Alma Mater, de Alvaro
Buela
Alma mater, Uruguai, 2004
Longa uruguaio que mistura temas como religião e romance
(no caso do segundo, a ausência de um), abordando-os,
via um olhar de mistério, com personagens que vêm
e vão, construindo uma narrativa confusa - mas principalmente
inepta. Acompanhando uma mulher bastante solitária e
ultra religiosa, que começa a receber avisos que podem
estar vindo de entidades supremas, o que torna o texto,
que já tende ao equivocado, em algo praticamente risível
é a completa ineptude do cineasta em encenar a mais
simples das cenas, além de optar por um fotografia carregada
que dá um tom ainda mais sério para um conjunto tão
tosco. A título de interesse, Werner Schünneman
é coadjuvante como um pastor, praticamente possuindo
apenas monólogos, onde alterna entre o espanhol e o
português abruptamente, muitas vezes soando como se
literalmente avacalhasse com o filme, embora isso nunca
chegue a ficar explícito. Nada se salva aqui. (Guilherme
Martins)
Bloom, de Sean Walsh
Bloom, Inglaterra, 2003
Adaptação do “Ulysses” de James Joyce pelas mãos do
estreante britânico Sean Walsh, Bloom talvez
seja a maior coleção de equivocos em um longa-metragem
em muito tempo. Tudo isso, claro, com uma roupagem supostamente
ambiciosa onde se tentaria encontrar um limite entre
o literário e o cinematográfico. Boa parte do filme
são monólogos em off, onde alguns personagens,
após rápida introdução do filme, vagam com o olhar perdido
e solitário, e neste tempo formulam pensamentos sobre
assuntos variados de seu cotidiano. Com uma fotografia
grosseira e amarelada, que toma caminhos ainda mais
equivocados numa seqüência de sonho/alucinação, com
a encenação completamente perdida entre estilos de registro,
sem se adaptar bem ao conceito de todo o desenrolar
da cena estar no som off, gerando diversos momentos
que beiram o patético, inclusive tornando momentos corriqueiros
em motivos de piadas pouquíssimo inspiradas. A narrativa
se perde na tentativa de mostrar apenas pequenos trechos
da obra de Joyce, tornando tudo ainda mais perdido e
desinteressante. (Guilherme
Martins)
Caminhão Cinza Pintado de Vermelho, de Srdjan
Koljevic
Sivi kamion crvene boje, Sérvia e
Montenegro/Alemanha/Eslovênia, 2005
Uma história de amor
eclode em meio aos conflitos étnico-territoriais da
Iugoslávia do começo dos anos 90, história esta recheada
de elementos absurdos, de um humor negro constante,
e da soma constante dos duros elementos da realidade
com a fantasia. Estaríamos falando de A Vida é um
Milagre, de Emir Kusturica? Ou de uma penca de outros
filmes pós-Underground (do mesmo tão influente
Kusturica), seja de Goran Paskaljevic, seja de Srdjan
Dragojevic (Bela Aldeia, Belas Chamas)? Pois,
Caminhão Cinza Pintado de Vermelho tem este cheiro
do já visto, do já experimentado - de novo, talvez,
apenas o formato do road movie, que no entanto
é pouco atraente quando se entende muito cedo de onde
parte e onde ele quer chegar (e, ao contrário de um
Cinema, Aspirinas e Urubus, o que importa aqui
é menos o caminho e mais estes pontos-limite mesmo).
