HOTEL RUANDA
Terry George, Hotel Rwanda, Inglaterra/África do Sul, 2004

Uma das maneiras mais interessantes de se avaliar as intenções de Terry George na concepção de seu Hotel Ruanda talvez seja através do acompanhamento dos sentimentos expressos pela senhora que assistia à sessão a meu lado, em um cinema da zona sul do Rio. Provavelmente ela mal sabia em que lugar da África fica Ruanda e nunca ouvira falar no genocídio por lá ocorrido há cerca de uma década. Ao longo da projeção, a senhora várias vezes verteu lágrimas indignadas contra a vileza do ser humano, que mata cruelmente seus compatriotas, sem compaixão mesmo para com inocentes crianças. Emocionada ao fim da sessão, provavelmente sairá com a sensação de algum tipo de dever social cumprido, tanto pelo filme, ao denunciar ao mundo semelhante infâmia, tanto por ela própria, ao dedicar 2 horas de sua vida a informar-se sobre uma tragédia ocorrida em uma nação distante. Após o cinema, tomará com a amiga um café ou um sorvete e seguirá sua rotina classe média, tentando esquecer ao máximo a tragédia cotidiana vivida na cidade que a cerca.

Encarado sob esse prisma, Hotel Ruanda aparenta cumprir de forma bastante objetiva sua função, conforme a concepção de seu autor: a denúncia, usando artifícios de grandiloqüência, de uma situação trágica ao restante de um mundo que insiste em ignorá-la. Parte do ponto de vista de um protagonista, no caso o gerente de hotel Paul (Don Cheadle), que mesmo vivendo o contexto do universo onde a tragédia se implanta, segue mantendo-se distanciado, ou mesmo alienado, até o momento em que, envolvido pelos fatos, faz-se necessária uma tomada radical de posição. Através desse protagonista, ponte de identificação com o espectador, o cineasta vai apresentando o tema espinhoso, de forma gradativa para não chocar a audiência de imediato, conseguindo sua adesão para a vivência de um contexto que só se mostra presente em sua maior intensidade após pouco mais da metade da narrativa. Caminha então para uma conclusão que, após uma enxurrada de elementos melodramáticos, termina em alguma forma de expiação ou reencontro que acabaria por provocar uma espécie de catarse emotiva na platéia, que sairia do cinema impressionada por um filme de tamanha relevância social.

O que Terry George parece ter ignorado é que para se fazer um bom filme é necessário muito mais que um tema bombástico, conteúdo sócio-político relevante e mesmo fidelidade aos fatos reais. É também preciso um mínimo de inteligência e sutileza. George limita-se a seguir com o mais intenso rigor a receita de bolo apresentada no parágrafo anterior, sem jamais ceder espaço à criatividade ou a qualquer intenção de subvertê-la em algum momento. É uma fórmula consagrada há décadas, que tem o superestimado Costa-Gavras (Z, Estado de Sítio, Desaparecido) como expoente máximo, e que, em outros tempos, muito lhe rendeu respeito por parte daqueles que buscariam algum tipo de “cinema com conteúdo”. Hotel Ruanda, por sinal, não se limita apenas a apropriar-se dessa fórmula, mas também a banalizá-la ainda mais – se é que isso é possível – abusando dos recursos melodramáticos mais previsíveis e vagabundos. Um filme que simplesmente acaba demonstrando que antes mesmo de assisti-lo é possível imaginá-lo mentalmente em todo o seu desenvolvimento. Provando também que tratar de um assunto importante e fazer cinema de forma expressiva são duas coisas completamente diversas e até, nesse caso específico, incompatíveis.

Gilberto Silva Jr.