GOOD NIGHT AND GOOD LUCK
George Clooney, Good night and good luck, EUA, 2005

Com vinte minutos de filme dá pra notar que, por trás de toda a verborragia, existe um projeto bem definido de imagem no novo filme de George Clooney. Em seu preto e branco de aparelho de TV dos anos 50, Clooney trata do episódio da caça às bruxas com uma aparente linguagem seca e jornalística. Aparente porque, para além dos cortes rápidos e dos contraplanos funcionais, Clooney insiste em mostrar com sua câmera, não só o que está em destaque (e deveria, em tese, atrair a atenção do público), mas os mínimos olhares trocados, o espaço claustrofóbico onde se dá essa luta de jornalistas por um ideal. Esse espaço é uma sala minúscula onde se dão as reuniões de pauta de um programa de prestígio, “See it Now” – apresentado por Edward Murrow, mas custoso para a emissora incipiente, CBS. Existe também o bar, reduto dos jornalistas que se apinham entre mesas apertadas com jornais à mão para comentar a repercussão do último programa. Por último, existe um casal que não pode se assumir como tal porque é proibido relacionamento amoroso entre colegas de setor.

Há muito mais força no desfocar de personagens importantes como o de Clooney (diretor do programa) do que nos closes de reação, e Clooney (o diretor do filme) parece entender perfeitamente que o fora de quadro pode ser até mais eficiente quando se torna dentro do quadro – mesmo que pareça continuar fora de quadro. São detalhes: do pedaço de gente que anuncia alguma notícia primordial, do aparelho televisivo que transmite os depoimentos dos perseguidos pelo macarthismo, do personagem que lê a matéria mas tem sua cabeça cortada, dos olhares de David Strathairn (um Edward Murrow terno e responsável), de seu bordão final, justamente o que dá nome ao filme, tão nobremente entoado. Detalhes que não fogem ao olhar atento e sensível de Clooney.

Que se note também o risco de se descambar pra uma crítica via Michael Moore, comparando os EUA daquela época aos de hoje. Clooney pode até querer essa conexão, mas ela não se dá pelo viés de denúncia e sim pelo da esperança: Frank Langella, que interpreta magistralmente o chefão da CBS, é o personagem-chave nessa busca pelo ideal jornalístico do outro lado; o contraponto sensato à “porralouquice” idealista dos jornalistas. É ele quem segura o rojão, não censurando, não pressionando, mas alertando para os excessos do programa, que poderiam afetar a emissora e causar demissões. No pronunciamento deflagrador de Murrow, ele diz que pode conviver com amigos comunistas sem ser influenciado por seus ideais políticos. Clooney poupa a todos no meio político da época, menos o senador Joseph McCarthy e o jornalista do Washington Post que provocou o suicídio de um outro âncora, comunista enrustido de um outro programa da CBS.

Pode-se dizer que o momento da política americana durante o macarthismo é tão escancaradamente ridículo, como o próprio filme reforça, que qualquer contraponto tornaria-se redundante, pois o prestígio do âncora já fornece todos os dispositivos críticos à política do senador. Mas, claro, há os patrocinadores: sem eles, qualquer tentativa de levar esclarecimento ao público dá em fracasso. O programa é mandado para um horário ingrato, e o diretor do programa tem a difícil missão de fazer cortes em seu pessoal. Mas o filme termina como começou, com Murrow dando uma palestra, em 1958, sobre seu passado na TV, e sobre o futuro do jornalismo – fazendo a ponte, desnecessária, com a situação atual com que tanto sonham os críticos americanos.

Sérgio Alpendre