Entre seus pontos fortes (especialmente alguns momentos
de humor realmente engraçado com personagens secundários,
como o padre ou os mercenários que param o caminhão)
e os fracos (a poesia mais óbvia da cena de amor com
a destruição de uma vila ao fundo, ou a apresentação
dos personagens principais, filmada com a sutileza dos
golpes de tacape), a média fica na simbologia que
é atracada ao daltonismo do protagonista: muitas vezes
pueril e óbvia, eventualmente encantadora. No geral,
um tanto tediosa. (Eduardo
Valente)
Carmen, de Jean-Pierre Limosin
Carmen, França, 2005
Diga-se o que quiser de Jean-Pierre Limosin, não
podemos acusar seus filmes de não nos pegarem
de surpresa. Assim é com os primeiros planos
de Carmen, onde acompanhamos em alguns poucos
planos o nascimento de uma macaca bonobo (espécie
parente do chimpanzé), alguns planos da sua relação
com um casal de humanos que ainda não entendemos
de todo quem são, e depois a morte de sua mãe,
momento especialmente pungente. No entanto, o que este
início mais nos revela é que Carmen, a
macaca, não é só o centro da trama
– é, também, sempre que está em
cena, o nosso principal foco de interesse. Nenhum dos
humanos que passa pela tela tem um quinto do seu encanto
e do seu mistério. E a trama que Limosin urde
em torno dela, com metáforas um tanto óbvias
sobre a animalização do homem no capitalismo
financeiro contemporâneo, ou mesmo sobre a relação
da França com os imigrantes (menos explorada,
mas presente até mesmo em diálogos), pouco
nos causa efeito. Ficamos então sempre esperando
Carmen entrar em cena – e a filmagem do animal é
mesmo um primor de decupagem e de resultado. Mas, como
não se trata de um episódio de National
Geographic, este elogio não chega a ser muito
– e por isso mesmo, se Carmen nunca chega a entediar,
também não se pode dizer que torne Limosin
mais do que uma curiosidade, como dizíamos no
começo. (Eduardo Valente)
O Desconhecido, de Malgosia Szumowska
Ono, Polônia/Alemanha/França, 2004
Uma mulher engravida e não sabe se cria o filho
ou aborta. Em linhas gerais é sobre esse dilema
que trata o filme. A diretora insiste em uns cortes
enviesados e bruscos, encerrando qualquer momento de
busca de poesia. É um efeito interessante. Há
um pequeno incômodo por não se saber como
será o próximo plano, e isso garante o
interesse, até pelo menos a metade do filme.
Quando percebemos, no entanto, que a diretora tem pouco
a dizer além dos movimentos fru-frus e das viagens
mentais da protagonista, concluímos que nos resta
apenas esperar pelo final do filme. Na segunda metade,
aliás, torna-se penoso seguir em frente, porque
o ritmo fica insuportável. Não porque
é lento e exasperante, tampouco porque é
rápido e superficial, mas sobretudo pela falta
de domínio do tempo, o que faz com que os tais
cortes bruscos interrompendo delírios comecem
a incomodar. O que era um fator positivo do filme passa
a contribuir para nosso crescente desinteresse em tudo
que rola na tela. Mesmo a protagonista, que em meia
hora de filme nos brindava com uma ode aos musicais
franceses, correndo com sua roupa florida em um parque,
torna-se boboca e infantilóide demais para despertar
alguma empatia. O plano final do filme é muito
bonito e onírico, e mostra a boa mão da
diretora para composições de quadro, mas
não redime o resultado insatisfatório
do trabalho. (Sérgio Alpendre)
Dig, de Ondi Timoner
Dig!, EUA, 2005
Para um documentário
que se pretende o retrato de um processo, e que a partir
deste processo construa o seu significado, Dig
tem uma qualidade que se sobrepõe a todos os seus defeitos:
a “entrada” que sua realizadora tem no universo das
duas bandas de rock que se dispõe a seguir ao longo
de alguns anos. São sempre estas imagens “únicas”, só
possíveis para uma autêntica insider, que mais
impressionam, e que permitem que este ensaio sobre as
relações entre a indústria do entretenimento e os artistas
(em nada conclusiva, aliás, como deveria ser) seja mais
do que apenas uma tese sem vida, e sim que ganhe a força
de “filme-em-processo”, que vai constantemente mudando
junto com os personagens na sua frente. Louve-se também
a montagem que torna o filme um misto de suspense com
dramalhão ao qual seguimos quase como uma ficção, tamanho
o potencial de envolvimento do que está na tela. Se
exibido no futuro em sessão complementada por Last
Days, Dig! completa um díptico fascinante
sobre tudo que se precisa saber sobre o que foi ser
um artista do rock nos anos 90. (Eduardo
Valente)
O Fatalista, de João Botelho
O Fatalista, Portugal, 2005
O veterano cineasta português João Botelho
parte de uma proposta que a princípio parece
interessante: uma adaptação atualizada
do romance Jacques le Fataliste et son maitre escrito
pelo pensador francês Denis Diderot no século
XVIII. Botelho transforma o personagem título
em um motorista que guia seu patrão por estradas
de Portugal, sempre creditando a um destino predestinado
todos os fatos que se sucedem, repetindo assim a estrutura
episódica do romance original. O diretor, no
entanto, não demonstra possuir o domínio
de complexidade narrativa de um Manoel de Oliveira ou
o senso de humor corrosivo de um João César
Monteiro, fatores que parecem se sugerir fundamentais
para fazer de O Fatalista um filme bem-sucedido.
