SEVEN SWORDS
Tsui Hark, Qi jian, Hong Kong/Coréia do Sul/China, 2005

"As mentes limitadas imaginam que o extremo do gosto não combina com a energia"
Paul Valéry

Podemos tranqüilamente ver Seven Swords como um filme convencional, mas toda sua força só pode ser apreendida se ele for visto como o que verdadeiramente é: uma cintilação.
Tsui Hark hoje é talvez o único cineasta em atividade que pode requerar a filiação ao ideal de total motricidade do cinema de Dziga Vertov, nem mais nem menos. E Seven Swords, primeiro volume de um projeto megalomaníaco semelhante à hexalogia Era uma Vez na China, é o primeiro projeto desde O Tempo e a Maré (2000) em que Tsui conseguiu dedicar todos os seus esforços e sua atenção para fazer o que mais lhe interessa: um balé de movimentos vertiginosos, uma torrente de imagens que nos fazem ter uma recepção propriamente física do ritmo do filme, uma composição e uma estruturação propriamente dinâmica do espaço cinematográfico. Seu cinema é cinético, e vai rápido. Mais rápido, às vezes, até do que nossas percepções da história. Quem é o bom, quem é o mau, quem fica com quem, quem é quem? Tsui Hark não se preocupa em responder nenhuma dessas perguntas em seus filmes, e tampouco em instalar personagens, realçar suas caracterizações, nada disso. Seu interesse é a ação (não confundir "ação" unicamente com as cenas de ação), a emoção, e é para ela que ele organiza seus filmes. Não são filmes plácida e harmonicamente estruturados com pausas, crescendos, grandes momentos de clímax. Como os filmes de Samuel Fuller, os filmes de Tsui Hark são excessivos, desajeitados, bruscos, cheios de arestas: enfim, pessoais, únicos e cheios de vitalidade.

Seven Swords é um filme que chega aos circuitos de cinema num momento em que já se espera do cinema de ação do eixo China/Hong Kong algo semelhante a Herói e O Clã das Adagas Voadoras, ambos dirigidos pelo floreador chapa-branca Zhang Yimou. Ora, é um automatismo tão irônico quanto perverso: Tsui faz parte da primeira geração de renovadores do cinema wuxia pian (filme de cavaleiro andante), a partir do começo da década de 80. E, como tal, seu cinema deve muito pouco às duas obras de Zhang vistas nos cinemas em 2004. E, como não poderia deixar de ser, supera-as de longe. Nada do monumentalismo pesado de Herói ou da colônia de rosas recheada de abusos de CGI chamada O Clã das Adagas Voadoras. Aqui, o principal interesse não é criar um suplemento "de arte" para dar conta do universo do cinema de artes marciais (essa a maior artificialidade dos dois filmes de ZY), mas fazer a arte brotar do movimento, da ação, da velocidade. A diferença é enorme. Seven Swords, a esse respeito, é um grande banho refrescante para lavar a alma: até dentro do próprio cinema de Tsui Hark, não foram tantas as vezes em que ele consegui equilibrar com tanto cuidado o lirismo e a rapidez, a delicadeza e puerilidade, a atenção ao detalhe e a instalação da urgência permanente diante do filme.

Não adianta muito descrever a história. Seven Swords é como um filme abstrato (porquie abstrata é a arte de Tsui Hark: ritmo, movimento, montagem, alterações no plano): pouco importa o que é contado, o essencial ainda fica na imagem, intransferível. Importa, sim, declarar que em todas as cenas de ação diante da tela grande, tamanha é a quantidade de informações que aparecem na tela, tão preciso é o estabelecimento dos espaços, tão meticulosos são os enquadramentos e a duração de cada plano que os músculos se retesam imperceptivelmente e o coração vai à boca. Há muitos cineastas que quebram o "esquema sensório-motor" do cinema de ação pela lentidão (Antonioni, Tarkovski, ou hoje Vincent Gallo), mas não há muitos que o rompem pelo excesso. Não, ao menos no cinema narrativo. Resultado: ao fim de cada uma das cenas mais agitadas, e só aí, nos deparamos com a intensa velocidade em que fomos instalados. Alteração do ritmo de nossa consciência que nos faz desaguar numa experiência física, numa condição diferente de percepção.

