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                         Durante 
                          uma apreciação inicial, O Exorcismo 
                          de Emily Rose parece insistir em uma imagem de sobriedade 
                          e frieza narrativa que frustra as expectativas de quem 
                          nele esperaria encontrar um filme de terror. Essa expectativas 
                          incluiriam, inclusive, a idéia de que o filme 
                          se espelhasse na forte referência criada pelas 
                          imagens tornadas clássicas no imaginário 
                          cinematográfico por William Friedkin em seu O 
                          Exorcista (1973). O que o diretor Derickson vai 
                          oferecer, em especial quando encena as seqüências 
                          nas quais apresenta a personagem título sofrendo 
                          sua suposta "possessão" ou sendo "exorcizada", 
                          é uma fuga da grandiloqüência e senso 
                          de espetáculo com a qual Friedkin retratava a 
                          ação demoníaca sobre a menina Regan 
                          (Linda Blair). Derickson, por outro lado, a princípio 
                          sugere pretender tratar a história de Emily com 
                          a frieza de quem apresenta um caso clínico. O 
                          Exorcismo de Emily Rose logo se firma como um drama 
                          de tribunal, onde se daria mais um round do eterno 
                          embate entre razão/ciência e fé. 
                          Causa a impressão que o modelo a ser imposto 
                          estaria igualmente no padrão definido pelos filmes 
                          judiciários de Sidney Lumet, em especial O 
                          Veredicto (1982), que, por sinal tem a Igreja Católica 
                          , vista ali numa imagem bem pouco simpática, 
                          como uma das partes interessadas no litígio. 
                           
                          Ao longo de sua projeção, no entanto, 
                          o que o filme vai fazendo, e sem a menor sutileza, é 
                          aos poucos quebrar uma ilusão inicial de frieza 
                          e tomar o partido de um dos lados no embate: a fé 
                          inabalável que moveria Emily e o padre (Tom Wilkinson), 
                          que é julgado por homicídio e omissão 
                          de socorro quando a moça vem a morrer como conseqüência 
                          do exorcismo mal sucedido. O filme veste-se de uma capa 
                          de suposta isenção e busca de justiça, 
                          aproveitando-se inclusive do nefasto rótulo "baseado 
                          em fatos reais", para acima de tudo se impor como uma 
                          peça de catequese e pregação. Passando, 
                          com isso, a retratar principalmente um processo de aceitação 
                          da religiosidade por parte da advogada, a princípio 
                          agnóstica e carreirista, interpretada pela talentosa 
                          Laura Linney. Os dispositivos usados pelo filme em sua 
                          gritante parcialidade também incluem uma vilanização 
                          gratuita do promotor (Campbell Scott), que tenta demonstrar 
                          a suposta "possessão" como um caso a ser explicado 
                          e tratado pela medicina convencional. Ao final das contas, 
                          mesmo com o veredicto que o júri impõe 
                          ao padre, que fica sendo nada mais que uma mera concessão 
                          a uma justiça "em cima do muro", sobra a imposição 
                          da visão de Emily Rose como uma mártir 
                          contemporânea. 
                           
                          É curiosa, mas nada surpreendente, a apreciação 
                          de O Exorcismo de Emily Rose como uma peça 
                          que, mesmo trabalhando em um universo correspondente 
                          ao catolicismo, mostra-se coerente com um ideário 
                          de valorização de uma religiosidade fundamentalista 
                          protestante caracterizada pela ascensão de uma 
                          direita cristã durante o governo George W. Bush. 
                          É acima de tudo uma obra de catequese. O que 
                          não seria por si só seu grande problema. 
                          Goste-se ou não de Paixão de Cristo 
                          de Mel Gibson, este, em momento nenhum esquece de 
                          deixar claras as intenções de seu filme 
                          como uma pregação. O maior pecado de Scott 
                          Derrickson e seu O Exorcismo de Emily Rose está 
                          justamente em tentar disfarçar, não assumir 
                          suas verdadeiras intenções, encobrindo 
                          o filme em uma falsa idéia de busca por justiça 
                          e imparcialidade. 
                           
                            
                          Gilberto Silva Jr. 
                          
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