Assim, as situações retratadas no filme
acabam por mergulhar em um anacronismo que, caso bem
trabalhado, poderia produzir no espectador uma curiosa
sensação de estranhamento, mas que na
verdade acaba resultando em mero e ridículo constrangimento.
Botelho também falha em construir de maneira
convincente os diversos espaços por onde transita
sua dupla de personagens, alem de encenar suas seqüências
sem muito apuro, num quase desleixo, inadmissível
para um diretor experiente. "É facto"
– como repete o motorista Tiago ao longo de todo o filme
– que O Fatalista acaba por ser um filme não
menos que frustrante, apesar das boas expectativas que
pareciam cercá-lo. (Gilberto Silva Jr.)
Habana Blues, de Benito Zambrano
Habana Blues, Espanha/Cuba/França,
2005
Os amigos e músicos Ruy e Tito desejam sair de Cuba.
Quando descobrem que produtores espanhóis estão á procura
de talentos desconhecidos para gravar CD com vendagem
internacional, candidatam-se – no entanto, o contrato
extorsivo a que são submetidos acaba por desuni-los.
Neste meio tempo, enquanto a esposa de Ruy está prestes
a fugir para os EUA com os filhos, a avó de Tito teme
ficar sozinha na ilha. É impossível não enxergar
Habana Blues como a versão pop e mainstream
de Buena Vista Social Club (que, por sua vez,
já era pop e mainstream): trata-se de
ressaltar a alegria da música cubana que nasce das agruras
pessoais, com um toque de política, do dia-a-dia. Embora
Benito Zambrano erre em todos os videoclipes da miséria
(que consistem em pessoas lindas e felizes em ambientes
pouco – mas bem pouco – sujos e desolados) que conduzem
a narrativa, suas incursões pelo melodrama são capazes
de emocionar aos que estejam propensos à choradeira.
(Paulo Ricardo de Almeida)
Kontakt, de Sergej Stanojkovski
Kontakt, Macedônia/Alemanha, 2005
Existem cineastas e
existem fazedores de planos. A diferença é difícil de
conceituar, mas muito fácil de perceber. Peguemos Kontakt:
vários e vários planos do filme comprovam, para além
de qualquer dúvida, que Stanojkovski está na segunda
categoria. Para além da obviedade absoluta de sua narrativa
(seja no macro, no desenvolvimento do roteiro; ou no
micro, na estruturação de suas sequências), o que sobressai
no filme é a necessidade de redundar seguidamente sobre
cada aspecto que compõe o filme. Bastaria pegar o começo,
onde ele leva 20 minutos pra deixar bem claro que seus
dois personagens principais são arquétipos de “marginalizados”
da sociedade, algo que com dois planos nós já tínhamos
percebidos. Daí por diante, o filme não apertará outra
tecla que não a do tédio e do sentimentalismo barato,
se constituindo num dos exemplos de cinema mais primário
a ter sido visto nos festivais deste ano. Ah, sim, vale
a informação: o filme ficou entre os favoritos do público
da Mostra, para concorrer ao prêmio dado pelo júri –
seja lá o que isso queira dizer. (Eduardo
Valente)
Maria e as Outras, de José de Sá Caetano
Portugal, 2004
Estruturado e narrado como uma novela das seis, Maria
e as Outras não deixa de ser uma seqüência para
Kiss Me, de Antônio da Cunha Telles (produtor
aqui), em proposta e forma de olhar seus personagens.
A diferença aqui é que Sá Caetano tem a mão bem mais
pesada para conduzir uma trama leve, dando um peso que
só torna a obviedade na narrativa ainda mais forte do
que já seria textualmente. Assim, ele reforça sempre
o que está por vir no plano anterior – não tentando
criar algo a partir do clichê, mostrando apenas uma
tendência extrema à preguiça. O carinho forte às suas
protagonistas é condicionado à possibilidade de pisotear
quem as rodeia, mudando bruscamente a faceta dos personagens
um tanto de vezes. Não necessariamente um caso de má
intenção, apenas de um mau cineasta. (Guilherme
Martins)
Marlene de Sousa, de Tonino de Bernardi
Marlene de Sousa, Itália/Brasil, 2005
Trabalho de guerrilha, todo concebido em torno dos conceitos
de produção mais do que baratas (em muitos momentos
pode se observar o som captado pela câmera), os interesses
de Marlene de Sousa surgem um tanto em torno
deste aspecto quase tosco que dá forma ao filme, e do
qual Tonino De Bernardi tira momentos fortes de imagens
bem montadas. Mas, sempre que tenta manter um mínimo
de narrativa, acaba por trair o filme e tornar tudo
um tanto quanto desprazeroso, quebrando um frescor que
domina as imagens iniciais. Os longos off chegam
a ser insuportáveis, amarrando a trama do italiano Filippo
que deixou a mulher na Europa e se aventura com várias
mulheres pelo Brasil – o recurso já não soa bem no primeiro
momento que surge em cena, e vai sendo usado exaustivamente
durante o filme. O aspecto improvisado com que tudo
soa tem lá sua força, mesmo que o improviso em si seja
bastante irregular no que diz respeito à sua funcionalidade:
os melhores momentos não se dando necessariamente entre
os atores, mas mais na câmera e na montagem, muitas
vezes casando imagens bastante diferentes em seqüência.
