ANOS DE REBELDIA
Dennis Hopper, Out of the Blue, Canadá/EUA, 1980
 

As duas preferências musicais de C. B., a protagonista de Anos de Rebeldia – Elvis Presley e punk rock – definem de forma drástica o espírito que Dennis Hopper tenta traduzir em seu filme: uma ponte entre uma rebeldia que poderíamos dizer "romântica", ou ao menos até certo ponto idealizada, que caracterizou os primórdios do rock nos anos 50, até a rebeldia desencantada, radical que caracterizaria o movimento punk, já difundido e institucionalizado quando do lançamento do filme, no Festival de Cannes de 1980.

Poucas figuras na história do cinema estariam tão habilitadas a construir tal ponte quanto Hopper, que deu os primeiros passos no cinema à sombra do amigo James Dean, um dos mitos fundadores do que poderia ser definido como um "espírito rock", nos filmes Juventude Transviada (1955) e Assim Caminha a Humanidade (1956). Hopper continuou vivenciando de forma mais que íntima tal espírito, passando pela contracultura da década de 60, à qual forneceu uma das suas mais impressionantes contribuições/traduções, dirigindo Sem Destino (1969), passando a década de 70 como uma figura completamente à margem de todo o riquíssimo cenário do cinema americano da época, o que fica evidentemente traduzido em sua "entorpecida" participação como o fotógrafo em Apocalypse Now (1979).

É esse o momento em que surge a oportunidade de dirigir Anos de Rebeldia, que o ator/diretor parece idealizar como uma retomada das formas de expressão mais "primitivas" dos anos 50, como fizeram pouco antes os punks e sua mais célebre tradução musical, o Sex Pistols. Assim Dennis Hopper concebe seu filme como uma canção de rock básico, com três acordes essenciais. Dirige Anos de Rebeldia de forma minimalista e direta. Sua concepção para o filme exala uma liberdade próxima do improviso, sem uma referência a normas consagradas que, como nas canções mais simples do rock, prescinde de uma riqueza de recursos para atingir em cheio olhos/ouvidos de seu receptor, de forma curta e grossa. Um trabalho de complexidade bem mais extensa, além das constantes leituras superficiais que insistem em situar Anos de Rebeldia como um mero retrato de uma família desfuncional.

Desse modo, Anos de Rebeldia é extremamente feliz em situar sua personagem principal, a adolescente C. B. (Linda Manz, num processo de vivência, muito acima de uma simples atuação) como uma nova tradução do "espírito rock". "Subverta a normalidade", diz ela logo em sua primeira e impressionante aparição, divulgando mensagens anárquicas através do rádio de um caminhão abandonado. Revelada precocemente em Cinzas no Paraíso de Terrence Mallick (1978), Manz, que não seguiu carreira em cinema após a idade adulta, transmite com C. B. uma figura de estranha e por vezes contraditória complexidade; um amálgama de força e fragilidade, maturidade e infantilidade, agressividade e doçura, impregnada numa dúbia sexualidade. Como foram as personagens que James Dean criou em seus únicos três filmes. C. B., usando um jaquetão de couro que pertence a seu pai – não por acaso interpretado por Hopper – parece uma ressurreição ao mesmo tempo anacrônica e coerente do Marlon Brando motoqueiro em o Selvagem (1954).

C. B. segue numa desilusão quase alienada sua vida no presente em nada sedutor, aguardando que a saída do pai, após longa temporada na prisão, causaria uma alivio, uma nova esperança para sua existência na qual nada parece ajustar-se. Só que, ao contrário de suas esperanças, o constante desencaixe de seu cotidiano só vem acentuar-se com a presença paterna. Fica assim cada vez mais para trás a C. B. que insiste em acompanhar animadamente a pureza de Teddy Bear, cantada por Elvis, para assumir e vivenciar da forma mais literal possível o desencanto dos versos de Neil Young em Hey Hey, My My, canção donde saiu título o título original do filme: "It´s better to burn out than to fade away (...) when you’re out of the blue and into the black".

Além disso, temos na genial participação de Hopper como ator uma definição dos rumos que sua persona cinematográfica se caracterizaria a partir de então. Muito de seu personagem mais lembrado, o Frank de Veludo Azul já está presente na penúltima e desconcertante seqüência. Mais um dos inúmeros fatores que deixam ao final de Anos de Rebeldia uma sensação de paralisia e impassividade, como se ele atuasse de forma idêntica a uma possante e surpreendente porrada na cara que torna quase impossível a tradução de seu impacto em meras palavras.


Gilberto Silva Jr.

(DVD Aurora)