MULHERES DO BRASIL
Malu de Martino, Brasil, 2006

A multiplicidade cultural do Brasil já foi motivo de inúmeras pesquisas antropológicas e sociológicas. Rendeu também uma série de projetos artísticos, seja no teatro, na dança, nas artes plásticas e evidentemente no cinema. A cultura nacional é bastante vasta e rica, dotada de regionalismos, cada qual com sua especificidade. De certa maneira, a indústria do entretenimento apropria-se constantemente dessa ampla gama cultural, incorporando elementos, ritos e tradições na sua indumentária. Temos duas vias distintas de possibilidades (ainda que estas possam se imbricar): o painel e/ ou análise sócio-cultural e o aproveitamento cultural na produção artística. Recorrendo a um histórico na produção cinematográfica brasileira recente encontramos alguns filmes que atendem uma ou outra destas diretrizes. Os documentários de Eduardo Coutinho (O Fim e o Princípio em especial) e O Prisioneiro da Grade de Ferro, de Paulo Sacramento, podem ser vistos como projetos de conhecimento e entendimento do panorama político-cultural contemporâneo. Por outro lado O Auto da Compadecida, de Guel Arraes e Central do Brasil, de Walter Salles, apropriam-se de elementos da cultura como forma (ou como base, no caso do primeiro) de incremento da narrativa. Aqui é impossível não citar Glauber Rocha, que talvez tenha sido quem mais se utilizou das tradições populares na construção narrativa de seus filmes (Deus e o Diabo na Terra do Sol, O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, etc.)

Devido a estas inúmeras incursões no território brasileiro, criou-se uma certa banalização de uma simbologia nacional, em especial quando há excessiva preocupação em atender as minorias (ou trazer a tona seus discursos). O cinema, como instrumento de propagação de idéias, é uma via fácil e rápida. Ora, parece bastante simples trabalhar a representação no Brasil a partir deste advento. Foquemos na mulher (e lancemos um filme na semana de seu Dia Internacional). Pegamos uma figura de Maceió, uma de Salvador, uma do Rio de Janeiro, uma de São Paulo e finalmente uma de Curitiba, criamos histórias enfeitadas de conteúdo psico-sociológico, entremeamos relatos documentais, e pronto: o Brasil está retratado. Ou melhor, as Mulheres do Brasil. E assim é o filme de Malu de Martino, que apropria-se do argumento de cinco histórias independentes (também escritas por mulheres) e faz um longa calcado na presença de personagens’-tipos. E se ainda existia a possibilidade de engano no que tange a intenção do filme como representativo de Brasil, seu slogan vem reiterar: "qualquer semelhança, não é mera coincidência".

O filme se apóia nos mais inocentes clichês. A mulher representativa de São Paulo é separada do marido, tem 40 anos, e está a procura de emprego, pois com a separação conjugal sentiu necessidade de trabalhar. Na entrevista, ela, toda enfeitada, disputa a vaga com uma garota jovem, de All Star nos pés. Ela tem um amigo homossexual, um vizinho (com quem se envolve) bem mais novo e um filho pra criar. Temos então o drama urbano da mulher paulista, recheado da dificuldade de reinserção da figura da mulher no mundo moderno. Então a solução é levar a personagem a uma boate GLS, local de descoberta de um novo universo, livre de preconceitos. Malu de Martino se esquiva da possibilidade de aprofundamento em qualquer uma das cinco histórias e mantém a superficialidade talvez como estratégia de identificação. Quando pensamos no conjunto do filme, não há dificuldade de relacionarmos as cinco histórias, pois a última delas retoma alguns plots das demais, relacionando assim o papel feminino e a interação intuitiva da mulher, que, cada qual a sua maneira, sofrem dos mesmos dramas, e aspiram aos mesmos interesses.

O cinema brasileiro atual já apresentou alguns filmes que de certo modo pretenderam dar conta de todo o Brasil, ora fazendo um levantamento espacial (Deus é Brasileiro, de Carlos Digues) ora fazendo um levantamento artístico (Es tu Brasil, de Murilo Salles). Ambos apresentam noções vagas da constituição de nação e subentendem que ali está concentrado todo o demais território. A invenção das tradições (parafraseando o historiador inglês Eric Hobsbawm) se faz evidente nesta parcela do cinema brasileiro, que parece zelar por um anacronismo histórico e um deturpamento na visão política, social ou cultural do Brasil contemporâneo. Em Mulheres do Brasil isto está especialmente presente na tentativa de afirmação de tese e validade do discurso (embutido na ficção) a partir da inserção de relatos documentais. Resta saber o quanto o espectador (ou a espectadora, como o filme pretende) se vê retratado no filme.


Raphael Mesquita