(Guilherme Martins)
Meu Encontro com Drew Barrymore, de Jon Gunn, Brian
Hezlinger e Brett Winn
My date with Drew, EUA, 2004
Seguindo um formato bastante semelhante a um programa
televisivo, Brian Hezlinger faz uma espécie de cine-diário
que registra sua busca fanática por um encontro com
sua musa de infância, Drew Barrymore. O périplo ecoa
a realização de um “sonho americano”, a luta de um homem
comum (aqui um típico “bobão” americano) pela conquista
do que acredita. Carismático e bem-intencionado, Brian
cumpre bem o papel de atrair simpatia para sua causa
– seja a das pessoas que encontra, seja a do espectador.
Meu encontro com Drew Barrymore é no todo um
filme bem-humorado, com um feel-good inegável,
e sua narrativa pontuada por momentos de expectativa,
suspense e situações cômicas é conduzida com habilidade,
demonstrando um domínio de roteiro. Há uma certa reflexividade
(até certo ponto natural, em tratando-se de um diário)
interessante a respeito das condições que geraram o
filme e dos próprios meios que o tornaram possível,
que acaba também ecoando questões sobre as possibilidades
expressivas alimentadas pelo boom das câmeras
digitais. O filme desfila constantes comentários sobre
sua realização como um meio para que seu próprio objeto
(a busca pelo encontro) possa existir, como quando os
diretores perdem a câmera que estavam utilizando e o
registro passa a se dar em fotografias, até que outra
câmera seja conseguida. Tal expediente não apenas reforça
esta relação filme-objeto, como confere extrema veracidade
ao que assistimos (independentemente de quão forjada
a representação possa ser), propagando um grande sentimento
de “aqui-agora”. (Tatiana
Monassa)
Uma Noite, de Niki Karimi
Yek shab, Irã, 2005
Ao voltar do trabalho, Negar é recebida com o pedido
da mãe para que passe a noite na casa de alguém, pois
marcou um encontro amoroso. Aparentemente acostumada
com o fato, ela, contrariada, resolve vagar pelas ruas
até o amanhecer. Sua perambulação, assim como diversas
outras de filmes oriundos da região, apresenta-se como
uma questão primordialmente de tempo e não de espaço.
Observa-se o tempo das ruas e dos acontecimentos e como
ele impregna as vidas e afeta os personagens. Em Uma
Noite, a grande cidade (Teerã) é um lugar hostil,
de solidão e violência, de problemáticas sociais, econômicas
e políticas – aspectos que a personagem nos vai revelando
no decurso de sua lenta peregrinação sem destino, pois
o tempo de uma madrugada de movimentos escassos e suspeitos
é alongado. A emulação do dispositivo kiarostamiano
do carro como mote para o estabelecimento de uma situação
de “companhia”, na qual longas e amplas conversas se
dão, serve de meio didático para a reflexão sobre questões
de uma contemporaneidade que afeta negativamente a vida
urbana. As mudanças experimentadas no dia-a-dia são
comentadas em meio a questionamentos sobre destino e
felicidade que ecoam um quê das discussões morais kieslowskianas.
A companhia anônima das caronas que Negar pega (enfrentando
um perigo latente que cerca essa noite) configura uma
forma enviesada de relacionamento, contribuindo para
a sensação de isolamento solitário provocado pelas relações
humanas tornadas frias. Nestas amizades momentâneas
e fugazes, em que podem-se ao menos trocar palavras,
todos os comentários políticos que a diretora deseja
tecer sobre a realidade encontram espaço de manifestação.
