapando das garras da evolução, estranhamente representadas pelos animais aquáticos, que na escala da evolução são os predecessores dos terrestres. Seria o fim da era do gelo uma involução? Em uma época em que o tema do aquecimento global é de nítida importância para a “sobrevivência” da nossa espécie, não seria loucura ver o filme mais como um aviso da nossa alarmante involução diante do mundo do que apenas portador de uma história confusa e sem embasamento. Ou seria?

Bernardo Barcellos