Um tal apuro de linguagem meta-experimental e ao mesmo tempo um espécime regular de gênero cinematográfico, o máximo da delicadeza junto com o burlesco grosseiro (o riso de hiena do vilão Firewind), o trivial e o filosófico (alguns cortes são de antologia: o plano geral da cidade devastada logo após uma luta vitoriosa dentro de um galpão; as crianças sendo vistas em seguida aos guerreiros mercenários enquanto Firewind faz o nexo entre os dois), uma forma arrojada e especulativa dentro de um grande espetáculo popular, tudo isso tende a traçar um paralelo – singular no cinema de hoje, ou talvez tendo como único companheiro M. Night Shyamalan – com o cinema de John Ford. Curiosamente, o tema da comunidade, sua sobrevivência, suas leis e sua exceção, fordiano por excelência, é um dos focos de Seven Swords. Naturalmente, isso os aproxima, mas todo o resto os afasta. Ford fazia um cinema de instalação, de sedimentação (a vivência comum que deixa o fugaz e vira História ou mito), enquanto Tsui faz um cinema do fluxo, do elogio do instante. Ele só consegue instalar seus personagens quando em êxodo: a cidade que precisa se transformar em comunidade nômade para não morrer. É uma bela metáfora do cinema de Tsui Hark: ou se move, ou morre.

Cinema dinâmico, pois. Como em toda dinâmica, não importa só o movimento percorrido, mas também o corpo, o móbil, suas características. Seria falso supor que, só porque Tsui é um cineasta do fluxo, os corpos mesmo importem pouco. E, para que tudo se movimente, é preciso primeiramente que exista. E Seven Swords é cheio de uma profunda fisicalidade, nas locações que o filme emprega ao invés de usar o CGI (os mundinhos de videogame de O Clã das Adagas Voadoras, Senhor dos Anéis, Matrix), na fragilidade dos corpos, submetidos às ações dos objetos sobre eles (um gancho próximo ao olho, muitos cortes na pele, alguns desmembramentos, braços e pernas do herói presos por corda a cavalos prontos para galopar), e talvez sobretudo na individualização das espadas que dão título ao filme. Elas têm suas personalidades, seus modos de usar, seu fascínio próprio, tão grande quanto os dos próprios personagens. Possuir as duas ao mesmo tempo pode ser a ruína (como acaba de fato sendo, ao final), porque o importante num duelo – e, mais ainda, o importante para Tsui Hark – é que elas estejam em lados separados para que possa haver o choque. Afiadas e em movimento, essas espadas cortam e superam pela velocidade uma série de imagens e de filmes, dos já mencionados filmes de Zhang Yimou, chegando até Wong Kar-wai e Tarantino. Poetas do estático, tremei: o fluxo há de instabilizar tudo, e assim criar uma verdadeira sensação de experiência vertiginosa. Pois o ideal do cinema de Tsui Hark, um cinema intransigente com aquilo que ele não quer filmar – historinhas, planos meramente descritivos –, idiossincrático com aquilo que de fato filma – um cavaleiro se despedindo de seu cavalo, o amor entre o exímio espadachim e a escrava –, mas sempre certeiro em fazer de tudo pura ação. Essas sete espadas são afiadas. Como no ideal de João Cabral de Mello Neto, a faca aqui é só lâmina. Tsui Hark deu cabo do cabo.

Ruy Gardnier

 

 










O primeiro ferimento da inimiga sem nome: (1) dois corpos voam no ar e se chocam; (2) close no rosto dela, e a tela tinge-se de vermelho: ela foi atingida; (3) visão subjetiva ou visão do que aguarda a caçadora num outro mundo?; (4) finalmente, o ferimento aparece na tela. Delicadeza da montagem.








Afinal, a morte da caçadora sem nome. (1) Ela se protege usando a coreana Green Pearl como escudo para não ser atingida por Chu; (2) Ele, então, usa a espada para separar as duas, e aparentemente isso é a única coisa que acontece no plano; (3) A inimiga posiciona-se para o contragolpe; (4) mas, enfim, mais uma vez algo ficou escondido, e só se revela ao final: novamente ela foi atingida, dessa vez um corte fatal, no pescoço.