Este entrecruzamento entre estratégias fílmicas desgastadas,
claro “empréstimo” de dispositivo e atmosfera do mais
eminente diretor iraniano e intenção de comentários
sobre a realidade local colocados de forma altamente
explícita, torna Uma Noite um filme extremamente
tedioso e óbvio. (Tatiana
Monassa)
A Noiva do Silêncio, de Doan Minh Phuong e
Doan Thanh Nghia
Hat mua roi bao lau, Vietnã/Alemanha/Austrália,
2005
O único cineasta do Vietnã que conseguiu exibição no
circuito brasileiro foi Tran Anh Hung, com O Cheiro
do Papaia Verde, O Ciclista e As Luzes
de Um Verão. O Festival do Rio permite que se conheçam
Doan Minh Phuong e Doan Thanh Nghia, que, da mesma forma
que o nome mais famoso do país, exercitam o que se pode
chamar de “cinema genérico de arte”. Em A Noiva do
Silêncio estão presentes os mesmos planos longos,
lentos e contemplativos, enquadrados com absoluto esmero
plástico, mas que não significam nada para a narrativa
ou para a expressividade da obra, valendo tão somente
pelo valor fetichista que tentam conquistar do espectador.
A trama – que pode ser resumida como três solteirões,
uma mãe e um bebê – estabelece a busca do herói pela
progenitora, que não vê desde a infância, através dos
pontos de vista conflituosos dos “tios” que o criaram.
Cada um apresenta sua própria versão da história, a
fim de ocultar a verdade do filho órfão, que enfim lhe
é revelada por um monge budista: como sua mãe serviu
de objeto sexual aos três irmãos que a salvaram da morte
na aldeia, como ela causou a desestruturação do relacionamento
fraterno. Salvo a seqüência em que se conjugam imagens
das águas do rio com a música orquestral (pois todas
as canções são terríveis), que pelo menos introduzem
certo sentido trágico para o fecho da narrativa, A
Noiva do Silencio não desperta mais do que desinteresse
– e sono, muito sono. (Paulo
Ricardo de Almeida)
Orlando Vargas, de Juan Pittaluga
Orlando Vargas, Uruguai/França, 2005
Orlando Vargas,
do uruguaio Juan Pittaluga, cai numa das armadilhas
do “cinema de arte versão século 21”: o desejo do esgarçamento
narrativo que deságua no completo desinteresse.
Página arrancada de um manual do filme de arte atual,
cuja matriz hoje é dominada como ninguém por Gus Van
Sant, mas que é tão difícil de copiar quanto se poderia
imaginar. Porque se os personagens não oferecem informações
ou explicações sobre seus atos, se a narrativa não deseja
evoluir e sim dar voltas em torno do próprio rabo, se
se deseja investir num clima de mistério e confusão,
o que Pittaluga parece ignorar é que de algum lugar
ele deve arrancar a adesão do espectador. E aí, o que
em Van Sant é um hipnótico transe audiovisual, aqui
em Orlando Vargas é um sonífero de doses avançadas.
É quando a sua convicção de investir na não-informação
vira pura teimosia: um jogo de “eu não vou te dizer
nada”, onde no final o espectador só pode responder
“eu não estou nem aí”. Tudo isso engarrafado numa assepsia
visual extrema, num estilo de atuação zumbi, gerando
um resultado onde o pouco som e fúria significam quase
nada: afetação e nada mais. (Eduardo
Valente)
O Passageiro, de Eric Caravaca
Le passager, França, 2005
O começo de O Passageiro
entusiasma – e bastante: Eric Caravaca filma com muito
clima, conta com uma montagem especialmente feliz em
suas elipses e interrupções repentinas de ação, e vai
lentamente construindo um universo para seus personagens
transitarem, com uma escolha brilhante de locações.
Quando seu protagonista (interpretado pelo diretor)
chega num hotel de beira de estrada, e começa a se relacionar
com os moradores de lá (uma estranha família de relações
pouco usuais), se desenha um belo exemplo de filme de
pele, de contatos, de espaços. Passamos um pouco da
metade do filme, neste momento, e de repente o caldo
desanda de uma maneira constrangedora: tudo que era
subentendido passa a ser explicado tintim por tintim
(com direito a flashback depois do personagem
perguntar “o que aconteceu naquela noite?”, carta com
personagem suicida acertando as contas com todos, etc),
e acima de tudo, tudo que era imperfeito, que era “errado”,
e por isso mesmo vivo, passa a ser uplifting,
quase à la manual de auto-ajuda. O filme revela-se então
pouco mais do que uma moralista busca de sentido na
morte (e vida) de uma pessoa, e cá entre nós, disto
já estamos cheio e não precisamos de nem mais um exemplar.
Decepção correspondente ao entusiasmo inicial.
(Eduardo Valente)
O Projeto Goebbels, de Lutz Heichmester
Das Goebbels-Experiment, Alemanha/Inglaterra,
2005
A partir do diário pessoal escrito pelo ministro da
propaganda do regime nazista, Lutz Hachmeister busca
entremear as motivações que levaram Joseph Goebbels
a se aliar a Adolph Hitler com os fatos que permitiram
a ascensão e a queda do Terceiro Reich. Ilustrado com
riquíssimo material de arquivo (certamente o ponto alto
deste documentário financiado pela BBC), O Projeto
Goebbels dá voz ao documentado (através da leitura
de seu diário), embora selecione as passagens a serem
exploradas visualmente. No entanto, a escolha de Hachmeister
de abarcar tanto a vida privada e profissional (no que
tange as atividades ligadas à propaganda, à cultura
e à arte do regime) de Goebbels, quanto a construção
do sistema político-econômico que embasou o nazismo,
enfraquece a potência explosiva do filme, na medida
em que o cineasta não define, afinal, de que se trata
o projeto ou o experimento presente já no título da
obra. Sem foco que alinhave a narrativa, resta ao espectador
sucessão de momentos desconexos, ora medíocres – as
reclamações de Goebbels sobre suas dores sentimentais
–, ora instigantes – as opiniões nuas e cruas do ministro
acerca da propaganda e do cinema (por exemplo, dizer
que Outubro, de Eisenstein, seria mais eficiente
como veículo ideológico se não fosse tão escancaradamente
panfletário). (Paulo
Ricardo de Almeida)
Refém, Constantinos Giannaris
Omiros, Grécia/Turquia, 2005
Inspirado num fato real ocorrido no norte da Grécia,
Refém tem como protagonista um imigrante
ilegal proveniente da Albânia que seqüestra
um ônibus, desviando o trajeto do veículo
para seu país de origem, exigindo um resgate
em dinheiro e a reparação de uma série
de injustiças que havia sofrido. A ação
do filme se desenrola em três frentes: o seqüestro
propriamente dito, a trajetória da polícia
e da mãe do rapaz na tentativa de fazê-lo
desistir do intento e uma série de flashbacks
que aos poucos vão revelando as razões
para os atos do seqüestrador. Giannaris consegue
ser parcialmente bem sucedido em apenas uma delas, com
as seqüências desenroladas no ônibus,
nas quais se desenvolve um clima de tensão e
uma interessante interação entre o criminoso
e seus reféns. Com isso, o filme cultiva seu
lado thriller de forma a assegurar-lhe um certo
interesse. As cenas de flashback, no entanto
parecem mal costuradas e inseridas de forma um tanto
aleatória, explicitando demais o passado do rapaz
e pretendendo realizar uma denúncia do preconceito
sofrido pelos albaneses radicados na Grécia,
denúncia essa que acaba por raramente ultrapassar
a superficialidade. O diretor acaba também em
falhar gravemente ao, no final do filme, colocar a mãe
como uma personagem pertencente a uma tragédia
grega. Assim temos Refém como um trabalho
que se insere pouco além do patamar da mera curiosidade,
uma atração a passar merecidamente desapercebida
em meio ao intenso número de opções
oferecidas em uma mostra de cinema. (Gilberto Silva
Jr.)
Sangre, de Amat Escalante
Sangre, México/França, 2005
Ao longo dos primeiros
45 minutos de Sangre ficamos um tanto intrigados pela
construção de uma rotina de personagens a partir de
um tom de atuação quase straubiano dos seus não-atores,
por um humor quase absurdo que surge desta mesma rotina
(as telenovelas toda noite, o trabalho mecânico de dia,
o relógio de toda manhã) e pelo inusitado uso do formato
do cinemascope para uma história que se pretende tão
pequena. Lá pelo meio do filme, porém, uma frase nos
dá a chave do todo (“a vida é muito torpe”) e vamos
sendo cada vez mais lembrados de que Amat Escalante
era assistente de direção de Carlos Reygadas em Batalla
en el cielo, e que Reygadas é quem produz o seu filme.
Aí é impossível não notar o sexo filmado como patético
e nada mais (sob desculpa de ser “realista”), o olhar
inquisidor sobre seus personagens e o mundo e perceber
que o senso de tragédia que permeava toda aquela rotina,
todo aquele humor inicial, era no fundo o que interessava
a mais este auto-nomeado enfant terrible do cinema mexicano.
Que não se negue uma coisa a Reygadas, porém: é notável
que um realizador de dois filmes já possua o respeito
que Cannes lhe dá (não só o colocando em competição,
mas selecionando o filme de Escalante também para a
Um Certain Regard) e já possa ter seguidores e diluidores.
Bom para ele – para o espectador, nem tanto.
(Eduardo Valente)
Seo Chico - Um Retrato, de José Rafael Mamigonian
Brasil, 2005
No final da mais pungente
cena deste curiosíssimo documentário em primeiríssima
pessoa, está a chave para entender todas as suas qualidades,
e até mesmo algum de seus defeitos: em meio a uma bebedeira
entre equipe e “personagem” (para usarmos a classificação
coutiniana), surge em cena o diretor que abraça o Seo
Chico, e o olha com admiração e carinho enormes enquanto
ele fala. Este abraço sem vergonha de ser elegíaco a
um personagem que representa toda uma forma de viver
e ver o mundo que reconhecemos desde os letreiros iniciais
como extinta, é a grande força-motriz do documentário,
e o que empresta a ele pungência inegável. No entanto,
por vezes os letreiros e os fades em excesso
incomodam, assim como a aparente incerteza da câmera
de como se posicionar frente ao Seo Chico, e por isso
mesmo posicionar-se de todas as maneiras possíveis,
às vezes chamando mais a atenção para si do que para
o que filma. Mas, o que fica mesmo é um filme fantasmagórico
desde o seu começo (e por isso mesmo, o final parece
dolorosamente adequado), que quando consegue impor a
criação de um clima, seja pelo trabalho cuidadoso do
som, seja pela insistência nos tempos mais longos, nunca
deixa de interessar, de emocionar até. (Eduardo
Valente)
S.O.S. - Stress Orgasms and Salvation, de Carlos
Alberto Ricelli
S.O.S. - Stress, Orgasms and Salvation, EUA/Brasil,
2005
Encontros e desencontros amorosos de nova-iorquinos
bem sucedidos, que giram sobretudo ao redor de Rachel
e de sua incapacidade de ter orgasmos. Para Riccelli,
os afetos e os sentimentos dos personagens se resumem
às fórmulas herdadas das sitcoms americanas:
muitos diálogos (entre o edificante-conservador e o
pornográfico-grosseiro), sexo casto, traição, e eventualmente
algum amor. Misturando farsa grotesca e sem graça com
romantismo clichê, Stress, Orgasms and
Salvation – S.O.S. apenas reafirma
o egoísmo, o individualismo e a profunda aversão ao
contato humano que a futilidade expressa, fazendo do
Outro mera peça substituível de jogo narcisista. Em
um filme no qual todas as seqüências são, na melhor
das hipóteses, ridículas (começando pela discussão do
casal sobre onde enterrar o rato morto), o pedido de
SOS pode vir da platéia. (Paulo
Ricardo de Almeida)
Tarfaya, de Daoud Aoulad-Syad
Tarfaya, Marrocos/França, 2004
Miriam deseja emigrar para a Espanha, mas está presa
à cidade-fantasma de Tarfaya, no Marrocos, onde a fuga
para uma vida melhor é impedida pelas relações violentas
que a heroína trava com os habitantes do lugar, seja
Hassan, que primeiro a furta e depois passa a amá-la,
seja o chefe de polícia, que facilitará a travessia
caso ela se torne sua amante. Embora se vista com as
questões sociológicas da emigração árabe rumo à Europa,
e das diferenças cada vez maiores entre o sul pobre
e o norte rico, Tarfaya, na verdade, apenas usa
o pretendo “realismo” das imagens para construir personagens
e situações caricaturais. Em um filme cujo título é
a cidade onde a trama se passa, Daoud Aoulad-Syad se
mostra incapaz de caracterizar o ambiente com a desilusão,
com a amargura e, ao mesmo tempo, com a esperança necessárias
para transformá-lo no limbo pretendido, ou seja, na
região duradoura em que a espera e o desespero se (con)fundem.
(Paulo Ricardo de Almeida)
Todas as Crianças Invisíveis, de Mehdi
Charef, Emir Kusturica, Spike Lee, Kátia Lund, Ridley
Scott & Jordan Scott, Stefanio Veneruso e John Woo
All the invisible children, Itália,
2005
Longa coletivo, realizado por cineastas de diversas
nacionalidades, que busca olhares variados que apontem
caminhos para a infância. Os temas variam desde crianças
envolvidas com a violência, crime, pobreza, trabalho
infantil, AIDS, temas recorrentes sobre crianças envolvidas
com dificuldades financeiras. Todos eles, tocados com
um tom moralista pesado, com muitos dos cineastas envolvidos
aparentando estarem no piloto automático, completamente
desleixados. O mais interessante episódio é o
de Spike Lee, que ao menos traça uma linha que não seja
banalmente moralista, mas que para além desse avanço
em relação aos outros é tão ou mais desleixado e equivocado
quanto os demais. Kátia Lund tem um dos melhores textos
do projeto, mas erra a mão quando o assunto é câmera
e corte. Woo se mostra meio perdido com o material,
faz planos que são corpos completamente estranhos dentro
do conjunto do episódio, e não consegue converter os
exageros do texto em imagens fortes, pelo contrário.
Os outros quatro são tão nulos quanto ruins. Num conjunto
geral, tudo um desastre, que varia entre o muito mal
filmado e o simplesmente ineficiente, com diferentes
estilos de registros tendo em comum pelo menos uma coisa:
sua fraqueza. (Guilherme
Martins)
El Viento, de Eduardo Mignogna
El Viento, Argentina/Espanha, 2005
Uma boa chave para buscar algo em El Viento é
atentar para o belo trabalho de Federico Luppi. Como
o camponês que deseja reencontrar a neta que mora
em Buenos Aires e dizer-lhe que a mãe dela havia
morrido, Luppi empresta charme ao filme. Não
há como não simpatizar com esse simpático
e simplório senhor. O filme vai ao ritmo dele.
Sem pressa, explorando o estranhamento do camponês
com a cidade grande (os melhores momentos do filme),
deixando óbvio que sua câmera, assim como
o protagonista, é apaixonada por cachorros. Eduardo
Mignogna, diretor do mal-falado Cleopatra, realiza
o que se poderia facilmente chamar de "filme delicado,
para pessoas sensíveis". O problema é
que o cálculo feito para chegar a esse formato
é por demais mostrado ao espectador, que se sente
acompanhando uma fórmula eficaz de cinema artístico,
com música de piano, chuva pingando na janela,
closes emocionados da bela atriz Antonella Costa. O
tour-de-force de um ator não se sustenta
com o simples seguir de fórmulas. Antes moldar
o filme a ele do que a regras da cartilha do bem fazer,
e essa segunda opção sendo preferida pelo
diretor, resulta em um filme que até tem seus
raros encantos, mas é frouxo como forma de olhar
e refletir sobre a vida, e a morte, por conseqüência.
(Sérgio Alpendre)
Willenbrock, de Andreas Dresen
Willenbrock, Alemanha, 2004
Ex-Alemanha Oriental. Berndt, depois de abandonar a
aviação, estabelece-se como proprietário de revendedora
de automóveis. Leva vida medíocre, que consiste em trair
a mulher com qualquer mulher que apareça, enquanto se
mantém estritamente ligado aos negócios e bem longe
de manifestações artísticas, tais quais pintura e literatura.
Seu cotidiano insosso, contudo, vira de ponta cabeça
quando tem a casa de campo assaltada, uma vez que o
casamento acaba por ruir com a paranóia da esposa em
relação à segurança. Em Willenbrock Comprou Uma Arma,
Andreas Dresen pretende falar da morte para exaltar
a vida, discorrer sobre as misérias humanas a fim de
revelar o que há de maravilhoso na existência, tratar
dos rompimentos afetivos que apontam para a reconciliação.
No entanto, com conflitos tão arquitetados e previsíveis
e com enquadramentos absolutamente calculados, que abusam
da movimentação da câmera com grua, Willenbrock Comprou
Uma Arma apenas enfileira discursos pomposos e mortos
enquanto maltrata sadicamente os personagens - que,
por sua vez, são cada um pior que o outro. Faltou ao
cineasta a percepção de que, para criar o jogo intricado
de espelhos que o filme propõe, seria necessário partir
de blocos brutos e não-lapidados do real (como Kiarostami,
por exemplo, em O Vento Nos Levará ou O Gosto
da Cereja) ao invés de se basear nas idéias cristãs
de culpa, de pecado e de punição, que não somente julgam,
como também pautam os atos de Berndt, que desde o início
já se considera – conforme explicita o próprio herói
na voz off que abre o filme – o pior dos vermes
desprezíveis sobre a terra. (Paulo
Ricardo de Almeida)
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